A Justiça Federal do Rio de Janeiro decidiu em liminar expedida nesta quarta-feira, 23, proibir a anunciou que excluiria de sua biblioteca 300 títulos que, segundo a atual administração, refletem uma suposta “dominação marxista” na instituição de excluir ou doar seu acervo. A decisão foi assinada pelo juiz Erik Navarro Wolkart, da 2ª Vara Federal de São Gonçalo.
O presidente da instituição, Sergio Camargo anunciou, na semana passada, que excluiria de sua biblioteca 300 títulos que, segundo ele, refletem uma dominação marxista na Fundação Palmares.
O Dicionário do folclore brasileiro, de Luís da Câmara Cascudo, Almas mortas, de Nikolai Gogol, e O mundo do socialismo, de Celso Furtado, foram algumas das obras consideradas comunistas, pelo bolsonarista que dirige a instituição.
Na decisão, o juiz federal Erik Navarro Wolkart afirma que uma ação como essa teria que ser amplamente debatida com a sociedade, “sob pena de lesão irreparável aos valores das comunidades negras e da sociedade brasileira como um todo”.
A liminar ainda estabelece o pagamento de R$ 500 por cada item doado em descumprimento à decisão.
No texto da liminar, Wolkart ainda destaca que “a despeito da autonomia da Fundação, bem como da separação dos Poderes, entendo que a desmobilização de parcela relevante do acervo da mencionada entidade deva passar por uma discussão mais ampla e plural, de acordo com a finalidade da própria Fundação e das comunidades que ela visa proteger e representar”.
O autor da ação que culminou na liminar, o advogado e coordenador do coletivo Direito Popular, Paulo Henrique Lima, comemorou a decisão da Justiça e ressaltou que sua carga simbólica, já que ela veio um dia após o aniversário de Luiz Gama, abolicionista brasileiro do século XIX e uma das figuras mais relevantes da história do país e do movimento negro.
“É uma vitória jurídica, política e simbólica. Essa decisão do juiz Erik Navarro caminha na ideia de resgatar nosso direito à memória e à existência enquanto povo nesse país, que registra violência tão grande contra a população negra — avalia Lima. — A decisão mostrou que o poder judiciário precisa se movimentar quando uma instituição como essa rompe com a linha constitucional”, afirmou o advogado.
Vale destacar que Luiz Gama foi um dos personagens atacados por Sergio Camargo ao anunciar que iria se desfazer do acervo. O abolicionista ainda teve sua minibiografia retirada do ar no site da Fundação Palmares por determinação do chefe bolsonarista da instituição.
Paulo Henrique Lima também destacou as ações de Sergio Camargo que violentam a negritude e por isso, essa decisão judicial veio para “corrigir um grande problema que vinha sendo colocado ao Estado Democrático de Direito”.
Para o advogado, a decisão tem importância jurídica, social e pedagógica, pois “a possibilidade de uma medida como essa (doação de acervo), dentro de uma fundação importante como a Palmares, mostra como as instituições do país vêm caminhando de forma diferente que a Constituição prevê. A Palmares não pode ficar refém da ideologia do presidente. A liminar é até mais importante para a democracia do país do que para o próprio movimento negro. Se essa censura fosse naturalizada, poderia ser a destruição da imprensa, da cultura e do ensino público”.
No Twitter, Sérgio Camargo afirmou que a Palmares vai recorrer da decisão. Na manhã desta sexta (25), escreveu ainda que pretende destinar os livros excluídos a um “museu do aparelhamento” que será criado na instituição e que, segundo ele, também contará com “o acervo iconográfico que presta culto à vitimização do negro”.
“É preciso expor aos brasileiros que a Fundação foi reduzida a uma senzala marxista durante três décadas”, escreveu.
Vinculada ao Ministério da Cidadania, a instituição foi fundada em 1988 para promover e preservar valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.