Ildo Sauer, Paulo Cesar Lima, Aurélio Valporto e o deputado federal Nereu Crispim (PSL-RS) defendem a taxação das petroleiras exportadoras e a criação de um mecanismo de estabilização dos preços internos
A decisão do governo Bolsonaro de seguir impondo ao país os preços extorsivos dos combustíveis, atrelando-os à variação do dólar e do barril de petróleo nas bolsas de mercadorias, é, como disse o recente manifesto divulgado pela Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás) e outras entidades, um verdadeiro suicídio econômico. O preço da gasolina não para de subir e já passa de R$ 7 o litro, enquanto o gás de cozinha atinge a cifra astronômica de R$ 135 o botijão.
REFINARIAS SÃO OBRIGADAS A VENDER COMBUSTÍVEIS A PREÇOS MAIS ALTOS
A direção entreguista da Petrobrás insiste em argumentar que é do interesse dos acionistas a manutenção da paridade de preços internacionais (PPI). Esta política de preços, que já provocou o colapso de 2018, que redundou na greve dos caminhoneiros, além de pressionar os consumidores e a economia nacional – dependente de transporte a diesel -, obriga as refinarias brasileiras a venderem os derivados a preços muito acima de seu custo de produção, estimulando, com isso, o crescimento das importações. As importadoras agradecem a sabotagem do governo às refinarias brasileiras.
A escalada de preços está totalmente acoplada às variações do dólar que, com a instabilidade provocada pelas insanidades e inconsequências de Bolsonaro, não para de subir. Está também vinculada ao preço internacional do barril de petróleo que, com a retomada da economia mundial, também está e alta.
A disparada de preços não está vinculada à cobrança do ICMS, como alega Bolsonaro. A alíquota do ICMS, cobrada pelos estados, apesar de ser alta, é fixa e inalterada desde 2015. Não tem nada a ver, portanto, com a escalada dos preços. O presidente da Petrobrás, Joaquim Silva e Luna, foi claro recentemente, em uma de suas entrevistas, ao dizer que a decisão de aumentar os preços dos combustíveis é do governo federal e que não pretende mudar essa política.
A alíquota do ICMS, cobrada pelos estados, apesar de ser alta, é fixa e inalterada desde 2015
No início de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta que modifica a cobrança do ICMS dos estados. O projeto define um valor fixo de ICMS calculado pela média dos preços praticados nos últimos dois anos e teria um prazo de vigência de um ano. Diversos parlamentares argumentaram que, apesar de concordarem com a redução da carga tributária sobre a população, essa proposta não deteria a alta de preços. Segundo eles, a alta não tem ligação com o ICMS, mas sim à vinculação com o dólar e com o barril do petróleo.
BOLSONARO SÓ FALA EM ICMS PARA TENTAR TIRAR O CORPO FORA
A pressão de Bolsonaro exclusivamente sobre o ICMS é uma forma de eludir o problema. É também uma maneira de tentar tirar o corpo fora do desastre que é sua política econômica. Ele prometia reduzir o preço do gás à metade e, simplesmente, dobrou o seu valor. Só entre julho de 2020 e julho de 2021, o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) subiu 29,44%, ou quase três vezes mais que os 9,85% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a inflação para as famílias com renda mensal entre um e cinco salários mínimos.
A gasolina nas refinarias teve aumento de 51% ao longo do ano de 2021. A alta de preços da gasolina e diesel na bomba chegou a 35,5% no ano, diz ANP. Durante a campanha, ele prometia também que o litro da gasolina não passaria de R$ 2,50. O preço do litro da gasolina comum na bomba já passa de R$ 7, segundo pesquisa de preços da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizada em agosto. Ou seja, Bolsonaro procura um bode expiatório para problemas que são seus.
O preço do litro da gasolina comum na bomba já passa de R$ 7, segundo pesquisa de preços da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
Vários especialistas que discutem seriamente o problema condenam a vinculação dos preços dos combustíveis à especulação. Eles até defendem que a Petrobrás possa praticar a paridade de preços internacionais, desde que seus ganhos sejam divididos com a sociedade e que seja constituído um “colchão tributário” para amortecer a instabilidade, dos preços praticados internamente.
Os exportadores de petróleo bruto do país, a própria Petrobrás, a Shell e outras petroleiras não pagam impostos de exportação e, através de manobras contábeis e prejuízos fictícios, muitas delas, nem mesmo pagam o imposto de renda, denunciam esses especialistas.
O professor Ildo Sauer, do Instituto de Energia da USP, e ex-diretor da Petrobrás, defende a taxação como forma de “manter preços de mercado para os consumidores brasileiros e colocar no Tesouro a renda do petróleo”. Além disso, afirma Ildo, “a taxação é uma forma de fazer compensações sociais e garantir recursos para o desenvolvimento”. Para o professor da USP esses recursos “não devem ser apenas para engordar o lucro privado”.
“A taxação é uma forma de fazer compensações sociais e garantir recursos para o desenvolvimento”, diz Ildo Sauer
ILDO: RENDA NÃO PODE SER APENAS PARA ENGORDAR LUCRO PRIVADO
Ele explica que “na transição, aplica-se o imposto de exportação sobre petróleo e derivados. Isso faz os preços internos caírem imediatamente. Neste momento, este imposto pode ser de 30 a 50 por cento. Pode ser em escala progressiva inversa ao preço do petróleo no mercado internacional. 0 por cento para 40 dólares o barril e 50 por cento para 100 dólares o barril. Análogo para derivados”, defendeu. Ildo lembrou que “a CIDE (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico) seria o mecanismo de estabilidade de preços, e não é usado para isso”.
O ex-consultor legislativo e ex-engenheiro da Petrobrás, Paulo Cesar Lima, também defende essa taxação para a formação deste “colchão” de preços e como forma de transferir parte da renda do petróleo para a sociedade brasileira. “A Petrobrás, a Shell, etc, exportam petróleo bruto com preço vinculado ao mercado internacional, sem pagar tributos”, disse ele.
“A Shell é parceira da Petrobrás em campos do Pré-Sal. Nessa província estão localizados os poços mais produtivos do mundo. Mesmo com a redução do preço médio de venda do petróleo de US$ 61,2 por barril, em 2019, para US$ 40 por barril, em 2020, a rentabilidade da Petrobrás foi muito alta em razão de o custo médio de extração com afretamento e com participação governamental ter sido de apenas US$ 13,10 por barril, em 2020”, explicou.
“Como a Petrobrás é a operadora dos principais campos onde ocorre a produção da Shell no Brasil, consequentemente, as rentabilidades dessa ‘empresa estrangeira’ e das outras parceiras da estatal também foram muito altas”, afirmou Paulo Cesar. “Mas se a Shell é tão rentável no Brasil, em decorrência principalmente dos campos de Lula, Sapinhoá, e entorno de Sapinhoá, por que a empresa apresentou prejuízo contábil em 2020?”, indagou o engenheiro.
“Se a Shell é tão rentável no Brasil, em decorrência principalmente dos campos de Lula, Sapinhoá e entorno de Sapinhoá, por que a empresa apresentou prejuízo contábil em 2020?”, indaga Paulo Cesar Lima
PAULO CESAR: ESTÃO DESTRUINDO O REFINO NO BRASIL
“Se a atividade de exportação continuar com esse modelo e o valor dos derivados não tiver nenhuma vinculação com o mercado internacional, não terá investimentos em refino no Brasil”, acrescentou Paulo Cesar. “Até as refinarias atuais podem ser fechadas. Como o povo não pode pagar preços vinculados ao mercado internacional, tem que haver um fundo ou “colchão tributário” com recursos da tributação sobre a exportação de petróleo bruto. Isso garantiria rentabilidade ao refino e preços justos e estáveis para os brasileiros”, prosseguiu o ex-consultor legislativo.
Na opinião do especialista, a direção da Petrobrás e o governo prejudicam suas próprias refinarias, retirando-as do mercado por conta do PPI. Mantendo preços altos e atrelados ao mercado internacional, eles tornam atrativas as refinarias que eles querem privatizar. “Quando o governo fala que vai praticar o PPI ele valoriza os ativos da Petrobrás, os terminais, os dutos e a refinaria que ela está vendendo sem licitação. Na minha visão também ilegalmente e inconstitucionalmente”, afirmou Paulo Cesar.
“A consequência são baixíssimos fatores de utilização (ociosidade). Em maio de 2021 o fator de utilização das refinarias estava em 69%. Já foram vendidas a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), a Refinaria Isaac Sabbá (Reman) e o PPI vai eternizar esses preços altos no Brasil. Mesmo que o petróleo seja produzido aqui e refinado aqui no Brasil. Então, o grande prejuízo do PPI é para os donos dos reservatórios petrolíferos, donos dos recursos petrolíferos que é o povo brasileiro”, disse o ex-engenheiro da Petrobrás.
A consequência são baixíssimos fatores de utilização (ociosidade). Em maio de 2021 o fator de utilização das refinarias estava em 69%
“No mês de agosto, nós passamos a importar muita gasolina, principalmente diesel e chegamos a um dispêndio de mais de 800 milhões de dólares no mês de agosto”, denunciou Paulo Cesar. “Só com o diesel nós temos um dispêndio enorme. A consequência são baixíssimos fatores de utilização das refinarias. Em maio de 2021 o fator de utilização estava em 69%. Com isso a Petrobrás deixa de agregar valor”, prosseguiu.
VALPORTO: IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO DERRUBARIA PREÇOS INTERNOS
Outro economista que também defende essa saída é Aurélio Valporto, presidente da Abradin (Associação Brasileira de Investidores). “Imposto de Exportação derrubaria preços de alimentos e combustíveis”, disse o economista, estendendo sua análise para os preços de alimentos também dolarizados. “A taxação das exportações pode agir como forma de regular os preços internos de combustíveis e alimentos, que não param de subir levando a inflação para níveis insustentáveis”, argumento Aurélio Valporto.
“Energia é um preço relativo básico na economia, ela é essencial para que a economia, um ‘organismo vivo’, funcione”, explicou ele. “Portanto, quanto mais barata e abundante a energia, mais a economia vai prosperar. Petróleo mais barato também implica em produtos derivados da indústria petroquímica, que está em tudo que nos cerca, mais baratos. Enfim, com petróleo e seus derivados mais baratos, toda a atividade econômica será estimulada, gerando empregos, renda e combaterá a inflação”, argumentou Valporto.
“Mesmo com o câmbio descontrolado, temos à mão a estratégia de usar imposto de EXPORTAÇÃO, tanto para petróleo como para alimentos. É inadmissível sermos um dos maiores produtores mundiais de alimentos e de petróleo, com alta capacidade de refino, e estarmos entrando em recessão justamente pela alta abusiva de alimentos e derivados de petróleo. O Brasil está exportando, e praticando preços ditados pelos mercados externos, para o enriquecimento de poucos à custa do colapso da sua economia, causando principalmente, desespero, fome e morte entre os mais necessitados”, finalizou o presidente da Abradin.
“Energia é um preço relativo básico na economia, ela é essencial para que a economia, um ‘organismo vivo’, funcione”,
PROJETO TAXA EXPORTAÇÃO DE PETRÓLEO
O deputado federal Nereu Crispim (PSL-RS) apresentou uma proposta (PL 750/21) que taxa as petrolíferas que atuam no Brasil. Ele defende que deve ser criado um Fundo de Estabilização, baseado em impostos cobrados das petrolíferas, para impedir que o preço suba e atinja a população. Segundo o deputado, “o Brasil é um paraíso fiscal para as petrolíferas internacionais, elas não pagam impostos”.
“Hoje as nossas reservas petrolíferas, que são as melhores do mundo, estão indo embora”
“Hoje as nossas reservas petrolíferas, que são as melhores do mundo, estão indo embora. Estão levando a riqueza do Brasil sem pagar imposto nenhum, expropriando a riqueza do Brasil”, denunciou ele, em entrevista ao repórter Pedro Bianco. O deputado lembrou que os Fundos de Estabilização “são praticados por praticamente todos os países do mundo para estabilizar os preços dos combustíveis”.
SÉRGIO CRUZ
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