
Interrogatório do ex-ajudante de ordens do ex-presidente é o 1º do julgamento dos integrantes do “núcleo 1” da trama golpista
O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens de Jair Bolsonaro, no primeiro dia dos interrogatórios no Supremo Tribunal Federal (STF), por conta da Ação Penal sobre a tentativa de golpe de Estado, no País, confirmou que o ex-presidente recebeu, leu e editou a minuta de decreto que buscava interromper o processo democrático, com a prisão de autoridades, a permanência de Bolsonaro no poder e a consequente anulação das eleições de 2022 que deram a vitória a presidente Lula, entre outras medidas de exceção.
Disse Mauro Cid ao ministro Alexandre de Moraes, relator da ação: “Sim, senhor, recebeu e leu”, ao ser questionado sobre a leitura do documento por Bolsonaro.
Ainda de acordo com ex-ajudante de ordens, o ex-mandatário “enxugou o documento”, suprimindo as prisões antes previstas, como a do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, entre outras autoridades, exceto a do próprio Moraes.
Além disso, Mauro Cid informou que o texto do decreto determinava, também, a criação de uma comissão eleitoral paralela para conduzir uma nova eleição, numa clara e flagrante subversão do processo democrático.
No depoimento, o militar também confirmou que assessor presidencial Filipe Martins entregou o texto diretamente no Palácio da Alvorada. O documento continha uma primeira parte intitulada “consideramos”, enumerava supostas interferências do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF no governo Bolsonaro; e, uma segunda, de natureza jurídica, que buscava dar embasamento a uma intervenção federal, Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e prisões de autoridades.
Mauro Cid afirmou que não estava presente no momento das edições, mas, posteriormente, tomou conhecimento do mesmo, com as mudanças feitas por Filipe Martins por determinação de Bolsonaro.
Em relação à reunião com os comandantes das Forças Armadas, realizada na biblioteca do Palácio da Alvorada, segundo o ex-ajudante de ordens, apenas a primeira parte do documento foi apresentada ao ex-presidente, não soube confirmar se a parte com os decretos foi discutida naquele dia.

“Houve pelo menos três reuniões entre Bolsonaro e os comandantes. Freire Gomes estava muito preocupado e pedia para que eu o informasse, temendo que algo fosse decidido sem sua intervenção”, relatou Mauro Cid, informando que, rotineiramente, se dirigia à casa do general sobre os acontecimentos.
Acrescentou também que o ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, teria colocado tropas à disposição de Bolsonaro caso o decreto fosse assinado. Por outro lado, o brigadeiro Carlos Baptista Júnior, comandante da Aeronáutica, por sua vez, “não queria nem ouvir falar sobre o tema” e rejeitava qualquer discussão golpista.
Mauro Cid disse, ainda, que havia possibilidade de troca dos chefes militares caso não houvesse adesão ao plano golpista por parte dos que estavam investidos da condição de comandantes, afirmando que Bolsonaro esperava encontrar fraudes nas urnas eletrônicas, embora nenhuma prova concreta tenha sido obtida.
Acrescentou que o ex-presidente nutria a esperança de que a mobilização diante dos quartéis – e sua consequente repercussão social – era considerada um fator fundamental para manter a narrativa golpista do então chefe do Executivo.
“Não era algo explícito, mas havia a expectativa de se encontrar alguma fraude real. O que aparecia eram apenas interpretações estatísticas dos dados do TSE”, afirmou Mauro Cid.
BRAGA NETO: O ELO ENTRE BOLSONARO E OS ACAMPAMENTOS
Mauro Cid sustentou, ainda, que o elo entre o ex-presidente e os acampamentos de manifestantes mobilizados para apoiar o golpe era o general Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e seu vice na chapa derrotada nas eleições de 2022.
O ex-ajudante de ordens confirmou a informação já constante de sua colaboração premiada: Braga Netto repassou a ele uma quantia em dinheiro não especificada, guardada em uma caixa de vinho e foi entregue no Palácio da Alvorada, acrescentando que repassou os valores ao major Rafael Martins de Oliveira, do Exército.
“Depois, o general Braga Netto trouxe uma quantia em dinheiro, que eu não sei precisar. Não foi uns R$ 100 mil, pelo volume não era tanto, que foi passado para o Major de Oliveira, no próprio Alvorada. Fui eu que passei esse dinheiro. Estava em uma caixa de vinho”, disse.
O major Rafael de Oliveira integra o grupo conhecido como “kids pretos”, formado por militares das Forças Especiais do Exército. Ele e outros membros do grupo são suspeitos de envolvimento em um plano, batizado de “Punhal Verde”, para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Questionado sobre a origem de recursos para ações, Cid disse que seria do “pessoal do agronegócio”.
BOLSONARO PRESSIONAVA MINISTRO DA DEFESA
O militar relatou as pressões exercidas por Bolsonaro ao então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, no sentido de adotar uma postura mais dura em relação ao relatório das urnas eletrônicas. Segundo ele, o referido relatório teve sua entrega adiada por pressões políticas.
Em resposta ao ministro Moraes, Mauro Cid negou que em nenhum momento foi coagido ou pressionado pela Polícia Federal para colaborar com a investigação que culminou com a denúncia da Procuradoria Geral da República.
“Nenhum momento houve pressão por parte de agentes da PF. Houve uma disputa de narrativas, mas minha delação foi voluntária e os termos são verdadeiros”, afirmou.
O ministro Alexandre de Moraes, com suas perguntas, afastou a narrativa, sustentada pelas defesas de outros réus, de que Mauro Cid teria sido coagido a celebrar a sua delação premiada.
A oitiva de Mauro Cid, que deve se estender ao longo de todo dia de hoje (9), é o primeiro passo da fase de interrogatórios dos réus que integram o “núcleo 1” da ação penal, cujas principais lideranças eram, além de Bolsonaro, Braga Netto, Filipe Martins, Augusto Heleno e Valdemar Costa Neto.
Através da colaboração premiada de Mauro Cid, já homologada pela justiça, o depoimento reforçará, ainda mais, as provas já colhidas pela autoridade policial contra os integrantes da organização criminosa golpista.