O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) entrou com um recurso, na última sexta-feira (14), no Supremo Tribunal Federal (STF), contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que transferiu para a Justiça Federal a competência para julgar os responsáveis pelo rompimento da barragem da mineradora Vale no Córrego do Feijão, em Brumadinho, que vitimou 270 pessoas e provocou a maior tragédia já ocorrida no país.
No dia 25 deste mês, o crime da Vale em Brumadinho completa três anos. Com a interferência do STJ, a denúncia do MPMG de 16 executivos das mineradoras, além da própria Vale e a empresa de consultoria alemã Tüv Süd, que os apontou responsáveis pelo crime de homicídio, além de crime contra a fauna e a flora, ficou anulada.
“Os acusados agiram assumindo o risco de provocar mortes, pois antes da tragédia efetuaram um cálculo econômico envolvendo o valor das vidas que seriam perdidas com a então provável ruptura da barragem e, mesmo cientes do estado crítico da estrutura, se omitiram na adoção de medidas de emergência e segurança que, caso adotadas, impediriam que as mortes e os danos ambientais ocorressem na forma e na proporção em que ocorreram”, afirma o órgão, em nota.
RECURSO
O MPMG discorda da avaliação do STJ que alega que o rompimento da barragem resultou no cometimento de crimes federais, como danos a sítios arqueológicos, que são bens da União. Dessa forma, o caso só poderia ser julgado pela Justiça Federal e não pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
No recurso apresentado, o MPMG argumenta que a decisão que determina a remessa do processo para a Justiça Federal é contrária ao entendimento do próprio STJ e do STF, proferido em casos semelhantes. Isso porque apenas se justificaria a remessa para a Justiça Federal quando o crime contra a vida atinja interesse direto da União, como ocorreu quando servidores do Ministério do Trabalho e Emprego foram assassinados em Unaí, em decorrência de uma fiscalização realizada na região. Na tragédia da Vale em Brumadinho as vítimas fatais foram colaboradores da própria companhia, moradores e pessoas que passavam pela região.
“Esclarece o MPMG a repercussão constitucional da questão, argumentando que decisões corporativas que envolvam atividades perigosas não devem ser pautadas apenas por aspectos econômicos, mas também devem levar em consideração os riscos reais de suas atividades. Acrescenta que existem mais de mil barragens classificadas em situação de risco e potencial de dano altos e que, por isso, é preciso definir a competência para julgamento dos crimes contra a vida decorrentes de decisões corporativas que desprezem o risco dos empreendimentos”.
“Assim, busca o MPMG que em caso de intencional omissão na adoção de medidas de segurança para evitar mortes, a pessoa responsável deverá responder pelos homicídios decorrentes de sua inércia perante o Tribunal do Júri”, diz o Ministério Público de Minas Gerais.
No caso do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, o MPMG defende que é o Tribunal do Júri estadual a ser instalado em Brumadinho o competente para julgar todos os crimes, pois o Tribunal do Júri é uma garantia fundamental da sociedade e sua competência constitucional prevalece sobre todos os demais órgãos da justiça em primeiro grau, inclusive sobre os órgãos da Justiça Federal comum.
BARRAGENS
No Estado de Minas Gerais, ainda continuam em operação cerca de 90% das barragens que por lei deveriam ser desativadas. Destas, pelo menos 54 são semelhantes à que provocou a tragédia de Brumadinho e também à que em 2015 causou o crime de Mariana, que devastou o leito do Rio Doce.
Só cinco foram desativadas. O governo já sabe que as mineradoras responsáveis por 42 barragens não cumprirão o prazo de desativação, que se esgota em 25 de fevereiro, mas que ainda não sabe ainda como punir as empresas.
Destas, três barragens de minérios seguem em risco máximo de emergência, segundo informação atualizada na última sexta, com potencial de ruptura iminente.
A avaliação vem de técnicos da Agência Nacional de Mineração (ANA), que sobrevoa diariamente o estado de Minas Gerais, afetado nas últimas semanas por fortes chuvas.
Das três barragens com risco máximo, duas pertencem à Vale: a Sul Superior, em Barão de Cocais (MG), e a B3/B4, em Nova Lima (MG). A terceira estrutura, conhecida como Dique Lisa, pertence à francesa Vallourec, mas também está localizada em Nova Lima.
Um relatório da última quinta-feira (13) apontava que ao menos outros nove diques e barragens seguem em um risco elevado, considerado “nível 2”, e outras 28 estariam em “nível 1”. A maior parte das estruturas comprometidas pertence à Vale. Das 31 estruturas, 29 são da mineradora privatizada.
Por conta das chuvas que atingem o estado na última semana, diversas construções deste tipo estão sob atenção das autoridades. No caso mais grave, o dique de contenção de sedimentos da Mina Pau Branco, em Nova Lima, se rompeu com as fortes chuvas. Apesar do incidente não ter deixado mortos, a Vallourec, dona da mina, foi multada pelo governo estadual e pelo Ministério Público de Minas Gerais em R$ 288 milhões.