
O neto do grande Nelson Mandela, Nkosi, rechaçou o que chamou de “infeliz tweet do presidente Trump”, em que este condenou a decisão da África do Sul de finalmente realizar a reforma agrária e disse ter ordenado que seu secretário de Estado investigasse o que estava acontecendo com os “agricultores brancos”, que estariam sendo “assassinados”. A tuitada de trump aconteceu após a Fox News se meter a dar palpite sobre a questão.
Mandela classificou a ordem a Mike Pompeo de “arrogante”, acrescentando que Trump era “ignorante” da realidade da África do Sul, onde, duas décadas depois do fim oficial do apartheid, 72% das terras férteis continuam de posse de um pequeno número de agricultores brancos, enquanto milhões de pessoas não têm terra nenhuma.
“O infeliz tweet do presidente Donald Trump mostra desrespeito pela soberania da África do Sul e nosso compromisso com a justiça e reparação”, disse o neto de Mandela. Ele acrescentou que a África do Sul “não receberá diktats, não será ameaçada ou pressionada” e não vai abandonar a reforma agrária que irá acabar com “as injustiças do passado”. Mandela assinalou, ainda, que Trump deveria lidar com suas próprias questões domésticas, ou seja, aquelas que o movimento Black Lives Matter vem denunciando.
Aliás, o apartheid foi imposto exatamente para permitir que a terra, que era da população negra, fosse tomada pelos “colonos” brancos, que não passam de 8% da população, enquanto os negros eram empurrados para guetos, “bantustões” e “reservas”. A Lei das Terras Nativas de 1913, que tornou ilegal que africanos detivessem terras além desses buracos, foi o deflagrador do apartheid.
Audiências públicas sobre a reforma agrária estão sendo realizadas no país inteiro. A legislação na África do Sul prevê expropriação sem compensação de terras com mais de 12.000 hectares, para redistribuição para sua população negra. Porta-voz do presidente Ciryl Ramaphosa rebateu a tuitada de Trump, dizendo que é baseada em “informações falsas”, “percepção estreita” e busca dividir a nação. A reforma agrária terá como alvo principalmente as terras improdutivas.
Na terça-feira (28), o Congresso Nacional Africano anunciou a retirada dessa legislação sobre a reforma agrária para que a constituição possa ser alterada de forma a garantir a compra compulsória de terras sem compensação. Até aqui, o que ocorreu de redistribuição de terra foi com base na idéia de “quer vender a terra, o governo compra”, e que na prática manteve inalterada a concentração de terras. Com base em uma pesquisa de escrituras, o governo afirma que os negros possuem quatro por cento das terras privadas, e apenas oito por cento das terras agrícolas foram transferidas para mãos negras, bem abaixo da meta, estabelecida para 2014, de 30%.
Dentro da África do Sul, cada vez é mais forte a exigência de que a derrogada do apartheid se concretize também nas questões da economia, para reduzir as imensas desigualdades que persistem após formalmente abolido o racismo. Naturalmente, os grandes fazendeiros asseveram que a reforma agrária será um desastre e desorganizará a produção agrícola, e têm realizado campanha contra, que começa a repercutir no exterior. Ao contrário do que vêm dizendo, apesar de haver mortes de fazendeiros, o número desse tipo de homicídio na verdade está nos mínimos históricos, num país onde a criminalidade (e a miséria) é alta.
Por vários motivos, a reforma agrária foi sendo adiada desde 1994, mas sua necessidade, para fortalecer o mercado interno, redistribuir a renda e democratizar a posse de terra, tornou-se cada vez mais premente. Após a posse de Ramaphosa, o parlamento aprovou em março uma resolução a favor de uma mudança da constituição com esse fim. Para ser aprovada, precisa de dois terços dos votos, o que o CNA, mais o partido EEF, tem de sobra. Em outubro, a vizinha Namíbia também pretende começar a debater a questão da reforma agrária.