“É um retrocesso”, afirma o economista José Luis Oreiro
Para o economista e professor José Luis Oreiro, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), a proposta de reforma administrativa – PEC 32/2020, que tramita no Congresso Nacional por iniciativa do governo Bolsonaro, é um “retrocesso”.
“A PEC 32 ao fragilizar a estabilidade dos servidores públicos pode transformar os servidores em funcionários do governo de plantão, ao invés de funcionários do Estado Brasileiro, constituindo-se assim num retrocesso em direção ao velho Estado Patrimonialista”, afirma o economista, em artigo publicado pela Revista Política Democrática.
“A realização de uma reforma administrativa com o objetivo de preservar o teto de gastos parece-me ideia desprovida do mínimo senso de realidade. No debate econômico brasileiro atual é crescente o consenso de que não é possível manter o Teto de Gastos (EC 95), que estabelece o congelamento dos gastos primários da União em termos reais até 2036, devido ao crescimento dos gastos com previdência social a um ritmo de 3% a.a, mesmo após a Reforma da Previdência, realizada em 2019; o que levará a um esmagamento progressivo das despesas discricionárias como, por exemplo, os gastos com investimento público e com o custeio de Saúde e Educação”, afirma o economista.
Além disso, Oreiro destaca que “o elevado nível de desemprego da força de trabalho combinada com alta ociosidade da capacidade produtiva na indústria, resultantes dos efeitos combinados da grande recessão de 2014-2016 e da pandemia do coronavírus, exige um aumento expressivo da demanda agregada, o que nas condições atuais só pode ocorrer por intermédio do investimento público, o que esbarra nas limitações legais ao aumento de gasto público imposto pela EC 95. Para não mencionar que a experiência das reformas administrativas nos países europeus após a crise financeira internacional de 2008 mostra que os ganhos fiscais obtidos são, na melhor das hipóteses, irrisórios”.
Para Oreiro, um dos principais problemas da proposta é que ela “acaba sendo vazia, uma vez que deixa para regulamentar o essencial posteriormente – como a definição de quais serão as carreiras típicas de Estado, os critérios de avaliação de desempenho e as novas formas de acesso ao serviço público, tanto quanto a política remuneratória e de benefícios percebidos pelos servidores, as regras para a ocupação de cargos de liderança e assessoramento, e a progressão e a promoção funcionais que serão tratados por projeto de lei complementar”.
“Outro ponto crucial é que a reforma proposta deixa de fora as maiores fontes de distorções no serviço público – os militares, os juízes e membros do Ministério Público e os parlamentares. No caso dos militares, parece que até obterão ganhos com essa reforma, ao poderem acumular determinados cargos (docência e empregos na saúde, sob certas condições), explicitamente facultado no novo texto”.
Outro ponto negativo da proposta é que ela propõe reduzir fortemente a estabilidade dos servidores e cria novos meios de acesso ao serviço público. “Os concursos públicos e a estabilidade são avanços da Constituição Federal de 1988”, lembra o economista.
“Os concursos são processos seletivos democráticos, transparentes, comprovam a qualificação e conhecimento de maneira impessoal (rompendo a prática de indicações, nepotismo, trocas eleitorais, ou seja, com o velho Estado Patrimonialista). A estabilidade busca dar mais liberdade aos concursados para atuarem tecnicamente, sem a necessidade de consentir com todas as práticas de seus superiores. E já existe a possibilidade de demissão dos servidores, sendo que desde 2003 foram demitidos cerca de 7.766 servidores federais, sendo 566 em 2018, por exemplo. Esse número não está distante de outros países (levando em conta a quantidade de servidores), como é o caso do Canadá, em que houve uma média de 130 demissões ao ano entre 2005 e 2015”, frisou o professor do Departamento de Economia da UnB.