“Existe uma saída norte-americana, mas o Acordo está de pé”, disse o chanceler francês, Le Drian. May, Merkel, Macron, Rússia, China, Irã, União Europeia e AIEA reafirmam o Tratado
Em novo sintoma do isolamento dos EUA no mundo, os países europeus signatários Grã Bretanha, França e Alemanha, junto com Rússia e China, bem como o Irã, a União Europeia, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, reiteraram na quarta-feira (9) que o Acordo Nuclear [conhecido pela sigla em inglês JCPOA] “continua de pé”, nas palavras do chanceler francês Jean-Ýves Le Drian.
O anúncio da retirada unilateral – isto é, da violação de um tratado internacional que vinha sendo rigorosamente fiscalizado e cumprido e da resolução 2231 da ONU – foi feito na véspera pelo próprio Donald Trump, que comunicou ainda “o mais alto nível de sanções econômicas” e ameaçou qualquer companhia estrangeira que continue a fazer negócios com o Irã. Pelo acordo, em vigor desde 2016 e negociado durante dois anos, em troca da suspensão das brutais sanções ocidentais o Irã colocou sob o mais severo regime de vigilância da AIEA seu programa nuclear, que sempre disse ter objetivos pacíficos.
“Existe uma saída dos norte-americanos, mas o Acordo [com o Irã] continua de pé, afirmou Le Drian. “A região merece mais do que maior desestabilização provocada pela retirada americana”. A declaração conjunta da Grã Bretanha, França e Alemanha de que continuariam fiéis ao acordo com o Irã foi anunciada logo após o anúncio de Trump,em seguida a conversa telefônica entre a primeira-ministra Theresa May, o presidente francês, Emmanuel Macron, e a primeira-ministra alemã, Ângela Merkel.
Os três instaram Teerã a se manter no acordo. “Nossos governos permanecem comprometidos com o Acordo e sua manutenção, incluindo a continuação dos benefícios econômicos ao povo iraniano que estão ligados ao Acordo”. Macron, durante sua visita de Estado à Casa Branca, não poupara piruetas para tentar demover Trump.
A primeira-ministra inglesa May reiterou que o tratado com o Irã “era um importante passo à frente para manter o mundo seguro”. “A Grã Bretanha não tem qualquer intenção de deixar o Acordo enquanto o Irã se ativer a ele”, afirmou seu chanceler, Boris Johnson. “O Irã tem cumprido suas obrigações sob o acordo”, assinalou Merkel, que acrescentou que “vamos respeitar o acordo”.
Macron conversou por telefone com o presidente iraniano Hassan Rouhani, a quem informou da disposição da França e seus parceiros europeus. O líder iraniano declarou sua intenção de manter o acordo pela “paz e segurança”. “De agora em diante, o P5+1 [nome pelo qual também é conhecido o tratado] perdeu seu 1”, acrescentando que “se alcançarmos os objetivos do acordo em cooperação com outros membros do acordo, ele continuará em vigor”. O líder supremo iraniano, Ali Khamenei, tem questionado se os europeus estão em condição de dar garantias quanto ao acordo.
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Rússia e China conclamaram à preservação do Acordo com o Irã – cuja assinatura demandou um enorme esforço de mediação particularmente de Moscou -, e lamentaram a saída ordenada por Trump. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, pediu que os demais participantes do acordo cumpram totalmente seus respectivos compromissos e solicitou o apoio de todos os Estados-membros ao JCPOA”, que chamou de “grande vitória da diplomacia” e da “não-proliferação”.
A AIEA, através de seu diretor-geral, o japonês Yukiya Amano, eleito com apoio norte-americano, reiterou em comunicado que “até a data de hoje, pode confirmar que os compromissos nucleares estão sendo implementados pelo Irã”, que está submetido “ao regime de verificação nuclear mais rígido do mundo”.
A chefe da diplomacia da União Europeia, a italiana Federica Mogherini, afirmou que “juntos com o resto da comunidade internacional, vamos preservar esse acordo nuclear”. Dirigindo-se diretamente aos líderes e cidadãos iranianos, ressaltou que “não vamos permitir que ninguém desmantele este acordo, que é uma das maiores conquistas da diplomacia”.
Diante da ameaça de mais sanções norte-americanas extraterritoriais contra as empresas europeias que realizem negócios com o Irã, nos termos do que ficou definido no acordo a sete-partes, já surgem reações na União Europeia.
SEM GENDARME
Porta-voz do governo francês declarou que a UE está pronta “para desafiar na OMC” qualquer sanção unilateral [contra o Irã] “que prejudique as empresas europeias”. O ministro francês da Economia, Bruno La Maire, afirmou que “o alcance internacional das sanções norte-americanas fazem dos EUA o gendarme econômico do planeta e isso não é aceitável”.
O isolamento de Trump não é só internacional, mas também internamente. Nos próximos dias são esperados novos atos de repúdio ao belicismo de Trump. O ex-presidente Barack Obama, que assinou o tratado em 2015, considerou o rompimento “um erro sério”. “Há poucas questões mais importantes para a segurança dos EUA do que a potencial proliferação de armas nucleares, ou o potencial para uma guerra ainda mais destrutiva no Oriente Médio”, destacou.
“A realidade é clara: o JCPOA está funcionando – essa é uma visão que é compartilhada pelos nossos aliados europeus, experts independentes e pelo atual secretário da Defesa dos EUA”. O ex-presidente defendeu o acordo: “Irã destruiu o núcleo de um reator que poderia produzir plutônio com grau de arma; removeu dois-terços de suas centrífugas (mais de 13.000) e as colocou sob monitoramento internacional; e eliminou 97% do seu estoque de urânio enriquecido – a matéria-prima necessária para a bomba”.
Já Macron assinalou que o rompimento do acordo com o Irã “ameaça o regime de não-proliferação nuclear”. Questão sobre a qual a Rússia concorda: “os EUA estão minando a confiança internacional na AIEA”. Como advertiu Lavrov, não há – nem pode haver – fundamento para romper com o Acordo Nuclear.
Desvario que só foi aplaudido pelas ditaduras feudais do Golfo e pelo apartheid israelense. No dia seguinte ao rompimento, Trump subiu o tom, dizendo que “ou o Irã negocia, ou …”. Como se não fosse ele quem rompeu um acordo negociado e assinado a sete partes, inclusive por seu antecessor.
ANTONIO PIMENTA