
Se as big techs – essas grandes plataformas digitais que atuam em várias partes do mundo, preferencialmente onde não há lei que as regule – achavam que teriam vida fácil no Brasil, podem tirar o cavalo da chuva
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, voltou a endurecer o jogo ao afirmar que é necessário uma “reação forte” às recorrentes tentativas dessas plataformas de não respeitarem as leis e as decisões judiciais nos países em que atuam, sob pena de um descontrole total na difusão das fake News, as mentiras que continuam trafegando em suas infovias.
“Eu entendo que, na verdade, nós nem precisaríamos de lei, é só aplicar o que já temos. Não podemos acreditar que as big techs são neutras. As big techs têm lado, têm posição econômica, religiosa, politica, ideológica e programam seu algoritmo para isso”, sentenciou o ministro, que virou persona non grata nos Estados Unidos, principalmente depois que resolveu enfrentar o todo poderoso assessor de Donald Trump para assuntos de desmonte do estado público daquele país, Elon Musk.
“É um jogo de poder”, disse o ministro ao discursar na aula inaugural do MBA em Defesa da Democracia e Comunicação Digital, promovido pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), em Brasília. Ele discorreu sobre a história e o funcionamento das redes sociais e como os extremistas atuam para atacar as bases das democracias.
Segundo Moraes, as big techs estão indo para o “tudo ou nada”, diante da possibilidade da regulação das redes sociais. Para ele, “essas plataformas estão decidindo respeitar somente a lei dos Estados Unidos, onde possuem sede”.
O magistrado pontuou, também, sem citar Elon Musk, dono do X e da empresa de satélites Starlink, que há um empresário tentando burlar decisões judiciais ao montar uma rede de satélites.
“As big techs passaram agora para o all in, o tudo ou nada. ‘Não, então nós vamos avançar, não podemos estar sujeitos à legislação de nenhum país, nós temos sede só nos EUA, podemos fazer o que bem entendermos sem cumprir nenhuma ordem judicial, sem ter responsabilização’. Perceberam que a União Europeia aprovou leis e que outros países vão aprovar e que a regulamentação vai começar. Então deram o passo à frente: ‘Nós não queremos isso’”, argumentou o ministro.
Moraes lembrou, ainda, que “não é por outros motivos que uma das redes sociais tem como sócio alguém que tem outra empresa chamada Starlink e que pretende colocar satélites de baixa órbita no mundo todo para não precisar das antenas de nenhum país”. Com isso, segundo ele, elas atuariam à revelia dos países e de suas legislações.
Ainda no ano passado, o ministro, com apoio do STF, suspendeu a rede social X e chegou a bloquear contas da empresa Starlink. Foi uma resposta à resistência de Musk em cumprir determinações no país. A ordem de bloqueio de contas foi dada em investigação sobre campanha de ataques a delegados da Polícia Federal que investigavam bolsonaristas.
A rede social não cumpriu e, mesmo sujeita a multas, manteve perfis no ar até Moraes determinar a suspensão. Ao final, X e Starlink recuaram e cumpriram as ordens de Moraes, e os serviços da rede social foram retomados. Em seu alerta aos alunos do curso da FGV, ele indicou que se não fossem adotadas novas providências em reação às big techs essas redes sociais poderiam driblar ordens como a dele do ano passado.
Segundo o ministro, é possível para os operadores do direito no Brasil utilizar a legislação que já existe e considerar que as grandes redes podem ser equiparadas aos meios de comunicação, tendo as mesmas responsabilidades dos sistemas convencionais, como rádios e TV.
REAÇÃO HISTÉRICA DOS BOLSONARISTAS
O posicionamento mais duro do ministro acontece depois que os bolsonaristas, numa atitude histérica, chegaram a solicitar às autoridades norte-americanas que não seja concedido mais nenhum visto para Moraes viajar aos Estados Unidos. O desplante, por coincidência, verificou-se depois de uma das viagens de Eduardo Bolsonaro aos EUA, onde foi conspirar, abertamente, contra os interesses nacionais brasileiros.
Ironicamente, o ministro não pedira qualquer visto para viajar, até porque, segundo seu colega de Corte, Flávio Dino, ele tem outras opções muito mais agradáveis, no Brasil ou fora daqui, para passar as férias, se desejar.
O pedido, obviamente, é um reflexo do bolsonarismo e de seus próceres mais ativos, entre os quais o filho do ex-presidente. Para eles, deve ser uma tragédia, o fim do mundo, não poder mais viajar aos Estados Unidos, considerado um país superior ao Brasil e ao qual devemos obediência canina, principalmente, agora, que o trumpismo está no poder. O choro patético de Bolsonaro no aeroporto de Brasília ao despedir-se da esposa que viajou para a posse de Trump, embora tenha sido barrada, junto com a turba que com ela viajou, só confirma como eles se relacionam com os que consideram superiores.
A postura lembra uma história contada pelo saudoso escritor Ariano Suassuna ao fazer uma visita a uma família rica, cuja matriarca espantou-se pelo fato dele nunca ter viajado aos Estados Unidos. O espanto foi ainda maior quando o poeta respondeu a uma pergunta afirmando que não conhecia Disney e que não tinha nenhum interesse em conhecer. Caiu o mundo para aquela senhora, contava Suassuna, pois, segundo ele, o mundo, para ela, era dividido entre os que conheciam e os que não conheciam Disney.
No caso atual, além de uma situação diferente, é muito mais grave, pois se trata de uma submissão cavalar aos interesses da Casa Branca e um desrespeito afrontoso à soberania do Brasil por parte de um ex-presidente da República e de seu séquito.
Não por outro motivo, Bolsonaro, depois de esgotar seus recursos protelatórios na justiça para tentar se safar de uma provável condenação por tentativa de golpe de estado, pediu socorro a Trump, como se isso fosse possível.
As grandes big techs sediadas nos Estados Unidos, decisivas na eleição do atual presidente americano, a quem apoiaram com milhões de dólares, já atuam no Brasil , invariavelmente, dando guarida aos difusores das fake News, onde, na política, notabilizam-se os bolsonaristas.
É certo que tudo farão nas eleições de 2026 para eleger um governo alinhado à cínica narrativa da “liberdade de expressão”, que lhes permite um território sem lei, sem regulamentação, sem nada que as aborreça, afinal, são as fieis escudeiras da “liberdade de pensamento”, mesmo que essa “liberdade” seja utilizada para permitir discursos de ódio, fascistas e racistas, ou fomentar a pedofilia, a homofobia ou outras práticas assemelhadas.
As manifestações de Moraes sobre o assunto representam apenas uma reação aos que se iludem com a possibilidade do Brasil se transformar numa extensão do território norte-americano e dos interesses mais apodrecidos da casta que se aboletou da Casa Branca. Isso não foi possível nem mesmo com a ditadura que se estendeu no Brasil por 21 anos, muito menos com seus idólatras, Bolsonaro e Guedes, embora não faltasse empenho da parte deles nessa direção, quanto mais agora.
Mais do que isso, as palavras do ministro indicam que a justiça brasileira, especialmente o Supremo Tribunal Federal, não aguardará indefinidamente o Congresso Nacional decidir pela regulamentação da atuação desses gigantes digitais, algo que já deveria ter acontecido não fosse a complacência do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, com essas plataformas.
MAC