PGR abandonou intempestivamente a reunião do Conselho Superior do Ministério Público ao ser cobrado por subprocuradores sobre suas acusações “infundadas” às forças-tarefas da instituição
O procurador-geral da República (PGR), Augusto Aras, foi cobrado por procuradores, nesta sexta-feira (30), durante reunião do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), sobre suas declarações públicas contra as forças-tarefas do MPF e, particularmente, os seus ataques à operação Lava Jato. Aras foi indicado por Jair Bolsonaro para o cargo sem ter sido eleito na lista tríplice, tradicional meio de escolha do PGR.
A discussão se acirrou quando o subprocurador-geral Nicolao Dino manifestou, em nome dele e de colegas, críticas às posições que Aras vem manifestando a respeito de supostas informações sigilosas que estariam sob o poder das forças-tarefas do MPF. Na terça (28), o procurador-geral disse que o grupo manteria informações que não constam dos sistemas do MPF e que é uma “caixa de segredos”.
Antes de Dino expor sua “perplexidade” quanto à postura recente de Aras, o procurador-geral chegou a dizer que não permitiria ao colega que expusesse sua opinião por esta fugir do tema da reunião, que era o orçamento da entidade. “Conselheiro Nicolao Dino, essa sessão é para o orçamento. Solicito a vossa excelência que reserve suas manifestações pessoais e de seus colegas, meus colegas, para após a sessão”, disse. Ao que Dino replicou: “O regimento interno me faculta o uso da palavra. Não faz sentido que se cerceie o uso da palavra por parte de um membro desse conselho. Isso nunca aconteceu nesse colegiado.”
Aras atacou o que chamou do predomínio de um “anarco-sindicalismo e corporativismo” dentro da instituição. O PGR acusou Dino de ser “porta-voz” de alguns que fazem oposição sistemática à sua gestão. Acusou colegas de plantar “fake news” envolvendo sua família para a imprensa e classificou isso de muito covarde. “Não vou atingir a família dos senhores, não”, avisou. Nicolau Dino insistiu que gostaria de ler a carta dos subprocuradores sobre os ataques à Lava Jato. Aras recuou e ficou acertado que o documento seria lido ao final da pauta ordinária.
“Vossa Excelência, com o peso da autoridade do cargo que exerce e com o pretexto de corrigir rumos com os supostos desvios das forças-tarefas, fez graves afirmações em relação ao funcionamento do Ministério Público Federal em debate com grupo de advogados na noite do dia 28 último”, disse Dino. “Não se parte de uma premissa de que o MP esteja imune à críticas. Longe disso. O MP pode e deve ser questionado. Pessoas e instituições também crescem por meio da crítica e da autocrítica”, continuou.
“Mas há que se fazer a devida distinção entre a crítica e a desconstrução”, prosseguiu o subprocurador. “Não foi a crítica construtiva que foi adotada por vossa excelência”, destacou Dino. “A fala de V. Ex não constrói e não contribui em nada para o que denominou de ‘correção de rumo’. Na verdade foram feitas graves afirmações articuladas pelo chefe da instituição que a representa perante a sociedade e os demais órgão de Estado.
Por isso não se pode deixar de lamentar. Faço isso não apenas em meu nome mas também em nome do conselheiro Nívio de Freitas, Luíza Cristina e José Adonis. Não se pode deixar de lamentar o resultado negativo como um todo”, disse Dino. Na visão dos subprocuradores, Aras não age com “espírito construtivo” e provoca conflitos internos na corporação que representa.
O procurador-geral insistiu dizendo que tem “provas” para sustentar as críticas que fez à força-tarefa da Lava Jato e que isso está sob apuração da Corregedoria do MPF e do Conselho Nacional do Ministério Público. E, ao final do encontro, Aras disse que rejeitava os conselhos do colega e encerrou a reunião do CSMPF.
“Por isso, doutor Nicolao, rejeito seus conselhos e espero que os órgãos oficiais respondam à vossa excelência e aos seus liderados”, disse ele levantando da cadeira e se recusando a ouvir os comentários de outros conselheiros, que participavam da reunião por videoconferência.
Leia integra da carta:
CARTA ABERTA AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
O Procurador-Geral da República, com o peso da autoridade do cargo, e invocando o pretexto de “corrigir rumos ante desvios das forças-tarefas”, fez graves afirmações em relação ao funcionamento do Ministério Público Federal, em debate com grupo de Advogados, na noite do dia 28 de julho último.
Previna-se, desde já, que não se parte, aqui, da premissa de que o MPF esteja imune a críticas. Longe disso! Como Instituição de Estado, o Ministério Público pode e deve ser questionado. É inerente a seu caráter republicano a existência de canais garantidores de responsabilidade, transparência, responsividade e coordenação. Pessoas e instituições também crescem por meio da crítica e da autocrítica. O Ministério Público pode e deve ser constantemente aprimorado. Sendo composto por pessoas – passíveis de acertos e desacertos –, é suscetível ao erro, Daí a previsão legal de mecanismos de controle, revisão e aperfeiçoamento.
Mas há que se fazer a devida distinção entre crítica e desconstrução. E um líder sabe diferenciar, assim como bem sabem os demais protagonistas e observadores da história. A crítica saudável ilumina caminhos, principalmente em tempos difíceis, renovando energias em busca de melhores estratégias de exercício funcional. Um real propósito de “correção de rumos” pressupõe espírito construtivo e empenho na promoção do bem e do fortalecimento da Instituição, gerando coragem, otimismo e esperança.
Não é essa a percepção que se tem do posicionamento adotado pelo Procurador-Geral da República. A fala de S. Exa. não constrói e em nada contribui para o que denominou de “correção de rumos”. Por isso, não se pode deixar de lamentar o resultado negativo para a Instituição como um todo – expressando, por que não dizer, nossa perplexidade –, principalmente por se tratar de graves afirmações articuladas por seu Chefe, que a representa perante a sociedade e os demais órgãos de Estado.
Diante de tão graves desafios impostos à sociedade brasileira no momento atual – na promoção da saúde, na defesa do meio ambiente, na garantia da liberdade de expressão sem fakenews, no enfrentamento da corrupção, na promoção, enfim, dos direitos da cidadania – é de se esperar e conclamar clareza de propósitos, compromisso com a estabilidade institucional e fomento à segurança jurídica. Para tanto, é essencial o saudável exercício de lideranças, com diálogo interno e valorização de seus canais de atuação. Isso não se confunde com “anarcossindicalismo”. Defender as prerrogativas e os instrumentos de atuação institucional não é sinônimo de corporativismo ou de quaisquer outros “ismos” que se pretenda imputar ao Ministério Público Federal.
As palavras do Procurador-Geral da República pavimentam trilha diversa e adversa, uma vez que alimentam suspeitas e dúvidas na atuação do MPF, inclusive no próprio processo de eleições internas – das quais, a propósito, S. Exa. mesmo já participou, e foi exitoso em dois momentos (eleições para o Conselho Superior, colégio de Subprocuradores-Gerais – biênios 2012/14 e 2014/16).
Um Ministério Público desacreditado, instável e enfraquecido somente atende aos interesses daqueles que se posicionam à margem da lei. Dessa forma, é absolutamente imperativo assinalar, em defesa dos valores e da estabilidade de nossa Instituição: i) que nunca, jamais, houve fraude em quaisquer eleições no âmbito do Ministério Público Federal, sendo absurdo cogitar-se de sua ocorrência; ii) que dados relativos a investigações submetidos a cláusula de sigilo só podem ser compartilhados mediante autorização judicial, com devida motivação e se necessário para outra investigações, e que, portanto, a salvaguarda desse sigilo não se confunde com opacidade ou “caixa-preta”; iii) que a independência funcional é um pilar estruturante do Ministério Público, essencial à sua atuação, sem receio de perseguições, observado, é claro, o regular funcionamento de seus canais de controle, coordenação e revisão, cuja existência legitima sua atuação; iv) que o modelo de forças-tarefas – que tão importantes resultados têm produzido em complexos casos de corrupção em todo o Brasil, de desastres ambientais, em defesa da Amazônia e tantos outros – pode e deve ser aprimorado, mas esse aperfeiçoamento não passa pela deslegitimação de seus trabalhos ou pela desqualificação de seus membros, mas sim pelo respeito à pluralidade e pelo debate produtivo e propositivo de ideias.
Para finalizar, ao mesmo tempo em que destacamos os bons resultados obtidos pelas diversas forças-tarefas instituídas ao longos dos últimos anos, acentuamos que, a partir dessa experiência inovadora em diversas áreas de atuação funcional, é chegada a hora de o Conselho Superior do MPF analisar a proposta de regulamentação e aprimoramento em curso, com base na inafastável premissa de que somente com diálogo elevado e comunhão de bons propósitos é possível avançar na valorização da Instituição e no fortalecimento de seus canais de atuação. Enfrentar esuperar as turbulências, esse é o nosso desafio para o momento.
Brasília, 31 de julho de 2020
NICOLAO DINO
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
NIVIO DE FREITAS SILVA FILHO
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
JOSÉ ADONIS CALLOU DE SÁ
Subprocurador-Geral da República
Conselheiro
LUÍZA CRISTINA FONSECA FRISCHEINSEN
Subprocuradora-Geral da República
Conselheira