Segundo jurista, isso configura crime de responsabilidade, “uma intromissão indevida de um poder sobre o outro”. “É o uso de equipamentos para frustrar uma investigação ou favorecer o interesse do governo (pelo colegiado que o fiscaliza)”
Pelo menos 11 requerimentos apresentados pelos senadores Ciro Nogueira (PP-PI) e Jorginho Mello (PL-SC), para que defensores da cloroquina sejam convocados para depor na CPI da Pandemia, foram produzidos por uma assessora do governo Bolsonaro, apontam registros eletrônicos.
Cinco requerimentos feitos pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI) e seis feitos por Jorginho Mello (PL-SC), ambos aliados de Jair Bolsonaro, têm a “assinatura eletrônica” da assessora especial da Secretaria de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Governo, Thaís Amaral Moura.
Essa informação pode ser confirmada a partir dos chamados “metadados” dos documentos, ou seja, informações que ficam ocultas, mas que podem ser acessadas, e que mostram quando o documento foi criado e por quem.
O governo Bolsonaro está tentando convocar defensores da cloroquina no tratamento da Covid, o que comprovadamente não tem nenhum efeito contra a doença, para atrapalhar as investigações da CPI, que serão focadas nas omissões do governo Bolsonaro durante a pandemia.
Alguns dos requerimentos apresentados por Ciro Nogueira e Jorginho Mello, mas que foram produzidos pelo Palácio do Planalto, referem-se às mesmas pessoas. É o caso da médica Nise Yamagushi, que nega os resultados das pesquisas feitas em todo o mundo e diz que a cloroquina deve ser usada no tratamento contra a Covid.
Nise chegou a ser afastada do hospital Albert Einstein depois de ter comparado o distanciamento social determinado por prefeitos e governadores com o holocausto.
O governo Bolsonaro também pediu, através dos senadores, o depoimento do psicólogo Bruno Campello Souza, que acredita que a quarentena pode aumentar o número de mortos pela Covid.
Nogueira e Mello também apresentaram os requerimentos para a convocação de Francisco Eduardo Cardoso Alves, infectologista que defende a cloroquina, e Paulo Porto de Melo, médico do Hospital Militar da Área de São Paulo, que também critica as medidas de proteção e, da mesma forma, defende o uso de cloroquina.
Nogueira apresentou o pedido de convocação do prefeito de Chapecó (SC), João Rodrigues (PSD), que foi elogiado por Jair Bolsonaro por dar “liberdade” para os médicos prescreverem o que quiserem para seus pacientes infectados pelo coronavírus. O documento também tem a assinatura eletrônica, nos “metadados”, de Thaís Amaral Moura.
O governo Bolsonaro também produziu o requerimento para que o procurador-geral de Justiça do Pará, Gilberto Valente Martins, que investiga o destino dos recursos repassados pela União ao Estado do Pará, seja convocado. O pedido foi apresentado por Jorginho.
Além de pedir o depoimento de defensores de sua política negacionista, o governo Bolsonaro também tem tomado outras medidas para atrapalhar as investigações da CPI. A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) tentou barrar Renan Calheiros (MDB-AL) na relatoria da Comissão, mas não conseguiu.
Mesmo depois que Renan Calheiros assumiu a relatoria da investigação, Jorginho Mello entrou, junto com os senadores Marcos Rogério (DEM-RO) e Eduardo Girão (Pode-CE), com um pedido no Supremo Tribunal Federal (STF) para tirá-lo do cargo.
JURISTA
Ouvido pelo jornal Correio Braziliense, o professor Renato Ribeiro, advogado na área de direito eleitoral e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), considera que o uso de equipamentos ou de funcionários do Executivo para conduzir ou influenciar os trabalhos de uma CPI corresponde a crime de responsabilidade praticado pelo presidente da República. “É uma intromissão indevida de um poder sobre o outro. Se fosse uma coisa que acontecesse em um país como os Estados Unidos, haveria reprimendas muito fortes. E o Brasil deveria adotar medidas cabíveis, pois o Executivo é fiscalizado pelo Legislativo. Ainda mais em uma CPI voltada para essa investigação”, criticou.
O jurista destaca que, ao ordenar, possibilitar ou permitir que os requerimentos fossem produzidos pelo Executivo para serem protocolados em nome dos senadores, o presidente viola a Constituição Federal, por impedir “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e Poderes Constitucionais das unidades da Federação”.
Perguntado sobre a liberdade dos parlamentares governistas protocolarem requerimentos sob orientação do governo para defender o presidente, por exemplo, Renato Ribeiro explicou que a forma é fundamental nesse caso: “Você pode ser governista, apoiar o governo federal, ter atitudes para blindar o governo, mas isso não pode ser suficiente para as pessoas usarem instrumentos do próprio governo na colocação da verdade. É o uso de equipamentos para frustrar uma investigação ou favorecer o interesse do governo (pelo colegiado que o fiscaliza). Para fazer isso do próprio gabinete, o parlamentar é livre e tem estrutura para fazê-lo”, argumentou.