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O procurador Flávio Matias, coordenador do Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público Federal em Sergipe, abriu procedimento para investigar suposta classificação como “informação pessoal” dos processos administrativos disciplinares contra agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) envolvidos na abordagem que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santos, asfixiado no porta malas de uma viatura da corporação que virou “câmara de gás”. A decisão impõe sigilo de 100 anos aos dados.
A Procuradoria apura se a medida “está sendo utilizada como obstáculo para o fornecimento de informações de interesse público”, em contrariedade à Lei de Acesso à Informação e à Constituição.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) negou acesso à informação sobre o caso Genivaldo à equipe do portal Metrópoles, mas o portal solicitou, via Lei de Acesso à Informação, a quantidade, os números dos processos administrativos e a íntegra dos autos já conclusos (que indica que o processo foi apresentado a um juiz ou uma juíza, para que decida sobre alguma questão) e que envolvem os cinco agentes que assinaram o boletim de ocorrência policial sobre a abordagem.
Ao negar a demanda, a PRF justificou se tratar de um pedido de ‘informação pessoal’ dos servidores, posição que contraria entendimento da Controladoria-Geral da União (CGU), que já se manifestou a favor da divulgação do teor de procedimentos concluídos. Com essa alegação de “informação pessoal”, impõe, na prática, sigilo de 100 anos sobre o teor dos autos.
Os policiais são Clenilson José dos Santos, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William de Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas.
A PRF ainda disse que cabe ao órgão assegurar a “proteção da informação sigilosa e da informação pessoal, observada a sua disponibilidade, autenticidade, integridade e eventual restrição de acesso. Configura, inclusive, conduta ilícita divulgação de informação pessoal”.
De acordo com o MPF, a Lei de Acesso à Informação define como informação pessoal “aquela relacionada à pessoa natural identificada ou identificável”. Além disso, destaca que, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU), as informações pessoais que devem ser protegidas são apenas “aquelas que se referem à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem”.
A apuração foi instaurada após o portal “Metrópoles” noticiar que teve negado pedido feito via Lei de Acesso à Informação, para obtenção de informações acerca dos processos administrativos envolvendo os cinco agentes que assinaram comunicação de ocorrência policial sobre a abordagem que resultou na morte de Genivaldo.
Segundo o jornal “O Estado de S. Paulo”, os agentes classificaram o falecimento do homem de 38 anos como uma “fatalidade desvinculada da ação policial legítima”. Os policiais narraram que foi empregado “legitimamente o uso diferenciado da força” no caso, registrando que foram usados gás de pimenta e gás lacrimogêneo para “conter” Genivaldo.
O documento atribuiu à vítima supostos “delitos de desobediência e resistência”. Ele foi lavrado pelos PRFs Clenilson José dos Santos, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William De Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas, que se apresentaram como a “equipe de motopoliciamento tático que efetuava policiamento e fiscalização” em Umbaúba (SE).
“Independentemente do desfecho que a questão venha a ter na esfera administrativa após a apreciação do recurso do site jornalístico Metrópoles, convém apurar se a classificação como ‘informação pessoal’ do processo administrativo disciplinar envolvendo os servidores policiais cuja abordagem resultou na morte de Genivaldo dos Santos está sendo utilizada como obstáculo para o fornecimento de informações de interesse público, em contrariedade à Lei 12.527/2011 e à Constituição Federal”, registrou o procurador Flávio Matias em documento assinado nesta quinta-feira (23).
SIGILO DUVIDOSO
A prática de impor sigilo de 100 anos a documentos já é comum no governo de Jair Bolsonaro (PL). Ele mesmo já decretou sigilo de 100 anos a informações pessoais relacionadas a ele ou à família, o chamado “acesso restrito”, em ao menos seis ocasiões desde o início de seu governo.
Em todos esses casos, o atual chefe do Executivo federal utilizou um mecanismo criado em 2011, durante o governo de Dilma Rousseff (PT), a Lei de Acesso à Informação. A legislação estipula, em seu artigo 31, que pode ser decretada a restrição por no máximo 100 anos, a partir da data de produção, em questões que envolvam “intimidade, honra, vida privada e imagem”.
O artigo da lei foi usado pela Advocacia-Geral da União (AGU) no caso do cartão de vacinação do presidente da República, por exemplo, Bolsonaro diz que não tomou a vacina contra a Covid-19, mas se recusa a apresentar a carteira. Exames de anticorpos feitos por Bolsonaro também ganharam o sigilo centenário.
No caso dos pastores-lobistas que atuaram no Ministério da Educação (MEC), o governo também citou a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e decretou sigilo de 100 anos à lista de encontros feitos pelo presidente com os pastores.
Depois de manifestação da Controladoria-Geral da União (CGU) defendendo a necessidade de se atender ao interesse público, o governo recuou, e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pelos registros de entrada e saída do Planalto, acabou divulgando os dados.
Em documento assinado no dia 1º de junho, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça deu 10 dias úteis para o Palácio do Planalto explicar o sigilo imposto.
Na ocasião em que o segredo foi decretado, os nomes de religiosos estavam ligados à negociação de propina para prefeitos, em troca da liberação de recursos do MEC. O caso ainda é investigado pela Polícia Federal.
Bolsonaro já comentou a decretação dos sigilos em suas redes sociais. “Presidente, o senhor pode me responder porque todos os assuntos espinhosos/polêmicos do seu mandato, você põe sigilo de 100 anos? Existe algo para esconder?”, questionou um usuário em abril. Na resposta, Bolsonaro ironizou: “Em 100 anos saberá”.