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O Senado aprovou na noite de terça-feira (20) o projeto de lei que acaba com as saídas temporárias de presos em feriados e datas comemorativas, mas mantém a autorização para que detentos em regime semiaberto possam estudar fora da prisão. Como os senadores fizeram mudanças, a proposta será analisada novamente pela Câmara dos Deputados, que aprovou o projeto em 2022.
A proposta foi aprovada por 62 votos favoráveis e dois contrários – dos senadores Cid Gomes (PSB-CE) e Rogério Carvalho (PT-SE).
A legislação atual prevê a saída temporária, conhecida como “saidinha”, para condenados no regime semiaberto. Eles podem deixar a prisão cinco vezes ao ano para visitar a família em feriados, estudar fora ou participar de atividades de ressocialização.
Segundo o relator da proposta no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o projeto de lei aprovado hoje busca extinguir a saída temporária em vista dos recorrentes casos de presos detidos que cometem infrações penais durante o gozo desse benefício. “Ao permitir que presos ainda não reintegrados ao convívio social se beneficiem da saída temporária, o Poder Público coloca toda a população em risco”, argumentou.
A proposta aprovada também prevê a realização de exame criminológico para permitir a progressão de regime de condenados. De acordo com o texto, um apenado só terá direito ao benefício se “ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento e pelos resultados do exame criminológico”.
“O exame é uma junta médica em que um conjunto de médicos, psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais vai determinar de forma técnica a capacidade dessa pessoa ter direito a progressão de regime ou livramento condicional”, explicou o senador.
Por emenda apresentada pelo senador Sergio Moro (União Brasil-PR) na Comissão de Segurança Pública, fica permitida a saída de presos para frequência a curso profissionalizante, de ensino médio ou superior. Não se enquadram nessa permissão os presos que praticaram crime hediondo ou crime praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa.
O projeto estabelece regras para a monitoração de presos com o uso de tornozeleira eletrônica. Segundo a proposição, o juiz pode determinar a fiscalização eletrônica como requisito para o cumprimento de penas do regime aberto e semiaberto e de presos com restrição de circulação pública e para estabelecer o livramento condicional.
A legislação será chamada de “Lei Sargento PM Dias”, em homenagem ao policial militar de Minas Gerais que foi morto em janeiro deste ano durante uma perseguição na capital mineira. O autor do crime era um beneficiário da saída temporária.
GOVERNO LIBEROU BANCADA
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), liberou a bancada do governo para votar. Segundo ele, não há ainda nenhuma posição firmada pelo governo sobre a possibilidade de vetar a proposta.
O líder do PT no senado, Fabiano Contarato (PT-ES), se manifestou favorável ao texto-base do projeto e também liberou a bancada para a votação. Ele disse ser contra a saída temporária de presos.
Ressocialização
O Ministério Público Federal (MPF) se manifestou contra o Projeto de Lei. A nota do MPF é assinada pelo Grupo de Trabalho de Defesa da Cidadania, formado por instituições civis e do sistema de Justiça. Na avaliação do grupo, a proposta é “flagrantemente inconstitucional”.
“As chamadas ‘saidinhas’ são um importante instrumento de ressocialização e reconstrução dos laços sociais, fortalecendo os vínculos familiares e contribuindo para o processo de reintegração social da pessoa em privação de liberdade”, destaca a nota.
O MPF também argumenta que a medida tem se mostrado “exitosa”, uma vez que, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) de 2019, a taxa de fugas do sistema prisional, incluindo as ocorridas durante as saidinhas, foram de 0,99%, “o que deveria ser considerado um grande sucesso”, segundo o órgão.
“Os discursos populistas que associam as ‘saidinhas’ ao aumento da criminalidade violenta carecem, portanto, de embasamento em dados da realidade e ignoram sua relevância para o sistema de progressão de regime necessário à reintegração social das pessoas em privação de liberdade, o que segundo a lei é a principal função da pena de prisão”, ressalta.
O MPF ainda prestou solidariedade às vítimas de crimes praticados por “uma minoria de condenados que fez mau uso do instituto da saída temporária”.
“O que não pode servir de justificativa para penalizar uma imensa maioria de beneficiados que cumpriram fielmente as condições que lhes foram impostas e se encontram em pleno processo de ressocialização”, finaliza o órgão.
INCONSISTÊNCIAS
De acordo com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o projeto “possui graves inconsistências em sua argumentação, pois não apresenta dados empíricos relacionados às taxas de regresso e evasão daqueles que tiveram acesso ao instrumento legal”.
“Essas inconsistências saltam aos olhos, a começar pela análise de um dos seus argumentos centrais: o alto índice de evasão e o aumento da criminalidade como consequências da saída temporária. Em realidade, como demonstram dados oficiais e pesquisas recentes, mais de 95% dos beneficiados com a medida retornam às suas unidades prisionais”, afirma o Instituto.
“Outro ponto relevante é o fato de se pretender batizar o PL de “Lei PM Sargento Dias”. A iniciativa é motivada pelo episódio que culminou na morte do sargento Roger Dias da Cunha, da Polícia Militar de Minas Gerais, em janeiro deste ano. Trata-se de um gesto que visa responder a uma comoção gerada a partir de um caso trágico, mas que de modo algum representa o dia a dia da execução penal no Brasil. Esse dia a dia é mais bem retratado pela imagem de unidades prisionais superlotadas e carentes de estrutura mínima para garantir direitos fundamentais básicos como saúde, educação, trabalho e vida, como bem reconheceu o STF ao declarar, na ADPF 347, a existência de um Estado de Coisas Inconstitucional no sistema prisional brasileiro. A saída temporária é e deve continuar sendo um direito básico, concedido somente quando os requisitos estabelecidos em lei forem atendidos, análise que ocorre sempre caso a caso”, destacou o Instituto.