Ação da Polícia Civil ignorou proibição de incursões em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia concedida pelo STF
Ao menos vinte e cinco pessoas morreram, entre elas um policial, num intenso tiroteio durante uma operação da Polícia Civil na Favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, nesta quinta-feira (5). A corporação afirma ainda que os 24 mortos se tratavam de ‘suspeitos’, mas não esclareceu quem são as vítimas e a situação em que foram atingidas.
Dois passageiros do metrô foram baleados dentro de um vagão da linha 2, na altura da estação Triagem, e sobreviveram. Um morador foi atingido no pé, dentro de casa, e passa bem. Dois policiais civis também se feriram.
De acordo com o MetrôRio, “dois clientes ficaram feridos após o vidro de uma das composições ser atingido por projétil vindo da área externa, na altura da estação de Triagem. Uma pessoa foi ferida por estilhaços de vidro e outra atingida de raspão no braço”. A concessionária informa que os dois foram imediatamente atendidos.
O policial civil André Farias foi baleado na cabeça e morreu, segundo a polícia.
Até a tarde desta quinta-feira, dez pessoas haviam sido presas. O confronto na região durou mais de sete horas.
Segundo a polícia, a operação intitulada Exceptis foi realizada para prender criminosos que foram identificados em investigações que estariam recrutando crianças e adolescentes para o mundo do crime. Além do tráfico de drogas, os criminosos respondem pelos crimes de homicídio, formação de quadrilha e sequestro de trens.
Cerca de 200 agentes da Polícia Civil participaram da operação. Policiais militares apoiaram a operação, impedindo a fuga de criminosos pela linha férrea.
As operações policiais no Rio de Janeiro estão proibidas por determinação do Supremo Tribunal Federal, de agosto de 2020, que referendou a decisão liminar e impediu ações invasivas nas favelas do Rio de Janeiro durante a epidemia da Covid-19, sob pena de responsabilização civil e criminal. Ainda assim, a operação foi realizada pela polícia civil do Rio.
Durante a ação, a TV Globo mostrou criminosos pulando de laje em laje e invadindo casas de moradores para tentar fugir da polícia.
Uma moradora da comunidade, que não terá o nome divulgado por motivo de segurança, disse que o clima ainda é tenso na comunidade.
“São muito policiais entrando aqui no Jacarezinho. São muitos. É desesperador. São grupos com mais de dez espalhados. Tem blindado, tem helicóptero, teve tiro, teve bomba. Ninguém consegue sair para trabalhar. Dá muito medo”, disse a moradora.
Pelas redes sociais, moradores relataram mais mortes que as computadas, além de corpos no chão, invasão de casas e celulares confiscados.
Em razão do tiroteio, a operação da Linha 2 chegou a ser interrompida, mas, segundo o MetrôRio, “já foi normalizada, e o serviço na estação e nos trens funciona normalmente”. A circulação de trens na capital fluminense também ficou conturbada e em alguns trechos foi suspensa, mas a situação foi normalizada às 10h.
Por volta do meio-dia, um grupo realizou um protesto em um dos acessos do Jacarezinho. O comércio na região fechou e as ruas ficaram vazias.
Segundo a Polícia Civil, a operação no Jacarezinho teve como alvo uma organização criminosa que atua na comunidade e que seria responsável por homicídios, roubos, sequestros de trens da SuperVia e o aliciamento de crianças para atuarem no tráfico local. A ação foi chamada de Exceptis e é coordenada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).
A região do Jacarezinho é considerada um dos quartéis-generais do CV (Comando Vermelho). “Em razão da dificuldade de se operar no terreno, por conta das barricadas e das táticas de guerrilha realizadas pelos marginais, o local abriga uma quantidade relevante de armamentos, que seriam utilizados nas retomadas de territórios perdidos para facções rivais ou para se reforçar de possíveis investidas policiais”, explicou a polícia.
OAB apura denúncias graves feitas por moradores do Jacarezinho após operação da Civil
Após dezenas de denúncias de moradores da comunidade do Jacarezinho a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OAB RJ e a Defensoria Pública do Rio foram ao local no início da tarde desta quinta-feira (6) para conversar com a população. Uma das denúncias que mais chamou a atenção da Comissão foi uma foto que mostra o corpo de uma pessoa negra colocada em uma cadeira, sentado, com um dos seus dedos na boca, em uma posição de deboche.
Segundo o procurador da Comissão, Dr. Rodrigo Mondego, as denúncias são graves e o responsável pode ter sido um agente do Estado. “Isso é algo que só um psicopata poderia fazer, pegar um cadáver e fazer isso. É estarrecedor ver que um agente do Estado estaria debochando de um cadáver, isso é uma amostra do que aconteceu no Jacarezinho nesta manhã”, disse Rodrigo.