O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em depoimento na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia do Senado, nesta quinta-feira (6), foi todo o tempo evasivo quando confrontado com a pergunta objetiva quanto ao uso da cloroquina, medida por meio da qual, é ineficaz para combater a pandemia.
Ao relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), o ministro da Saúde disse ter atuação “técnica” na pasta, todavia se comportou como negacionista afinado com o presidente Jair Bolsonaro na resposta desastrosa à pandemia de coronavírus. Queiroga agiu com medo de contrariar o presidente da República.
Sobre o chamado “tratamento precoce” e o uso do “Kit Covid”, em particular de cloroquina, contra a Covid-19, Queiroga foi incapaz de responder a Renan se concordava ou não com Bolsonaro. O relator pedia um “sim ou não”, e o ministro saia pela tangente seguidas vezes. Até que o relator desistiu de obter a resposta do ministro.
Mesmo tergiversando, ao ser indagado pelo senador Otto Alencar (PSD-BA) sobre o uso de drogas comprovadamente ineficazes no combate à Covid-19, o ministro acabou respondendo. “Se um paciente usa hidroxicloroquina ou cloroquina e é portador de doença do coração, de arritmia, esse uso inadequado pode levar o paciente a uma parada cardíaca?”, questionou Otto.
Queiroga respondeu afirmativamente. “Independentemente de o paciente ter Covid ou não, esses medicamentos, como outros medicamentos, podem causar arritmia. A hidroxicloroquina é uma medicação que prolonga o que nós chamamos de intervalo QT*”, admitiu o ministro (*Intervalo QT é a medida do início do complexo QRS até o final da onda T, que representa toda atividade de despolarização e repolarização ventricular. É a representação elétrica do período compreendido entre a contração isovolumétrica até o relaxamento ventricular isovolumétrico [1,2]).
Queiroga foi advertido pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), e pelo relator, Renan Calheiros (MDB-AL), de que havia feito juramento para colaborar com a CPI como testemuha.
Eles insistiram se ele concordava com a opinião de Bolsonaro sobre a cloroquina e o ministro apenas disse:”Não faço juízo de valor acerca da opinião do presidente. É uma questão de natureza técnica. No começo, o uso compassivo foi feito em diversas instituições e já existem (estudos) controlados que mostram que naqueles pacientes mais graves esse medicamento não tem efeito, no intermediário o medicamento não tem efeito”, disse Queiroga. O ministro, no entanto, foi interrompido por Renan, segundo quem o titular da pasta de Saúde não estava respondendo sua pergunta.
A resposta seguinte de Queiroga deixou Aziz e Renan irritados. Segundo o ministro, “questão técnica que tem que ser enfrentada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do Sistema Único de Saúde). Eu posso ter que dar posicionamento sobre protocolo da cloroquina quando for elaborado”.
“Acho que o senhor não entendeu sua posição aqui. O senhor está aqui como ministro e médico. Se não, vamos encerrar a sessão agora”, respondeu Aziz, com irritação. “É questão de natureza técnica, não de opinião pessoal”, insistiu o ministro, que assegurou não ter recebido nenhuma orientação do presidente no sentido de incentivar o uso da cloroquina.
Duas foram as razões de o ministro ter evitado responder objetivamente à pergunta do relator e de outros senadores membros ou não da CPI: a primeira foi para evitar ter de contrariar publicamente as orientações do presidente da República; e a segunda foi para não se comprometer ou não ser responsabilizado por recomendar droga ineficaz e perigosa contra a Covid.
É visível como o presidente da República exerce influência nefasta no combate eficaz à pandemia. É ministro que toma vacina escondido do presidente para não o contrariar. São pessoas, do círculo íntimo de Bolsonaro, que não seguem os protocolos básicos para evitar a contaminação e proliferação do vírus, como uso de máscara, distanciamento físico e uso de álcool gel.
O médico cardiologista Marcelo Queiroga assumiu o Ministério da Saúde, em 23 de março, no pior momento da pandemia. Naquele dia o Brasil estava próximo de atingir 300 mil mortes por Covid.
“O FORTALECIMENTO DO NOSSO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE”
Perguntado pelo relator o que teria faltado para evitar as mais de 400 mil mortes no Brasil, ele respondeu: “O fortalecimento do nosso Sistema Único de Saúde”.
Esta foi uma não-resposta, porque como médico, que nunca atuou no setor público, o ministro saiu novamente pela tangente para evitar confrontar com seu chefe, que atuou sempre negligenciando a pandemia, e ainda negando a letalidade da virose e agora sabotando os protocolos de combate à Covid-19.
DECRETO BOLSONARISTA
Como o ministro não pode se manifestar objetivamente sobre este falso-dilema, já que a medicação, segundo especialistas, é ineficaz para combater e conter a Covid-19 escondeu-se atrás de que “não poderia fazer juízo de valor” sobre Bolsonaro ameaçar editar decreto acabando com o poder de Estados e municípios para determinar quarentenas.
Inclusive porque caso fosse editado esse decreto seria considerado inconstitucional, já que o STF (Supremo Tribunal Federal) já tomou decisão, no dia 15 de abril de 2020, que Estados e municípios têm poder para estabelecer regras sobre isolamento.
Se essa decisão tivesse ficado exclusivamente sob os auspícios de Jair Bolsonaro é muito provável que o número de mortes por Covid-19 hoje seria bem maior do que o é oficialmente.
“ACONSELHAMENTO PARALELO”
Pela resposta do ministro, segundo Renan, Queiroga confirmava a existência de “aconselhamento paralelo” ao presidente da República e mais uma exclusão do Ministério da Saúde de discussão importante na crise sanitária.
O ministro da Saúde não soube responder quantas doses já estavam contratadas pelo governo. Falou em 560 milhões, mas foi corrigido por auxiliar de que seriam 430 milhões, diferença 130 milhões de doses.
“GUERRA QUÍMICA” E MAIS NÃO-RESPOSTA
Indagado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) sobre Bolsonaro ter acusado a China de fazer “guerra química” com o coronavírus, Queiroga disse desconhecer tal intento, noutra resposta evasiva ou não-resposta.
Isso foi e é mais uma mentira dita pelo presidente que só piora a relação com a China, país que o Brasil depende para produzir vacinas. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), resumiu o que tem foi o depoimento de Queiroga. “Não é objetivo”.
O Instituto Butantan afirmou, nesta quinta-feira, que as declarações do presidente Jair Bolsonaro com críticas à China afetam a liberação de insumos pelas autoridades daquele país. O governador João Doria (PSDB), em evento para liberação de lote de cerca de 1 milhão de doses da Coronavac, também disse que as afirmações geraram mal-estar na diplomacia chinesa.
Em novo ataque à China, Bolsonaro sugeriu na quarta-feira que o país asiático teria se beneficiado economicamente da pandemia e afirmou que a covid pode ter sido criada em laboratório — ecoando tese que não encontra respaldo em investigação da OMS (Organização Mundial de Saúde) sobre as possíveis origens do vírus.
“Todas as declarações neste sentido têm repercussão. Nós já tivemos um grande problema no começo do ano e estamos enfrentando de novo esse problema”, disse Dimas Covas, diretor do Butantan. “Embora a embaixada da China no Brasil venha dizendo que não há esse tipo de problema, mas a nossa sensação de quem está na ponta é que existe dificuldade, uma burocracia que está sendo mais lenta do que seria habitual e com autorizações muito reduzidas.”
TECNICAMENTE HABILITADO, MAS POLITICAMENTE AMARRADO
É nítido que o ministro Queiroga, que está há 45 dias no comando do ministério, está tecnicamente habilitado para fazê-lo. Mas politicamente também está nítido que o comando dos rumos do combate à pandemia ainda está sob Bolsonaro.
Do contrário, o ministro não precisaria de continuar com a ladainha do “voto de confiança”, de unir o país e do trabalho “técnico”.
Que ninguém se engane com a fala mais elaborada do ministro, pois Bolsonaro continua a ser o principal problema para o País enfrentar a pandemia. Enquanto Jair Messias Bolsonaro comandar o Brasil, o país estará condenado a sofrer mais do que precisaria, com mais mortes e mais doentes do que ocorreria com atitude de respeito à ciência.
PRÓXIMAS OITIVAS
Na próxima terça-feira (11) vai ser ouvido o presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres. Na quarta-feira (12) vai ser a vez do ex-secretário de Comunicação do governo federal, Fábio Wajngarten. E na quinta-feira (13), a CPI vai receber o ex-chanceler Ernesto Araújo, além do representante da farmacêutica Pfizer.
O ex-ministro Eduardo Pazuello vai comparecer para outiva no dia 19.
MARCOS VERLAINE (colaborador)