Em uma disputa marcada por ataques e fake news, candidata mais que dobrou sua votação à Prefeitura de Porto Alegre
Em pronunciamento na noite deste domingo (29), logo depois de confirmada a vitória de Sebastião Melo (MDB) à Prefeitura de Porto Alegre, no Hotel Embaixador, no centro da capital gaúcha, Manuela D’Ávila (PCdoB) foi recebida com aplausos pela militância, aos gritos de “gigante” e de cabeça erguida agradeceu à cidade.
“Quero agradecer a Porto Alegre por ter nos trazido até aqui e quero desejar boa sorte ao meu adversário. A sorte do governo dele será a sorte do nosso povo, das pessoas que vivem em Porto Alegre”, afirmou Manuela.
Com 45,37% dos votos válidos, ao final da eleição mais acirrada que Porto Alegre viu nos últimos anos e um alto índice de abstenção, Manuela mais que dobrou sua votação em relação à última vez que disputou a Prefeitura da capital gaúcha. Se em 2012 ela fez 141.073 votos, em 2020, a candidata do PCdoB teve o apoio de 307.745 eleitores.
Durante seu pronunciamento, Manuela relembrou o enfrentamento à “campanha mais baixa da nossa história”, fazendo referência ao alto índice de disseminação de fake news contra ela e sua candidatura, como a que pregava que, caso Manuela vencesse, a cidade se transformaria em uma “nova Venezuela”, onde seria preciso comer “carne de cachorro” e até a divulgação de uma pesquisa falsa na véspera da eleição.
“Vamos voltar para onde sempre estivemos. Para as nossas comunidades, com os nossos mandatos. Para os nossos bairros e vilas, fazendo com que Porto Alegre possa sonhar em ser uma cidade mais justa”, destacou Manuela sobre a perspectiva de trabalho para o futuro.
Manuela ainda disse que encontrou força para enfrentar tamanha baixaria na “esperança” que viu nas ruas, “o que não víamos há muito tempo”.
“Vocês foram incansáveis. Às vezes encaminhavam mensagens, perguntando de onde eu tirava forças. Ora, como vocês não sabem de onde eu tirei forças! Nós enfrentamos a violência, o ódio e a mentira com a força que vocês nos deram. Sentindo orgulho de novo de carregar nossos sonhos. Fizeram com que nos levantássemos todos os dias para festejar a democracia”.
Essa eleição ficou mais complicada após a manobra orquestrada por Melo para a retirada da candidatura de José Fortunati (PTB), quando tinha 11% das intenções de voto. Um dia após ter a candidatura impugnada pelo Tribunal de Justiça Eleitoral, que julgou um pedido de um dos apoiadores de Sebastião Melo, o PTB e Fortunati declararam apoio ao candidato emedebista.
A manobra foi denunciada pelo prefeito da capital gaúcha, Nelson Marchezan Jr. (PSDB), que segundo as pesquisas eleitorais, disputaria o segundo turno com Manuela D’Ávila. (v. Porto Alegre: Marchezan denuncia a armação de Melo para cassar Fortunati)
“A desistência do Fortunati foi algo mais ou menos assim: matou, foi no velório, comemorou com a família. É algo de máfia italiana”, disse o prefeito aos entrevistadores da Rádio Gaúcha.
“É um cenário surreal, não é?”, diz Marchezan. “Um candidato articula para impugnar a candidatura do outro, e depois a família do outro candidato – ou seja, o partido – apoia, e depois o próprio candidato apoia”.
Dali em diante, Melo buscou o apoio dos bolsonaristas com acenos claros à política negacionista da pandemia de Jair Bolsonaro.
EMBATE
Para vencer e conquistar eleitores que optaram por não escolher ninguém no primeiro turno, Manuela foi para ofensiva. Explorou as contradições com Melo, sua passagem pela Prefeitura, mostrou seu projeto, defendeu as empresas públicas da cidade, assim como a valorização dos servidores públicos, não perdeu o foco no combate à pandemia da Covid-19, defendeu a busca ativa para rastreio e isolamento de infectados com o uso das brigadas de saúde da família como forma de manter a economia aberta, além de defender a gestão independente da vacina para garantir a população de Porto Alegre o imunizante quando ele for liberado no país.
Durante o segundo turno, a candidata fez ainda uma firme denúncia do caso de racismo contra João Alberto, que foi espancado até a morte por dois seguranças do Carrefour na zona norte de Porto Alegre.
Ela expôs ainda os racistas que apoiaram a candidatura de Melo, inclusive o vice-presidente de Bolsonaro, Hamilton Mourão (PRTB), que chegou a dizer que “não existe racismo no Brasil”, após o assassinato de João Alberto.
APOIOS
Manuela cresceu. Na propaganda de rádio e TV e nas redes sociais, trouxe o apoio de nomes importantes na política nacional e conhecidos pelo combate ao bolsonarismo, como Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) e o governador maranhense Flávio Dino (PCdoB). Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque juntaram-se à campanha da jornalista de 39 anos, que já foi vereadora, deputada estadual e federal.
Manuela ganhou ainda o reforço das candidaturas de Fernanda Melchionna (PSOL), Juliana Brizola (PDT) e Montserrat Martins (PV).
Apesar de ter conseguido diminuir a abstenção no segundo turno, ela ainda foi muito grande. Entre brancos, nulos e eleitores que não compareceram, a abstenção (404.431) em Porto Alegre foi maior até que a votação de Melo (370.550).
Ao final, Melo foi o escolhido nas urnas, mas foi Manuela que saiu muito maior do que entrou nessa disputa.
“Viva Porto Alegre, viva as mulheres e os homens que lutam para a nossa cidade ser uma cidade mais justa. Vale a pena, vale muito a pena chegar em casa e seguir acreditando que a verdade é o que liberta. Quero agradecer em público, também, à minha família, porque não é fácil fazer as escolhas que nós fazemos no Brasil de hoje, mas fica muito melhor com eles do lado. Boa sorte ao nosso adversário. Cuide de Porto Alegre, porque Porto Alegre merece ter homens e mulheres que vivam com mais dignidade”, finalizou Manuela.
MAÍRA CAMPOS