A PF (Polícia Federal) não encontrou registro de inquérito aberto para apurar a compra da vacina indiana Covaxin.
A informação foi revelada pelo jornal Folha de S.Paulo, nesta quinta-feira (24), na semana em que as denúncias de irregularidades na aquisição dos imunizantes estouraram no Palácio do Planalto.
De acordo com o deputado Luis Miranda (DEM-DF), o presidente Jair Bolsonaro teria prometido acionar a PF para investigar o caso, após ter se reunido com ele e o irmão dele, Luis Ricardo Miranda, que trabalha no Ministério da Saúde, em 20 de março, para denunciar “uma irregularidade na aquisição da Covaxin”.
O contrato para a compra da Covaxin totalizou R$ 1,6 bilhão e foi firmado entre o Ministério da Saúde e a empresa Precisa, que representa o laboratório indiano Bharat Biotech no Brasil, durante a gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello. Bolsonaro comprou a vacina por valor 1.000% maior do que o estimado pela própria empresa seis meses antes.
Na madrugada desta quinta-feira (24), o deputado disse ter alertado Bolsonaro sobre possível caso de corrupção envolvendo a compra de vacinas Covaxin. Segundo o irmão do deputado, Luis Ricardo Miranda, ele estaria sendo pressionado para aprovar com mais rapidez o uso do imunizante no Brasil.
“SEMPRE TE DEFENDI E ESSA É A RECOMPENSA?”
“Presidente Jair Bolsonaro, você fala tanto em Deus e permite que eu e meu irmão, sejamos atacados por tentarmos ajudar o seu governo, denunciando para o Senhor indícios de corrupção em um contrato do Ministério da Saúde! Sempre te defendi e essa é a recompensa?”, escreveu o deputado num tuíte.
Na mensagem, Miranda ressaltou que, na ocasião, Bolsonaro deu o “devido tratamento ao caso” e disse que repassaria o caso à Polícia Federal no mesmo dia.
“Cobramos no dia 20 de março, 22 de março, 23 de março e 24 de março, e tenho certeza que tomou a melhor decisão para travar, tanto que até hoje não efetuou nenhum negócio”, continuou.
NOVA LINHA DE INVESTIGAÇÃO NA CPI DA COVID-19
As suspeitas envolvendo a compra da vacina indiana atingiram o Palácio do Planalto a partir do relato de Miranda, e viraram nova linha de investigação na CPI da Covid-19 no Senado.
Na quarta-feira (23), o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da comissão, afirmou que as denúncias de pressão para a liberação da importação da vacina Covaxin e a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro tinha conhecimento da situação talvez seja a denúncia mais grave recebida pela comissão.
Omar Aziz também disse que é “preocupante”, se o chefe do Executivo tomou conhecimento da denúncia e não pediu a abertura de investigação. O presidente da CPI disse que vai questionar se a PF abriu investigação.
GOVERNO QUER INVESTIGAÇÃO CONTRA LUÍS MIRANDA
O ministro Onyx Lorenzoni anunciou que o governo vai pedir investigação sobre a conduta do deputado Luis Miranda e o irmão dele, que é servidor do Ministério da Saúde. O pedido será feito para que a PF (Polícia Federal), a PGR (Procuradoria-Geral da República) e a CGU (Controladoria-Geral da União) investiguem ambos.
“No mínimo é denunciação caluniosa. Isso é crime tipificado no Código Penal. O governo tomará medidas”, anunciou o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o irmão do servidor da Saúde, o deputado federal Luís Miranda, afirmou que Bolsonaro foi alertado por eles e recebeu documentos sobre suspeitas na compra da indiana Covaxin.
O servidor Luís Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado Luis Miranda, vão prestar depoimento na CPI da Covid-19 nesta sexta-feira (25). Os requerimentos de convite foram aprovados em reunião na quarta-feira (24).
O presidente Jair Bolsonaro determinou a abertura da investigação para apurar as declarações do deputado Luis Miranda, que afirmou ter alertado o governo federal a respeito de irregularidades e pressões supostamente indevidas envolvendo a vacina Covaxin.
“No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”, disse o deputado nesta quarta-feira (23).
A dose da Covaxin é a mais cara entre todas as que foram contratadas pelo Ministério da Saúde, e o processo de aquisição o mais célere de todos, apesar dos alertas sobre “dúvidas” em relação à eficácia, à segurança e ao preço da Covaxin.
RELATOR DA CPI ADVERTE LORENZONI
Após o ministro ter anunciado que o governo vai pedir investigação do deputado denunciante, o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), apresentou requerimento para a convocação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni, e indicou que pode pedir a prisão dele por coação a testemunhas.
“Quero manifestar minha repugnância pela bravata do secretário-geral da Presidência da República, um estafeta acrítico, que fez uma despudorada coação a duas testemunhas, e consequentemente a essa comissão parlamentar de inquérito, além de uma intromissão indevida em uma investigação de um outro poder, ele comete um crime, porque é um caso clássico de coação de testemunha, e de dificuldade do avanço da investigação”, disse Renan.
ENTENDA A DENÚNCIA SOBRE A COVAXIN
O governo do presidente Jair Bolsonaro comprou a vacina produzida pela farmacêutica indiana Bharat Biotech por valor 1.000% maior do que o estimado pela própria empresa seis meses antes.
Levantamento do TCU (Tribunal de Contas da União) enviado à CPI registra que o acordo para a compra da Covaxin foi o que teve desfecho mais rápido.
Enquanto o governo levou quase um ano (330 dias) para assinar o contrato com a Pfizer, depois de recusar cinco ofertas do laboratório, o negócio com a Covaxin foi acertado em 97 dias.
Diferentemente do tratamento dado à Pfizer e à CoronaVac — quando o Ministério da Saúde só aceitou fechar a compra depois que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) deu o aval para o uso emergencial das vacinas —, a compra da Covaxin foi acertada antes do aval da agência reguladora.
Quando as 20 milhões de doses foram contratadas, a Anvisa tinha ainda emitido alerta sobre a falta de certificado de boas práticas de fabricação da vacina.
CONTRATO CARO
O sócio da empresa, Francisco Emerson Maximiano, foi o responsável pela ponte entre o governo federal e o laboratório que produz a vacina na Índia. O depoimento de Maximiano estava previsto para esta quarta-feira, mas foi adiado para a próxima semana após ele informar que está cumprindo quarentena sanitária.
Segundo relatos do embaixador do Brasil na Índia, André Aranha Corrêa do Lago, executivos da farmacêutica davam conta que uma dose da vacina custaria cerca de 100 rúpias, aproximadamente US$ 1,34.
O valor firmado em fevereiro deste ano, no entanto, foi de US$ 15, cerca de 1000% a mais do preço inicial tratado entre a farmacêutica e a Precisa Medicamentos. O presidente da empresa, Francisco Maximiano, foi o responsável por intermediar as negociações e esteve pessoalmente na Índia para realizar as tratativas.
Informes diplomáticos de dezembro do ano passado mostram que uma das relações públicas da farmacêutica indiana, Lisa Rufus, chegou a afirmar que uma dose da vacina custaria “menos que uma garrafa de água”.
M. V.