“Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui”, reafirmou o vice-presidente
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou nesta sexta-feira (20) que no Brasil “não existe racismo”. Ele deu a declaração ao comentar o caso de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, um homem negro espancado e morto por dois seguranças de um supermercado Carrefour na noite desta quinta (19) em Porto Alegre.
“Lamentável, né? Lamentável isso aí. Isso é lamentável. Em princípio, é segurança totalmente despreparada para a atividade que ele tem que fazer […] Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui”, afirmou Mourão.
“Aqui, o que você pode dizer é que existe desigualdade. Temos uma desigualdade brutal fruto de uma série de problemas”, acrescentou Mourão.
João Alberto Silveira foi espancado e morto por dois homens brancos em um supermercado Carrefour em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, na noite desta quinta-feira (19), véspera do Dia da Consciência Negra. A Brigada Militar, como é chamada a Polícia Militar no Rio Grande do Sul, informou que o espancamento começou após um desentendimento entre a vítima e uma funcionária do supermercado, que fica na Zona Norte da capital gaúcha. O espancamento de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi filmado por testemunhas.
Milena Borges Alves, de 43 anos, a esposa de João Alberto, contou que ele pediu ajuda quando a viu, mas não houve tempo para salvá-lo. “Eu estava pagando no caixa, daí ele desceu na minha frente. Quando eu cheguei lá embaixo, ele já estava imobilizado. Ele pediu: ‘Milena, me ajuda’. Quando eu fui, os seguranças me empurraram”, afirmou ela. O crime revoltou a sociedade gaúcha e brasileira. Protestos estão programados para várias capitais nesta sexta-feira (20).
“Ele pediu: ‘Milena, me ajuda’. Quando eu fui, os seguranças me empurraram”, afirmou a esposa
O negacionismo manifestado por Mourão sobre a morte de João Alberto, que não difere em nada do que Bolsonaro fala e faz em relação à pandemia da Covid-19, é tão escandaloso que os repórteres insistiram se ele realmente não via racismo no assassinato de um negro, na frente de sua mulher, dentro de um supermercado, e Mourão insistiu: “Não, eu digo para você com toda a tranquilidade: não tem racismo aqui”, repetiu.
Demonstrando descolamento brutal da realidade brasileira, particularmente, dos dados sobre a discriminação racial no Brasil, Mourão desfiou a tese de que racismo só existe nos EUA: “Eu digo para vocês o seguinte, porque eu morei nos EUA: racismo tem lá. Eu morei dois anos nos EUA, e na escola em que eu morei lá, o ‘pessoal de cor’ andava separado. Eu nunca tinha visto isso aqui no Brasil. Saí do Brasil, fui morar lá, era adolescente e fiquei impressionado com isso aí. Isso no final da década 60”, disse.
Em agosto deste ano, o Atlas da Violência 2020, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), contrariando Mourão, revelou que os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas) no Brasil são altíssimos e cresceram 11,5% em dez anos.
É claro que a maior presença dos negros na população brasileira, a maior miscigenação entre as raças ocorrida no país e a forte e histórica resistência presente nos movimentos contra o racismo no Brasil, colocaram mais barreiras às atrocidades aqui, em relação ao que ocorreu, e continua a ocorrer, nos EUA, mas a realidade no Brasil está muito longe do que disse Hamilton Mourão.
Se nas ruas os negros são as maiores vítimas de assassinatos, eles também são a maior parcela da massa carcerária brasileira. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 755.274 pessoas estavam privadas de liberdade no ano passado. Dessas, 66,7% eram negras e 32,3% brancas. No ano de 2005, o total de presos negros representava 58,4% da população carcerária total naquele ano.
“A gente está olhando para os números e percebendo que, enquanto o Brasil faz de conta que não tem problemas raciais, um racismo estrutural que organiza as relações sociais do país, quem morre e quem mata são exatamente, proporcionalmente, muito mais negros do que brancos” , avalia Renato Sergio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.