A presidente do PCdoB, Luciana Santos, fez pronunciamento dirigido ao Encontro Nacional Sobre Questões Internacionais do PCdoB, realizado sexta-feira (3) e sábado (4), em São Paulo. Luciana ressaltou a importância dessa iniciativa e afirmou a necessidade de termos “uma visão própria dos acontecimentos do mundo, sob o prisma dos interesses nacionais e de objetivos concretos, que em última instância alimente nossa ação política em torno do nosso Programa e da construção de um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento como caminho ao Socialismo no Brasil”.
Governadora de Pernambuco em exercício na ocasião, Luciana Santos dirigiu-se à reunião por videoconferência e destacou que “a tendência principal da economia mundial é de forte processo de desaceleração do comércio internacional e rebaixamento das metas de crescimento”.
“A Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), reduziu a meta de crescimento da União Europeia de 1,8% para 1%; economistas do Banco Central dos EUA (FED), chegaram a afirmar que o crescimento baixo será o ‘novo normal’ da economia dos EUA e apenas países como a China e Índia estão entre os poucos que têm conseguido manter o crescimento”, enfatizou Luciana.
“Uma sociedade que não possui uma visão própria de si, que não tenha um Projeto Nacional está destinada a ser subserviente a outras Nações. É por isso que o estudo, análise e acompanhamento da dinâmica internacional deve ser constante. Só se pode compreender os fenômenos que se desenvolvem no Brasil a partir de uma visão abrangente dos fenômenos, buscando compreender quais são suas correlações externas, e como elas incidem sobre nossa realidade”, destacou a presidente do PCdoB.
ATAQUES AOS DIREITOS
“A crise econômica de 2007/2008, que resultou em milhões de desempregados, eliminou direitos, fragilizou nações, não foi superada. As medidas para a retomada da atividade econômica têm se demonstrado limitadas. Num cenário global de instabilidade o ambiente econômico é marcado por incertezas”, disse.
“O capitalismo em sua fase atual, neoliberal, regido pela financeirização, somada às transformações produtivas decorrentes das inovações tecnológicas, tem ampliado o fosso entre o capital e o trabalho, produzindo a retirada de direitos e a desvalorização do trabalho, e gerando uma enorme massa de desempregados, de indesejáveis, de seres descartáveis”, assegura Luciana.
“O velho liberalismo político, cosmopolita, que modelou a União Europeia (UE) e instituições multilaterais, tem sido questionado por uma nova direita, ultraliberal na economia, autoritária na política e conservadora nos costumes”.
“Neste quadro, as elites dominantes parecem estar divididas diante da cada vez maior contradição entre o neoliberalismo e a democracia. De um lado estão os que querem enfrentar a situação mantendo os fundamentos do liberalismo político, com alguma margem de liberdades democráticas. De outro, cresce ao redor do mundo a opção por governos fortes, de extrema direita para, pela força, implementar sua agenda.”
DISPUTAS ACIRRADAS
“Um fator importante, que precisa ser considerado é o acirramento das disputas no cenário internacional. Neste quadro de emergência de tendências à multipolaridade, existem dois grandes atores – de um lado os EUA, que representam o atual status quo; do outro lado a China socialista, que entre as potências emergentes se destaca com força e vigor, demonstrando disposição de se apresentar como alternativa à atual ordem, a partir da noção de desenvolvimento compartilhado”, acrescenta a dirigente.
“A disputa entre EUA e China vai além da dimensão comercial, sendo uma disputa pelo controle da ‘ponta tecnológica’, sobretudo onde afeta de forma imediata o avanço militar, no campo da inteligência artificial, da computação quântica e da comunicação. É uma disputa que se desenvolve na esfera dos grandes acordos de investimento, na montagem de cadeias produtivas envolvendo empresas de alta tecnologia e de múltipla nacionalidade”, analisou Luciana.
“Há também a tecnologia digital e as chamadas redes sociais, que estão longe de ser um simples entretenimento, e compõem o quadro atual das disputas. Elas são um emaranhado que envolve interesses geopolíticos, inteligência artificial, guerra cibernética, finanças globais, consumo e uma acelerada apropriação corporativa de nossos dados mais íntimos”.
“O Brasil teve atuação autônoma nesse quadro de contradições. Na última década, o Brasil avançou na construção de um desenvolvimento autônomo importante. Buscou internacionalizar suas empresas, formou sob sua liderança um polo regional na América do Sul, contribuiu para a articulação dos Brics e descobriu estratégicas e cobiçadas reservas de petróleo. Situação que se inverteu desde o golpe de 2016 e o consequente governo da direita. O novo governo brasileiro, busca reposicionar o país, realizando uma opção geopolítica de se alinhar aos EUA e se distanciando dos Brics, contribuindo para isolar a China na região, e abandonando as iniciativas de integração regional”, afirma Luciana.
“O Brasil no governo Bolsonaro se torna uma peça que se move não de acordo com seus interesses, mas sim seguindo o slogan de Trump ‘América em Primeiro’. Em última instância estes são movimentos que contribuem para a manutenção da atual ordem internacional”, disse. E denunciou: “temos presenciado uma revitalização da Doutrina Monroe, da América para os Americanos. A política externa dos EUA está sob a custódia dos setores mais radicalizados do ambiente político americano. Nem no governo Bush eles tiveram tanto protagonismo. Há um esforço de tutelar a política externa dos países da região”.
“Um dos maiores exemplos dessa opção antinacional do governo de Bolsonaro “tem sido os movimentos que o Brasil tem realizado, em coordenação com os EUA para desestabilizar a vizinha Venezuela. Chegando ao nível de colocar sob a mesa a opção de uso da força contra o país vizinho, sem levar em consideração as inúmeras consequências que isto poderia acarretar”.
“Outras expressões deste reacender da Doutrina Monroe é a ruptura feita em torno do projeto da Unasul, dos intentos de criar a Prosul, e dar nova prioridade a OEA”.
ALTERNATIVA
“A questão central que marca a nossa época, e todo este contexto, é qual é a alternativa para este modelo, cada vez mais excludente e autoritário, e que coloca em xeque a própria vida humana. A luta por uma alternativa anticapitalista, sob a forma e as condições do nosso tempo, a luta pelo socialismo. Este é o nosso objetivo estratégico, este que orienta o nosso programa, que focado na realidade brasileira se dá através da nossa luta por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”, destaca Luciana.
“Nesse sentido se destaca a atuação no Foro de São Paulo, e o nosso compromisso com seu fortalecimento. A realização da cúpula dos Brics este ano no Brasil, faz com que tenhamos como objetivo trabalhar para a realização de um encontro dos partidos comunistas destes países, com vistas a trocar impressões sobre o cenário internacional. De significado igual está o nosso compromisso com o Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários”.
“Uma esfera importante do trabalho internacional é a relação com os partidos que desenvolvem suas experiências de construção do socialismo. China, Vietnã, Cuba, Coreia, Laos, são parte prioritária do nosso trabalho de relações bilaterais e fonte importante de pesquisa sobre os desafios da construção do socialismo no mundo contemporâneo”.
“Somos um partido que tem entre os seus princípios o internacionalismo e a luta anti-imperialista. Nesta atual quadra a dimensão do trabalho internacional adquire ainda mais relevância. Esta área é enriquecida com a incorporação dos camaradas oriundos do PPL, com larga trajetória neste campo. Estamos seguros que o partido irá dar saltos importantes nesta frente”, finalizou Luciana Santos.
Encontro Nacional Sobre Questões Internacionais
Convocado e organizado pelo vice-presidente do PCdoB e secretário nacional de Relações Internacionais Walter Sorrentino e por seu secretário adjunto, o jornalista Wevergton Brito, o debate “O Brasil e o Mundo em crise – Dilemas e perspectivas” contou com a presença dos principais quadros com atuação na área, além da participação por videoconferência com intervenção na reunião e muitos outros como ouvintes.
Participaram como expositores a ex-deputada federal Jô Moraes (que presidiu a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados); o economista Luis Fernandes (ex-presidente da Finep); a socióloga Ana Prestes, o especialista em geopolítica, Ronaldo Carmona e Nilson Araújo, professor e doutor em economia. Márcio Cabreira, ex-secretário de Relações Internacionais do Partido Pátria Livre até a unificação com o PCdoB, relatou o trabalho internacional do PPL.
Ao abrir os trabalhos, Walter Sorrentino falou dos propósitos do Encontro de “avaliar a conjuntura internacional e sistematizar” o trabalho partidário nesta área no momento em que a Secretaria de Relações internacionais está sob nova direção. E destacou também que “no um momento em que se coloca para os brasileiros e para todos os povos, como saída para a crise e o sistema de opressão a formação de uma frente o mais ampla possível em defesa da democracia e da soberania é da maior importância o fato de que, quando um ataque da direita pretendendo enfraquecer as forças populares, instituindo a cláusula de barreira, tenha se conformado a união de forças dos revolucionários do PCdoB e do PPL, para criar uma vertente reconfigurada e à altura destes desafios”.
O professor Nilson Araújo abriu o Painel com o tema Crise capitalista mundial e tendênciase afirmou que a atual crise do capitalismo mundial está marcada pela esterilização de uma “imensa massa de recursos na esfera puramente financeira, cristalizada basicamente nos derivativos, fora da esfera produtiva”, enquanto mantém uma “imensa massa de trabalhadores desempregados, que segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), são 172 milhões de pessoas”. E enfatizou que “é preciso, como diz o ideograma chinês, aproveitar a crise como oportunidade para fazer as transformações necessárias”.
O economista Luiz Fernandes abordou A Ordem Mundial, a geopolítica e a luta pela hegemonia e destacou que “a crise mundial se manifesta na paralisação das economias centrais, ao mesmo tempo em que se verifica o ascenso de polos mais dinâmicos na periferia do imperialismo. Fernandes lembrou que Lenin chamou esse fenômeno de desenvolvimento desigual, que é causado essencialmente pela paralisia trazida pela principalidade que o capital rentista vai adquirindo nos países centrais do sistema capitalista. Em contrapartida, em outros centros, onde o capital rentista não predomina há maior dinamismo e isso vai se traduzindo pelas mudanças na correlação de forças.
Ao especialista em geopolítica, Ronaldo Carmona, coube abordar O Brasil, BRICS e a China e ele destacou o traço marcante da situação mundial atualmente, qual seja a disputa cada vez mais aberta pela hegemonia. As pressões anti-hegemônicas crescem e a transição para um mundo multipolar persistem. Trata-se de um processo que pode ser prolongado mas que aponta para multipolaridade. Hoje há uma crise da globalização, inclusive nos países centrais e a estratégia de Trump de buscar reindustrializar os EUA faz parte do problema da transição no sistema internacional, em que o hegemônico resiste a perder sua posição.
A ex-deputada federal Jô Moraes tratou do tema A nova política exterior do Brasil e suas implicações na Defesa Nacional. Ela afirmou que “vemos neste governo, em seu atual chefe do Itamaraty, Ernesto Araujo, a negação da trajetória do Brasil no que diz respeito às relações internacionais; a negação de uma concepção onde prevalece a independência, o respeito à autodeterminação dos povos, relações pacíficas com todos os vizinhos e, pelo contrário, estabelece uma política de submissão aos ditames da Casa Branca, uma negação da tradição instaurada e consolidada por Rio Branco”.
A socióloga Ana Prestes expôs o tema A América Latina pós Trump, Macri e Bolsonaro e o papel do Foro de São Paulo, relatando o quadro geral da região.
O Encontro contou ainda com intervenções especiais de Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois; Ildo Sauer, professor, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE) e ex-diretor de Energia e Gás da Petrobrás; Rubens Diniz, relatou o trabalho de relações com os partidos comunistas e governos de países socialistas; Pedro de Oliveira falou do trabalho das Frentes de Solidariedade e Amizade (videoconferência) e Moara Crivelente, diretora de Comunicação do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), falou do seu trabalho, atualmente sediado em Portugal (por videoconferência).
O professor Ildo Sauer, em sua intervenção especial destacou que “a nova ordem consolidada pelo acordo de Bretton Woods, que se dá em paralelo ao domínio da matriz energética do petróleo pelos norte-americanos, em um avanço posterior ao da primeira fase da Revolução Industrial de hegemonia britânica com o carvão como matriz energética. Uma mais valia apropriada, em grande parte, pelo sistema financeiro e possibilitada pela relação entre a extração e a venda do petróleo. De tal forma que, se quisermos mudar esta injusta ordem temos que derrubar o sistema predominante com centro em Wall Street e subsidiárias na City londrina e, em menor grau, na Bolsa de Tóquio”.
Renato Rabelo disse em sua intervenção que “vivemos hoje num mundo de mudanças estonteantes e velozes. Mas é interessante observar que neste mundo de grandes mudanças e transformações, o velho, em seus vários aspectos se mantém e a gente não vê a curto prazo uma mudança nesse velho.”
“Por outro lado, o novo tenta se erguer mas não consegue. Essa é uma particularidade dessa época histórica, a meu ver. E isso leva a uma questão que é muito importante para nós por gerar uma perda de esperança e nos coloca a grande questão de discutir as alternativas”, acrescentou.
“O capitalismo vive uma crise estrutural, como Nilson bem apontou aqui. Trata-se de um impasse profundo de um sistema que desvaloriza e destrói o trabalho vivo e não tem como absorver amplas massas. Para nós, a alternativa é reconfigurar o socialismo para a nossa época”, apontou Renato Rabelo.
Márcio Cabreira falou do trabalho de relações internacionais do PPL e do processo desenvolvido nesta área desde a época do MR8, “uma trajetória que vai se somar à larga experiência dos quadros do PCdoB no momento que nos coloca a tarefa de reunir todas as forças possíveis contra o retrocesso neoliberal que se reflete no momento brasileiro”.
“Foi neste quado que nos esforçamos para levar adiante a retomada de entidades mundiais fundamentais como a Federação Democrática Internacional das Mulheres, Federação Mundial da Juventude Democrática e da Federação Sindical Mundial, frentes nas quais atuamos em conjunto com o PCdoB e atuaremos de forma mais intensa e mais unificada a partir de agora”, concluiu Cabreira.
Fonte: Portal Vermelho