O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) informou que recebeu imagens de câmeras corporais em policiais militares de apenas 6 das 16 ocorrências iniciais que terminaram em mortes na Operação Escudo, no Guarujá (SP), deflagrada a partir da morte de um agente da Rota.
O que choca é que das imagens que chegaram, elas relatam 6 ações que terminaram em mortes. Porém, as imagens de apenas três ocorrências contribuíram para a investigação, segundo informações da TV Globo. Em dois casos, houve problemas técnicos. Outro não forneceu informações relevantes.
O MP-SP montou uma força-tarefa para investigar a operação, e segundo o procurador-geral de Justiça do Estado, Mario Sarrubbo, chama atenção a pouca quantidade de imagens disponibilizadas pela PM. “Um aspecto que salta aos olhos é o tamanho dessa operação e o número muito pequeno de câmeras corporais nos policiais militares”, disse Sarrubbo, à TV Globo.
Entre as imagens obtidas, quatro contém filmagens da atuação dos policiais, sendo que três delas mostram o confronto dos agentes com criminosos suspeitos. Enquanto isso, as outras duas apresentaram defeito na captação de imagem e som. Ao todo, os vídeos somam 50 horas de registro das câmeras de 24 policiais.
VINGANÇA
A ação policial, que teve início no dia 27 de julho, deixou 18 mortos até esta quarta-feira (16). Duas mortes foram confirmadas na terça (15), após supostos confrontos no Guarujá, e ainda vão ser apuradas.
“Nós estamos trocando as informações, estamos pedindo as explicações à Secretaria de Segurança Pública e tudo isso será investigado pelo Gaesp”, afirmou o procurador-geral, citando o Grupo de Atuação Especial em Segurança Pública do MPSP.
Reportagem da Folha de S. Paulo analisou 13 BOs (boletins de ocorrência) que narram confrontos com mortes pela polícia. Apenas um deles faz menção ao uso de câmeras nos uniformes dos policiais. Esse caso ocorreu na manhã de 30 de julho, e quatro PMs confirmaram que estavam com o equipamento corporal. A ação terminou com a morte de Rogério Andrade de Jesus, na Vila Zilda, em Guarujá.
Em nota, a Polícia Militar disse que conta com 10.125 câmeras operacionais portáteis (COP) que abrangem 52% dos batalhões do estado e que a seleção das equipes para apoiar as ações na Baixada Santista foi pautada por critérios técnicos e operacionais para manter ações de policiamento preventivo na região e em todo o estado.
As mortes na Operação Escudo, afirmou trecho da nota, são apuradas por meio de inquérito pelas polícias Civil e Militar. “Todo conjunto probatório apurado no curso das investigações, incluindo as imagens das câmeras corporais, está sendo compartilhado com o Ministério Público e o Poder Judiciário.”
Na semana passada, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que a falta de imagens dos casos em que houve mortes em Santos e Guarujá, no litoral paulista, ocorre porque não há câmeras suficientes para serem colocadas nas fardas de todos os policiais militares. Durante a ação dos policiais, Tarcísio ignorou as denúncias de chacina pela Ouvidoria da PM e chegou a garantir que as mortes foram em confronto. O governador afirmou ainda que as câmeras iriam comprovar a ação da polícia.
“A gente não tem câmeras para todas as unidades”, disse agora em uma entrevista coletiva. “Temos 10 mil câmeras para 90 mil policiais. Existem batalhões que têm câmera, e que não têm câmera.”
Ele citou o caso do Batalhão de Choque de Presidente Prudente, que é do interior do estado e que foi deslocado para a Operação Escudo, que não conta com câmeras. O governador não disse se pretende comprar mais câmeras para as fardas da PM.
AMEAÇA A JORNALISTA
O despreparo dos policiais não registrado por Tarcísio foi escancarado no Profissão Repórter desta terça-feira (15), que tratou do tema letalidade policial.
A repórter Danielle Zampollo foi para a comunidade Prainha, em Guarujá, para apurar as informações sobre as mortes da Operação Escudo.
Danielle contou como chegou à comunidade. “Eu tinha acabado de chegar lá e eu tava com o meu celular, eu tinha deixado a câmera no carro, porque eu fui mesmo para apurar, para checar as informações. E chega ao local uma viatura do COI, da Polícia Militar”, conta.
A repórter se apresentou. “Eu sou jornalista, posso perguntar que trabalho vocês vieram fazer aqui hoje?”
O policial não respondeu. A jornalista pegou o celular e começou a registrar a entrada dos policiais na comunidade.
Danielle então disse: “Tô mostrando o trabalho de vocês, tá bom?”. O policial começou a apontar o fuzil em direção a ela – a ação durou 17 segundos.
“Quando ele começou a apontar o fuzil pra mim, e manteve a arma apontada, eu estranhei. Achei que estivesse acontecendo alguma coisa. Olho pra trás e não tem ninguém. Só eu, numa viela estreita. Aí que eu vi que era comigo. Ele ficou 17 segundos apontando o fuzil pra mim, sem parar.”
A repórter contou que decidiu se proteger após a ação do policial.
“Quando eu percebi que o policial tava apontando o fuzil pra mim mesmo, eu decidi me proteger. Tinha uma casa em frente, me apresentei pro morador e pedi pra ficar na porta dele, para sair da mira do policial. E esse mesmo policial que estava apontando o fuzil pra mim, ele decidiu me filmar. Pegou o celular dele e resolveu fazer um vídeo”, relatou.
O vídeo que o policial fez viralizou nas redes sociais, com a acusação de que a repórter estava ali para flagrar alguma irregularidade da polícia. “Eu tava ali para sair da mira do fuzil do policial”, destaca Danielle.
O policial não usava nenhuma identificação na farda, o que é obrigatório.
Caco Barcelos questionou o comandante-geral da PMESP, Cássio Araújo de Freitas, sobre a situação.
“O policial, quando ele entra em um local de alto risco, ele tem que entrar com todas as cautelas. Ele não sabia que a sua jornalista estava lá”, afirmou o comandante
Caco reforçou com o comandante que o policial sabia, pois Danielle se identificou. “Inclusive, ele fez uma filmagem dela e colocou nas redes sociais, como se ela estivesse ali indevidamente trabalhando, por ser uma favela”, ponderou Caco.
O comandante então deu outra resposta: “Eu vi a foto, mas esses detalhes nós não tínhamos esse conhecimento que você está me trazendo agora”.