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Sua primeira medida foi desestabilizar a economia via uma maxidesvalorização de 118%
Sob uma monumental desvalorização de 118% do peso em relação ao dólar, desmanche de todos os mecanismos de atenuação dos efeitos da inflação sobre os setores mais carentes, corte de subsídios para o transporte e o gás de cozinha, mais a suspensão das obras públicas – primeiros elementos do “plano motosserra” -, a economia da Argentina registrou no primeiro mês de governo de Javier Milei, dezembro, a maior contração desde o pico da pandemia de Covid-19, caindo 3,1% em relação ao mês anterior, novembro, e 4,5% em relação a dezembro do ano passado.
Analistas denunciam que o plano de Milei é levar a economia ao caos para justificar a dolarização da economia, segundo ele, o único meio de fazer a Argentina “grande de novo”, como “no século 19”.
Em janeiro, duas constatações sobre os primeiros resultados desse achaque e desmonte. O governo Milei gabou-se de ter o “primeiro superávit fiscal em 12 anos” – só que o dinheiro suprimido ao pov argentino vai para pagar banqueiros e o FMI.
POBREZA VAI A 57%
O choque neoliberal brutal, segundo um estudo da Universidade Católica argentina, fez a pobreza aumentar para 57%, contra um percentual de 45% no mesmo mês de 2023.
Na verdade, o constrangimento fiscal existente fora provocado no governo de Macri, agora parceiro de Milei, ao endividar o país ao FMI de forma recorde e ilegal em 2018, sangrando as finanças argentinas, nó górdio que o governo Fernández não soube cortar, e não por gastos sociais e investimento produtivo “excessivos”, como encena o fascista.
A depreciação do peso fez explodir a inflação, com o liberou-geral de preços, tarifas e aluguéis, fazendo despencar o poder aquisitivo praticamente pela metade, o que explica o estudo da Universidade Católica.
PÁGINA 12 ESMIUÇA O DESMANCHE
O jornal Página 12 esmiuçou os detalhes da derrubada provocada pelos estágios iniciais de Milei (há outros elementos do desmanche, como o drástico encolhimento da máquina pública, o corte de repasses para os Estados e anúncio de privatizações).
A indústria de transformação sofreu uma queda de 12,8% em dezembro em relação ao mesmo mês de 2022, e de 5,4% em relação a novembro.
A comparação anual mostra números impressionantes, relata o Página 12: “máquinas e equipamentos caíram 36%, enquanto a indústria siderúrgica caiu 25,4%. Alimentos e bebidas diminuíram 7,8% e substâncias e produtos químicos diminuíram 9,2%. Os produtos metálicos caíram 16,2%; vestuário e calçados, 13,1 e materiais de construção, 9,3 por cento, entre outras quedas industriais”.
Segundo o jornal, é enorme o pessimismo entre os empresários industriais: quase 50% antecipam quedas na procura interna neste primeiro trimestre em comparação com o último trimestre de 2023; apenas 4,3% vão contratar pessoal. Os números são do Indec.
No comércio, a contração em dezembro, na comparação com dezembro de 2022, foi de 8,5%, enquanto a intermediação financeira encolheu 12,2%.
Para a consultora especializada Scentia, este ano a previsão é de uma contração do consumo de massa de 7 por cento , o que implicaria ficar muito abaixo do mínimo de 2019.
Para a CAME, que mede o consumo nos estabelecimentos de PME, registra a publicação argentina, as compras caíram 28,5% em termos homólogos em janeiro e 6,4 % em relação a dezembro.
A construção é um capítulo à parte, uma vez que a paralisação das obras públicas representa um nível significativo de declínio da atividade, observa o Página 12 .
“O Índice Construya (IC), que mede a evolução dos volumes vendidos de produtos de construção, registrou queda sazonalizada de 19,6% em relação a dezembro e ficou 29,2% abaixo de janeiro de 2023”. Os empresários da construção, agrupados na CAMARCO, declararam o setor em “estado de emergência” e advertiram que o futuro de 1.400 empresas e 200.000 empregos está “em risco”.
O jornal observa que esses são os principais setores do ponto de vista da geração de empregos. Apenas dois setores – agricultura e mineração – tiveram números positivos em dezembro, em relação a igual mês do ano anterior, respectivamente 8,8% e 6,2%.
FMI CABREIRO COM MILEI
O FMI acaba de fazer uma visita de inspeção à Argentina, com o ministro da Economia de Milei, e responsável, sob Macri, pelo endividamento ao FMI, Luis Caputo, asseverando que “a reunião foi muito boa. O que estamos fazendo é mais do que o FMI imaginava”.
Ao Página 12, fontes do Fundo relataram um quadro mais complexo: haveria uma preocupação com a capacidade em levar adiante o arrocho planejado e até teria sido perguntado a Milei qual seria o “colchão” de aceitação, na população, quanto ao plano. “56%”, jurou Milei, alegando o placar eleitoral.
No entanto, parte chave do austericídio de Milei, formalizada sob a “Lei Ônibus” e o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), esbarrou na resistência do parlamento, dos governadores e das ruas.
A Argentina viveu em janeiro a primeira greve sob o governo Milei, exatamente para barrar a “Lei Ônibus”. Forçado a retirar a Lei Ônibus, sem conseguir sua aprovação, Milei insultou os deputados de “putitas”.
As fontes do FMI confidenciaram ao Página 12 não entenderem “o pouco apego que Milei tem em compreender a necessidade de alianças políticas”. O FMI – acrescentaram – não fica chocado ao ver o ajustamento talibã, “mas sim líderes que acreditam que a base social pode ser destruída sem apoio popular e, ao mesmo tempo, sem alianças políticas que apoiem uma ideia”.
“CAOS PLANIFICADO E ARROCHO”
A resistência está ganhando escala e consistência. A ex-presidente Christina Kirchner, em recente documento, assinalou que “o novo governo implementou um feroz programa de arrocho”, “numa espécie de caos planificado”, pois “não só retroalimenta a espiral inflacionária, colocando a sociedade à beira do precipício, mas que provocará irremediavelmente o aumento do desemprego e do desespero social”.
“É mais do que evidente que, na cabeça do presidente, o único plano de estabilização é a dolarização. Não são explicadas medidas adotadas em outro marco teórico”, assinalou Cristina, enfatizando que “todas as medidas adotadas até agora são repetições de políticas já implementadas, incluindo algumas delas aplicadas com o parlamento fechado pela ditadura (1976-1983)”.
“Entre outras medidas, a Lei Ônibus e o DNU representam um pacote de maldades, agressões a direitos e à soberania nacional que entregam a economia argentina à sanha dos especuladores e à predação internacional”.
Christina registrou que a desvalorização cambial de 118% feita por Milei duplicou, em apenas um mês, a taxa de inflação mensal que tinha atingido 12,7% em novembro, e disparou para 25,5% em dezembro (2023). Efeito, aliás, captado na pesquisa da Universidade Católica sobre a pobreza. “A queda abrupta e a perda de renda nunca são gratuitas”.
Ela acrescentou que o plano de Milei “não difere muito daquele levado a cabo pela ditadura cívico-militar em termos de abertura indiscriminada da economia e de desregulamentação trabalhista, nem das privatizações da década de 1990”.
Christina acrescentou que na base dos atuais problemas da Argentina está a ida do país ao FMI sob o governo Macri, “em que o FMI concedeu um empréstimo de 57 bilhões de dólares – o maior de toda a história do FMI, equivalente a 60% da sua capacidade de empréstimo, desembolsando 45 bilhões de dólares que foram utilizados, principalmente, para a fuga de capitais especulativos que haviam entrado na Argentina até esse mesmo ano”.