Nesta entrevista, o secretário-geral do Partido Comunista do Chile, Lautaro Carmona, comemora o resultado das megaeleições do último final de semana como “a derrota do sistema neoliberal instalado desde a ditadura e, portanto, do projeto da direita política-ideológica”. Na sua avaliação, foi dito um não ao presidente Sebastián Piñera quando os herdeiros do ditador Augusto Pinochet não conseguiram obter o 1/3 dos representantes necessários a obstaculizar mudanças na Carta Magna. “O povo percebeu, corretamente, que a Constituição era uma das travas, um dos mais difíceis e mais duros meios a sustentar o modelo econômico, social e cultural que o sistema neoliberal impõe”, assinalou. O dirigente destacou ainda o aumento de 560 mil votos do PC: “Crescemos duas vezes ou um pouco mais na média nacional de votos nos vereadores”, elemento-chave para medir a influência dos partidos, além da importante vitória da Prefeitura da capital, Santiago. Abaixo, a entrevista realizada pela jornalista Yani Aguilar e publicada em El Siglo na última terça-feira (18).
Olhando os resultados gerais desta eleição, se verifica um avanço na direção das mudanças que o Chile está buscando?
Não tenho dúvidas de que existe uma relação direta entre a luta político-social e a luta política eleitoral que coloca no centro a necessidade de superar o sistema neoliberal, exigindo mudanças profundas, mudanças estruturais, exigindo uma nova Constituição. Uma batalha política eleitoral não traz mudanças se não estiver relacionada a outros espaços da luta político-social. É um erro da cultura política imaginar que um lápis e um papel alteram substantivamente os processos democráticos, isso (a batalha eleitoral) é uma expressão que às vezes é uma gota que derrama o copo, mas os processos são vividos pelo povo com muita antecedência.
E como você interpreta a derrota eleitoral da direita, apesar das previsões?
As pesquisas procuram distorcer e tentam construir uma opinião, em vez de medi-la. A diminuição do comparecimento nos preocupou porque gerava a expectativa de que a direita iria votar. Há uma área à direita que já se dissociou completamente do governo de (Sebastián) Piñera. O que é a marca da eleição constituinte é a grande derrota da direita que explicitamente – através do medo – tentava alcançar o terço das vagas, o que lhe daria poder de veto às mais profundas mudanças no debate da nova Constituição.
“O que é a marca da eleição constituinte é a grande derrota da direita que explicitamente – através do medo – tentava alcançar o terço das vagas, o que lhe daria poder de veto às mais profundas mudanças no debate da nova Constituição”
É uma derrota ideológica ou um castigo para a gestão do governo?
É uma derrota do sistema neoliberal instalado desde a ditadura e, portanto, do projeto da direita política ideológica, porque o povo percebeu, corretamente, que a Constituição era uma das travas, um dos mais difíceis e mais duros meios a sustentar o modelo econômico, social e cultural que o sistema neoliberal impõe. É uma derrota no nível mais substantivo de um projeto de direita. Há uma linha de questionamento constante que leva a uma transformação posterior. Se você quer superar o sistema neoliberal, tem que ir contra a instituição que o protege, que é a Constituição.
Existe uma lição a ser aprendida?
Pode-se deduzir como um desafio para a política, dos setores que realmente têm compromisso social e querem transformações democráticas de fundo, que de nossa parte nada permita ou contribua para que a direita tenha uma nova versão, mesmo que essa nova versão se chame de direita social-democrata, como diz Joaquín Lavín. É uma obrigação de primeira ordem.
Porém, infelizmente, alguns políticos que seguem na origem da Concertación teriam mais facilidade em comprar o discurso “social-democrata” de (Joaquín) Lavín. Por isso temos sido tão críticos em todos os momentos em que um setor da oposição se oxigena com mínimos comuns, com mesas de paz, com mesas de diálogo, sabendo que é uma armadilha para distrair e ganhar tempo. A direita está em sua última etapa de gestão, apenas ganhando tempo de forma desesperada. Não tem nenhuma capacidade de iniciativa senão a de se manter em posição inamovível, porque só assim defende os interesses que estão por trás dos benefícios do sistema, o grande capital.
Esta segunda-feira instalou-se um cenário de incertezas entre os operadores do mercado que esperavam outros resultados, pois pensavam que a direita juntamente com a ex-Concertación dominariam a Convenção Constitucional.
Para além da sensação térmica comunicacional, o empresariado está vinculado em termos de capital duro à concretização da sua condição de dono do capital garantidor de mercados. E este país há muito tempo em vários ramos fundamentais da economia tem o mercado chinês como seu mercado fundamental. E eu não ouvi falar que o comércio chinês está em questão e isso é sabido pelo mercado exportador, da mineração florestal, da fruticultura, dos frutos do mar.
Diante desses resultados, como deve ocorrer agora o relacionamento com as demais forças políticas da oposição? Haverá primárias ou não?
Diante dos resultados, tudo indica que o mais transparente, o mais honroso para comunicar-se com a cidadania é que esse mundo que se uniu no Apruebo Dignidad [Coalizão de sete partidos. Além do PC fazem parte a Frente Regionalista Verde Social (FRVS), a Convergência Social (CS), a Revolução Democrática (RD), a Força Comum (FC), o Movimento Unir (Unir) e os Comuns (Comunes)], como uma representação antineoliberal, tenha sua primária. Em boa hora a Frente Ampla, eventualmente a Convergência Social, contará com a legalidade para inscrever Gabriel Boric. Eles também têm outra candidatura, que é Marcelo Díaz. O FRVS também tem uma candidatura, com Jaime Mulet e tem a nossa, e pode ser que o mundo social se integre a uma primária muito poderosa da frente antineoliberal.
“Devemos fazer um debate aberto com o povo para que haja um compromisso explícito de que quem passar para o segundo turno terá o apoio ativo da outra parte a fim de impedir a direita de continuar no governo”
Devemos fazer um debate aberto com o povo para que haja um compromisso explícito de que quem passar para o segundo turno terá o apoio ativo da outra parte a fim de impedir a direita de continuar no governo.
Como são os prazos para as primárias?
Os prazos são legais e terminam na quarta-feira (19), às 12 da noite [até a definição dos presidenciáveis várias primárias poderiam ser realizadas]. São todas as reuniões a realizar que requerem determinados mecanismos de formalidade legal partido a partido. O PC já fez isso porque obteve seu acordo legal ao indicar Daniel como nosso candidato à presidência, acatando uma demanda dos cidadãos e do mundo popular. Mas vários partidos têm que fazer isso hoje (18) e amanhã (19), e depois ir junto com seus representantes nacionais ao Serviço Eleitoral do Chile (Servel) para registrar quem são as forças e os nomes das pessoas que participam da primária e lá eles terão que fazer uma apresentação do programa de governo.
Qual é o seu prognóstico com Daniel Jadue como presidenciável?
Muitas vezes nos omitimos e votamos em outro, e desta vez temos uma liderança nacional que não é exclusiva do potencial do Partido Comunista. É uma liderança muito acima da influência até mesmo da esquerda. Não é uma promessa, é uma gestão avaliável, é isso que deu a Daniel Jadue o prestígio transversal de validação e avaliação indiscutível. Ele demonstrou uma gestão que beneficia as pessoas, que ampliou Daniel a tal ponto que muitas pessoas dizem, – olha, me perdoe, eu não sou comunista, mas vou votar em Jadue porque ele é uma pessoa que sabe fazer as coisas de forma eficaz e pensando naqueles que mais sofrem. Esse cartão de visita não é dado sempre, não é dado em todas as eleições.
Com ou sem primárias, Jadue vai seguir?
Se não houver primárias, não será porque as ignoramos, é que não houve condição, não da nossa parte. Daniel chegará diretamente após uma primária no primeiro turno ou diretamente sem uma primária no primeiro turno. Estou absolutamente confiante de que Daniel vence uma primária. Se eu estiver errado, bem Daniel perde e se ele perde, isso é melhor do que viver uma ilusão que não faz sentido.