Filas quilométricas de beneficiários do Auxílio Brasil em busca da atualização no Cadastro Único tomaram conta do país esta semana. O anúncio feito pelo governo de que o prazo para fazer a atualização terminaria na sexta-feira (14) – agora foi prorrogado por 30 dias – levou ao desespero milhares de pessoas, em sua grande maioria mães sem emprego ou qualquer outra forma de sobrevivência, que cuidam sozinhas dos filhos, temendo perder o benefício.
A fila da miséria, que expôs milhares de brasileiros ao sufoco e a humilhação, obrigou o Ministério da Cidadania, pasta responsável pelo cadastro, a prorrogar o prazo final por mais 30 dias. No entanto, quem está na fila não recebeu essa informação e permanece esperando uma senha e o agendamento.
As famílias são obrigadas a atualizar seus cadastros a cada dois anos ou toda vez que um membro da família morre, nasce ou há separação, casamento e mudança de endereço.
Até setembro, 263 mil famílias que recebiam o Auxílio Brasil ainda não tinham atualizado o cadastro, que precisa ser feito em um posto de atendimento nos municípios. Sem essa atualização, o pagamento dos benefícios pode ser bloqueado.
De Norte a Sul do país o que se viu foi o retrato do desalento. Mulheres, muitas vezes com crianças de colo, carregadas com colchonetes, cobertores, papelões e algum farnel para atravessarem a noite e a madrugada nas filas.
Reportagem da BBC News Brasil, que ouviu depoimento de algumas mães em uma fila na Brasilândia, bairro da periferia de São Paulo, dá conta da realidade dessas mulheres, que dependem de benefícios sociais para alimentar seus filhos e pagar contas mínimas: humilhação, fila de 24h na calçada e sem banheiro.
Uma das entrevistadas é Ingrid Souza, que faz “bicos como babá” e sustenta sozinha os dois filhos, de 7 e 3 anos.
À reportagem, Ingrid contou que a primeira coisa que faz quando pega o dinheiro do auxílio “é comprar o leite das crianças e a fralda usada pelo meu filho de 3 anos para dormir porque faz xixi na cama”.
“De resto, eu complemento a renda com bicos como babá, que rendem R$ 200 por mês”, conta Ingrid.
Fernanda Aparecida Benedito, que teve que deixar os filhos na casa da mãe para conseguir uma senha de atendimento, contou à BBC News que já estava há 24 horas na fila.
Ela diz que quando chegou, às 10 horas do dia anterior, soube que se não conseguisse ser atendida poderia ter o auxílio cancelado. “Já tinham 22 pessoas na minha frente. Eu tive que passar a noite aqui, com muita gente dormindo na calçada. Pessoas com crianças e idosos sem banheiro ou tenda. Vi senhoras fazendo xixi atrás dos carros nas ruas. Quem trouxe coberta se cobriu. Quem não trouxe, ficou passando frio”.
Aparecida conta que usa o Auxilio Brasil para pagar o aluguel de R$ 600 da casa onde vive com os filhos, de 14 e 9 anos, pois o pai deles só ajuda financeiramente de vez em quando.
Outra que cuida sozinha dos três filhos, e também falou à BBC News, é Joana d’Arc Ferreira da Cruz. Joana contou que faz coleta de material reciclável, mas que o Auxílio Brasil é a principal renda da família. Segundo ela, há três meses tenta agendar atendimento.
“Já tentei pelo site, associação de bairro, no 156. Eu não posso perder o benefício. Só meu aluguel custa R$ 300, que é metade do auxílio. Fora isso, tenho que pagar wi-fi para os meus filhos estudarem”, disse.
“Esse trabalho [de coleta de reciclável] me garante uma renda de até R$ 150 por semana. Como somos quatro pessoas na casa, eu faço o que posso”.
RIO DE JANEIRO
No Rio de Janeiro, os postos de cadastramento do CadÚnico também voltaram a ter longas filas nesta semana. No Cras de Guaratiba, na Zona Oeste do Rio, os primeiros da fila chegaram às 13h de quarta-feira (12), ou 18 horas de espera até a abertura do posto. Muitos que não conseguiram atendimento já se preparavam para aguardar ali mesmo o expediente do dia seguinte.
“Eu estou cansada! Vou fazer 60 anos. Não precisava estar nisso! Pedem um papel, eu trago. Pedem outro, eu trago. Tenho três netinhos para dar comida. É velho, é idoso… tudo na fila dependendo disso. Isso revolta”, chorou a idosa Cleonice dos Santos ao portal G1.
A dona de casa Luana Souza chegou ao Cras de Guaratiba às 21h e não tinha certeza se seria atendida. “Se dá 12h ou eles recebem 90 pessoas, tem que ir para casa. Já tem gente na fila para amanhã [sexta].”
Luana de Paula teve de levar o filho de colo para a noite ao relento. “Desde a meia-noite. É a nossa segunda vez aqui e não conseguimos. E é só para dizer que mudei de endereço”, disse.
Segundo Luana, o bebê foi picado por mosquitos e formigas. “Ele tá todo empolado.” Soraya de Oliveira falou que o atendimento é precário. “É muita gente para algo pequeno e com horário reduzido”, explicou.