Entidades de massa, parlamentares de centro, direita e esquerda entregaram na Câmara dos Deputados mais um pedido para a saída de Bolsonaro da Presidência da República
Entidades dos movimentos sociais, partidos políticos e parlamentares de todos os campos político-ideológicos apresentaram, na tarde desta quarta-feira (30), na Câmara dos Deputados, novo pedido de impeachment de Bolsonaro, agregando acusações presentes em outros 122 pedidos entregues anteriormente à Casa.
Ao todo, 1.507 pessoas e mais de 500 organizações assinaram pedidos de impeachment de Bolsonaro. Foram enviados até agora 123 documentos ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), sendo 68 pedidos originais, 7 aditamentos e 46 pedidos duplicados. Até agora, apenas 6 pedidos foram arquivados ou desconsiderados. Mais de 100 aguardam análise.
De acordo com a advogada Tânia Maria de Oliveira, que assina o pedido e pertence à ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), a nova petição não chega a atribuir responsabilidade ao presidente da República no esquema de propina envolvendo a compra de vacinas pelo Ministério da Saúde.
Segundo a advogada, as denúncias fazem parte do pedido, no entanto, como matéria que precisa ser ainda investigada pela CPI do Senado e pelo Poder Judiciário. O assunto, porém, de acordo com Tânia Oliveira, poderá ser apresentado em adendo, caso fique comprovado que Bolsonaro sabia do esquema superfaturado da compra do imunizante indiano.
“Este assunto é mencionado como fato a ser investigado, porque não há ainda nada que ligue o presidente da República a esses fatos. Não há nada ainda que diz que ele sabia”, esclareceu a advogada. “Vamos mencionar como um fato a ser investigado pela CPI e não como um fato a ser imputado ao presidente.”
Tânia Oliveira, no entanto, aponta que o crime de prevaricação do presidente da República no caso da vacina indiana Covaxin já está caracterizado.
“Levamos muito a sério uma acusação de crime, e todos os crimes que estamos imputando ele praticou mesmo. Por exemplo: prevaricação. Bolsonaro não negou que conversou com o deputado Luis Miranda (DEM-DF) e que ele sabia. Ele deixou de investigar os fatos criminosos. Isso é prevaricação”, explicou a advogada.
“Agora, se lá na frente ficar comprovado, nada impede que apresentemos um adendo a esse pedido.”
Entre parlamentares que assinam o pedido e integram a frente estão ex-bolsonaristas Kim Kataguiri (DEM-SP), do MBL, Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joyce Hasselmann (PSL-SP), além de Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC); os presidentes nacionais do Cidadania, Roberto Freire; PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR); e PCdoB, a vice-governadora de Pernambuco Luciana Santos.
Partidos que formalizaram presença na frente incluem até o momento PSB, PDT, Cidadania, PT, PCdoB, REDE, PSol, Unidade Popular (sem representação na Câmara) e PCO (sem representação na Câmara).
Também integram o grupo, à frente da organização do pedido e da mobilização, entidades como ABI (Associação Brasileira de Imprensa), UNE (União Nacional dos Estudantes), FS (Força Sindical), CTB (Central dos Trabalhadores do Brasil), CUT (Central Única dos Trabalhadores), CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil), CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros), Intersindical, UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), MBL (Movimento Brasil Livre), Fened (Federação Nacional de Estudantes de Direito), CONIC (Coalização Negra por Direitos, Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil), Coletivo de Advogados, CMP (Central de Movimentos Populares), Coletivo de Favelas, entre outras.
ATO
Na manifestação de entrega do pedido na Câmara, o líder da Oposição, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), explicou que as últimas denúncias envolvendo a compra de vacinas e irregularidades não fazem parte do documento, mas trazem mais força para o pedido de impeachment. “Este é um governo que vende a vida dos brasileiros por um dólar”, afirmou Molon.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) registrou que o grave momento da vida nacional exige a união de partidos de direita, de centro e de esquerda.
“É um pedido de impeachment que possui uma causa legítima, para derrubar esse governo que mais promoveu morticídio, genocídio e destruiu a máquina pública para blindar os próprios filhos”, destacou Kataguiri.
Para a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), que já foi líder do governo no Congresso no primeiro ano do governo Bolsonaro, o endosso ao pedido não é uma questão ideológica. Segundo ela, Bolsonaro desmoralizou o Exército e agiu de maneira criminosa na condução da pandemia.
“Temos uma pessoa que tira máscara de bebezinho. Duzentos mil mortos é o equivalente ao que a bomba atômica matou em Hiroshimna e Nagazaki. Ele [Bolsonaro] jogou duas bombas no país. Quem tem amor por esse país não pode aceitar isso”, disse a parlamentar.
“Eu sei o quanto me custou e nunca mais, nem com uma arma na cabeça, esse homem leva um voto meu. Ele jamais será reeleito, mas o Brasil não aguenta até 2022″, completou Joice.
A presidenta do PCdoB e vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, destacou que Bolsonaro “está cometendo um crime contra a humanidade” e o país.
“Esse governo demonstrou desde o primeiro dia da Covid ser um grande aliado do vírus. Jair Bolsonaro é o maior aliado do vírus no Brasil, porque desde o primeiro momento negou a ciência e qualquer orientação não só da ciência, mas para toda a experiência exitosa no mundo”, continuou.
Para Luciana, o governo Bolsonaro é uma “ameaça à nação”. “Como vimos na semana passada a privatização da Eletrobrás, quando o Brasil está sob ameaça de uma nova crise energética. A conta de luz vai afetar a inflação dos alimentos; vai inviabilizar a economia e a vida cotidiana das pessoas, por conta da negligência, da irresponsabilidade [do governo] nos setores estratégicos da nossa economia”.
No ato, o presidente da UNE, Iago Montalvão, defendeu o verde e amarelo e hasteou a bandeira brasileira.
“CRIMES NÃO FALTAM”
Além das acusações novas contra o presidente, o chamado “superpedido” inclui o conjunto de acusações presente em outras solicitações de processo de afastamento já apresentados contra o atual presidente da República.
De acordo com informações repassadas por partidos que assinam o pedido, a maior parte dos crimes relatados teriam sido cometidos pelo mandatário durante a pandemia. No entanto, há também denúncias ocorridas antes, referentes a ataques à democracia, violência contra mulheres, agressões a jornalistas, interferência na Polícia Federal e em órgãos de controle com o Coaf, por exemplo.
Veja os 21 crimes de Bolsonaro listados:
- Crime contra a existência política da União. Ato: fomento ao conflito com outras nações
- Hostilidade contra nação estrangeira. Ato: declarações xenofóbicas a médicos de Cuba
- Crime contra o livre exercício dos Poderes. Ato: ameaças ao Congresso e STF e interferência na PF
- Tentar dissolver ou impedir o funcionamento do Congresso. Ato: declarações do presidente e participação em manifestações antidemocráticas
- Ameaça contra algum representante da nação para coagi-lo. Ato: disse de que teria que “sair na porrada” com senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), membro da CPI da Covid
- Opor-se ao livre exercício do Poder Judiciário. Ato: interferência na PF
- Ameaça para constranger juiz. Ato: ataques ao Supremo
- Crime contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Ato: omissões e erros no combate à pandemia
- Usar autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder. Ato: trocas nas Forças Armadas e interferência na PF
- Subverter ou tentar subverter a ordem política e social. Ato: ameaça a instituições
- Incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina. Ato: ir a manifestação a favor da intervenção militar
- Provocar animosidade nas classes armadas. Ato: aliados incitaram motim no caso do policial morto por outros policiais em Salvador
- Violar direitos sociais assegurados na Constituição. Ato: omissões e erros no combate à pandemia
- Crime contra a segurança interna do país. Ato: omissões e erros no combate à pandemia
- Decretar o estado de sítio não havendo comoção interna grave. Ato: comparou as medidas de governadores com um estado de sítio
- Permitir a infração de lei federal de ordem pública. Ato: promover revolta contra o isolamento social na pandemia
- Crime contra a probidade na administração. Ato: gestão da pandemia e ataques ao processo eleitoral
- Expedir ordens de forma contrária à Constituição. Ato: trocas nas Forças Armadas
- Proceder de modo incompatível com o decoro do cargo. Ato: mentiras para obter vantagem política
- Negligenciar a conservação do patrimônio nacional. Ato: gestão financeira na pandemia e atrasos no atendimento das demandas dos estados e municípios na crise de saúde
- Crime contra o cumprimento das decisões judiciais. Ato: não criar um plano de proteção a indígenas na pandemia.
TRAMITAÇÃO
Para avançar na tramitação, o chamado “superpedido” depende, convencionalmente, de decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Sobre isto há necessidade de interpretação do artigo 51 da Constituição, que, a rigor, não dá esse “superpoder” ao presidente da Casa. No referido artigo, inciso I, está escrito:
“Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:
I – autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado”.
Assim, cabe interpretação do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre esse comando da Constituição Federal.
Além da ABJD, a petição é assinada por parlamentares de direita, de esquerda e de centro, e conta com apoio de movimentos sociais, entidades de classe, religiosos e estudantis, além de pessoas de diferentes correntes ideológicas que assinam individualmente o documento.
M. V.