Documentos apresentados pelo servidor do MS ao presidente desmentem que assunto não foi corrupção. Eles provam que havia pressão para que o servidor assinasse pagamento ilegal de R$ 225 milhões a uma empresa com sede em um paraíso fiscal
Acossado pelas denúncias de corrupção envolvendo o contrato de compra da vacina Covaxin, Jair Bolsonaro acabou confirmando, em sua live desta quinta-feira (24), que recebeu o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão, Luis Henrique Miranda, servidor de carreira do Ministério da Saúde, no Palácio do Alvorada no dia 20 de março, mas, inventou a narrativa de que “eles não falaram nada sobre corrupção”. Devem ter ido, quem sabe, falar de futebol.
“Assim como o Luis Miranda esteve aqui, ele podia ligar para mim ou ligar para o ajudante de ordem — se fosse possível, atenderia, mas não atendo mais, não vou atender, obviamente — e perguntar: ‘O que está acontecendo?’. E eu responderia para ele. É uma coisa que aconteceu, ele não falou nada de corrupção em andamento. Não tem nada, não tem nada”, declarou Bolsonaro nesta quinta.
A versão de Bolsonaro é insustentável. O servidor e seu irmão levaram documentos para Bolsonaro mostrando que ele estava sendo pressionado a assinar uma nota no valor de US$ 45 milhões antecipados para um lote e 300 mil doses de vacinas, num contrato que não previa pagamento antecipado e, pior, com pagamento a uma terceira empresa que não tinha nada a ver com o contrato e localizada num paraíso fiscal.
Bolsonaro se contradiz ao afirmar que não houve conversa sobre corrupção quando diz que na nota apresentada pelo servidor “faltava um zero” – que não seriam 300 mil, mas sim 3 milhões de doses. Os 300 mil estavam na nota levada a ele pelo servidor.
Ele justificou também dizendo que não houve nenhum pagamento para a empresa indiana. “Passados quatro, cinco meses depois que ele conversou comigo — conversou, sim, não vou negar isso daí — não aconteceu nada. Não entrou no Brasil uma só dose da Covaxin. Não foi gasto um centavo com aquilo”, afirmou Bolsonaro. Só que empenho de R$ 1,6 bilhão não foi cancelado e está válido até hoje. Ele também não explicou por que não mandou investigar as irregularidades como havia prometido aos dois irmãos e motivo pelo qual o contrato não foi suspenso.
O fato é que só não houve pagamento ilegal porque o servidor Luis Henrique Miranda se recusou a assinar o documento autorizando o pagamento para a empresa de Singapura. Foi muito pressionado para fazê-lo e resistiu. As irregularidades relatadas pelos dois a Bolsonaro não foram levadas à Polícia Federal como prometera o presidente quando da visita ao Palácio do Alvorada.
Aliás, foi exatamente essa pressão intensa, exercida pelos superiores do servidor que, segundo ele, não era usual, com telefonemas nos fins de semana, cobranças frequentes e muitas vezes tarde da noite, etc, o que o levou a procurar o irmão, que era um deputado bolsonarista, para relatar o que estava ocorrendo. Os dois resolveram denunciar o caso para Bolsonaro porque, conforme disse o deputado à CNN, seu irmão não confiava em ninguém dentro do Ministério da Saúde.
A versão apresentada por Bolsonaro na live de quinta-feira não foi combinada com os senadores governistas da CPI da Pandemia, não tendo como se explicar, inventaram uma outra versão, a de que Bolsonaro encaminhou as denúncias – que ele agora diz que não existiram – ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ainda segundo a versão desses senadores, Pazuello teria determinado uma apuração interna, que não encontrou irregularidades. Tentaram jogar no colo de Pazuello para livrar Bolsonaro, mas, quem ligou para o primeiro ministro indiano para advogar pela Covaxin não foi o general, foi o capitão.