A Polícia Civil do Amapá descartou a primeira versão sobre a causa do apagão que deixou mais de 750 mil pessoas sem energia no estado. Segundo um laudo preliminar, divulgado nesta quarta-feira (11), o incêndio no transformador teve início após uma peça do equipamento superaquecer e não com a queda de um raio, como havia sido especulado.
O incêndio provocou um apagão em 13 das 16 cidades do estado, afetando o abastecimento de energia elétrica, água potável e os serviços básicos à população desde o dia 3 de novembro.
O apagão deixou praticamente todo o estado sem energia por cerca de 180 horas. Após esse primeiro momento, a luz começou a ser distribuída, mas de forma insuficiente. Regiões ficam por algumas horas com luz e depois ela é cortada, para que outras regiões passem a receber luz. Revoltada, a população protesta diariamente contra o descaso com os amapaenses.
Segundo a perícia criminal, foi detectado que o incêndio no transformador teve início após uma peça do equipamento superaquecer.
“O perito emitiu uma constatação informando que o problema ocorreu em uma das buchas do transformador, houve um superaquecimento, e isso gerou o incêndio. E esse incêndio foi contido pelo corpo de bombeiros do estado. Na empresa não havia uma guarnição que pudesse conter o fogo”, informou a delegada Janeci Monteiro.
O pára-raios do local também não acusou nenhuma anormalidade. Dos três transformadores existentes no local, um pegou fogo e sobrecarregou o segundo, que acabou danificado. O terceiro já não estava funcionando.
Com a hipótese da causa natural descartada, fica comprovada a responsabilidade da empresa privada Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE) no apagão. A LMTE controlada pela holding Gemini Energy, que comprou a empresa da espanhola Isolux em 2019.
Os policiais também apreenderam documentos nas instalações da LMTE como parte de investigações se o incêndio foi provocado por ação humana. Os funcionários foram intimados a depor, mas detalhes não foram divulgados.
A responsabilização criminal pelo apagão não está descartada. Segundo a polícia, outro laudo mais detalhado será divulgado posteriormente.
Em nota, a LMTE disse que estava operando de acordo com o contrato vigente e a anuência dos órgãos reguladores – Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Operador Nacional do Sistema (ONS), e que as causas do acidente ainda estão sendo investigadas.
A LMTE afirma que não tomou conhecimento de nenhuma acusação formal ou processo judicial sobre supostas alegações de atentado ao serviço público e bloqueio de bens da empresa.
GEMINI
Somente seis dias depois do início do apagão, a Gemini Energy divulgou nota afirmando que “se sensibiliza com todas intercorrências causadas à população” do estado. Até dezembro de 2019, a transmissora era controlada pela empresa Isolux, que na época estava em recuperação judicial na Espanha.
A venda da LMTE para a Gemini Energy não era de conhecimento dos representantes do governo estadual e nem mesmo dos funcionários.
A Gemini destacou a “existência de um corpo técnico qualificado” da empresa. No entanto, foram os trabalhadores e equipamentos da Eletronorte, empresa do grupo Eletrobrás, que foram responsáveis pelo religamento de um dos transformadores e o restabelecimento, ainda que parcial, do abastecimento de energia.
Em maio do ano passado, a LMTE foi multada pela Agência Nacional de Energia Elétrica em R$ 459, 9 mil, após fiscalização relacionada à operação e manutenção.
Protestos se intensificam
Numa situação insustentável e sem qualquer perspectiva de normalização, a população do estado protesta contra o descaso que mantém o Amapá sem energia a nove dias.
Diariamente, são registrados atos de rua e bloqueios de estradas nas cidades afetadas.
Na quarta-feira, um protesto foi realizado na frente da sede do governo estadual, em Macapá.
Entre sexta-feira e a quarta-feira, a PM registrou mais de 60 protestos por causa da falta de energia elétrica. Em muitos dos atos, os moradores queimaram pneus e pedaços de madeira. No protesto em que Lucas Matheus foi atingido, uma outra pessoa também foi ferida por tiros de borracha no peito e braço.
Na terça-feira, um jovem de 13 anos foi atingido no olho por uma bala de borracha disparada por policiais que reprimiam um ato em Macapá. Lucas Matheus está com a possibilidade de perder a visão por conta do tiro.
Segundo o relato da família, eles tentavam fechar os estabelecimentos quando teve início uma confusão na rua. Matheus diz que atravessou a via quando os disparos começaram e, então, foi atingido no olho direito.
“Ficamos desesperados. Mostramos ele aos policiais e a polícia continuou atirando. Um funcionário nosso foi baleado também. Quando eles [PMs] perceberam o que tinham feito, pegaram a viatura e foram embora. Vamos supor que eles não tenham atirado para atingi-lo, mas o que mais me dói é que, quando eu pedi socorro, simplesmente eles foram embora. Isso pra mim é omissão de socorro”, disse Edilene dos Santos, madrasta do adolescente.
A família contou que não viu pessoas armadas no local nem ações que justificassem a intervenção policial.
De acordo com Edilene, foi registrado boletim de ocorrência na Polícia Civil. O caso só não foi denunciado à Corregedoria da PM por falta de energia, mas a madrasta do adolescente acrescentou que foi orientada a registrar a situação pelo site do órgão.
A Polícia Militar informou que “os serviços da Corregedoria da PM-AP não estão suspensos, no entanto, sofrem prejuízos pela falta de energia que atinge a todos”.