“O que há é o desejo do presidente da República de que os médicos tenham a autonomia de tomar as melhores decisões para seus pacientes”, disse o ministro da Saúde
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, está fingindo não perceber que seu chefe atrapalha muito o enfrentamento da pandemia.
Ele tentou, em entrevista ao jornal O Globo desta sexta-feira (23), justificar os absurdos ditos por Bolsonaro contra a ciência, contra a medicina e contra as vacinas. “Ele só está querendo o bem do Brasil”, disse o ministro malabarista.
“O que há é o desejo do presidente da República de que os médicos tenham a autonomia de tomar as melhores decisões para seus pacientes. Essa questão da autonomia médica é algo milenar. Em relação a esse fato, sabemos que a Covid foi descoberta no final de 2019 e, àquela época, não havia tratamento específico e ainda hoje não há tratamento específico. Várias medicações foram aventadas, entre elas essas que você citou (cloroquina e ivermectina)”, afirmou o ministro em defesa do charlatanismo praticado pelo presidente.
Segundo ele, medicamentos como a cloroquina, incluídas no tratamento precoce com aval do governo, estarão descritos de acordo com o que há disponível sobre seu uso até o momento. No caso da cloroquina, Queiroga fala que há estudos “observacionais”.
“Hoje há consenso amplo de que essa medicação em pacientes com Covid grave, em grau avançado, não tem ação, embora em pacientes no estágio inicial, existem alguns estudos observacionais que mostram alguns benefícios desses dois fármacos que você citou. É uma questão técnica que médicos avaliam e, aí, tomam a decisão em relação à prescrição”, argumentou.
Não é verdade o que disse o ministro. O que há disponível para a ciência hoje são provas incontestes de que essas drogas não são eficazes contra a Covid-19. Não têm eficácia e são danosas à saúde humana. Os “estudos observacionais”, citados pelo ministro, estão, na verdade, alimentando o obscurantismo, a ignorância e a charlatanice de Bolsonaro.
A insistência do presidente, repetida em sua live desta quinta-feira (22) à noite, de dizer que a solução é a cloroquina, consumida por ele próprio, é uma sabotagem criminosa ao esforço que todo o país está fazendo para derrotar o vírus. Os interesses escusos que estão por trás do chamado ‘kit-covid’ e do milagroso “tratamento precoce”, inclusive financiando campanhas à favor da criminosa distribuição dessas drogas, enganam a população para ganhar lucrar com a receita, colocando em risco a saúde dos brasileiros.
O ministro malabarista também saiu em defesa do indefensável. Bolsonaro não é o culpado pelo atraso das vacinas, diz ele, alegando que não foi o presidente que atrasou a compra de vacinas. A culpa seria do “modelo brasileiro” que exige a aprovação prévia da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Não foi o “modelo” que desautorizou o então ministro Pazuello, quando este anunciou a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac do Butantan em outubro do ano passado. Foi Bolsonaro quem disse que “não compraria de jeito nenhum” aquela vacina.
Não foi o “modelo” que recusou a compra de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, ainda no ano passado. Quem considerou as condições do contrato “inaceitáveis” foi o próprio Bolsonaro. Não teve nada ver com a Anvisa. Tanto que a posição contra a compra da vacina foi revertida antes mesmo da Anvisa analisar o pedido de registro do imunizante. Bolsonaro teve que engolir o que tinha dito sobre a vacina e foi obrigado a anunciar, com muito atraso, a compra do produto.
Queiroga ainda teve a desfaçatez de repetir que o Brasil é o quinto país que mais vacinas distribui. Só que, diferentemente do que afirma, mais de 50 países imunizaram parcela maior da população do que o Brasil. que está muito atrasado na vacinação. Apenas pouco mais de 11% da população foi imunizada, sendo que menos de 4% receberam as duas doses. Com este ritmo de vacinação, há sérios riscos do surgimento de novas cepas variantes do vírus, mais resistentes e mais agressivos.
Questionado sobre a manifestação de Bolsonaro, em dezembro, dizendo que as pessoas podiam virar jacaré se fossem vacinadas, Queiroga passou a desrespeitar mais acentuadamente os fatos e a realidade. Disse que Bolsonaro sempre defendeu a vacina. Que o governo comprou 500 milhões de doses de imunizantes.
“O governo adquiriu mais de 500 milhões de doses de vacinas, o que coloca o Brasil entre os cinco países que mais distribuem vacinas”, disse ele. Pura fantasia. Até agora foram 50 milhões de doses de vacinas, graças à CoronaVac, que Bolsonaro disse que não compraria “de jeito nenhum”.
O ministro, por fim, resolveu colocar a culpa pelo atraso na vacinação e na tragédia que já matou mais de 380 mil brasileiros no próprio vírus. Disse que “a dificuldade é a própria pandemia, que assola o país há mais de um ano”. Cobrado sobre o fato do presidente não usar máscara, Queiroga disse que isso não é de sua alçada. “Não sou eu. Minha função não é ficar vigiando as atitudes do presidente da República”, disse ele.
O ministro, com isso, quer orientar o país inteiro a tomar medidas sanitárias contra a vírus enquanto seu chefe, o ocupante do Palácio do Planalto, não obedece as normas sanitárias e ainda as esculhamba.