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Xenofobia e antissemitismo grassaram. “Foi uma campanha muito ríspida”, confessa o reeleito Andrzej Duda
A Polônia sai ainda mais dividida do pleito que reelegeu por uma margem muito apertada -51% a 49% – o presidente Andrzej Duda, da coalizão Lei e Justiça (PiS)/Direita, contra o oposicionista Rafal Trzaskowski, atual prefeito de Varsóvia, da Plataforma Cívica (PO). O comparecimento às urnas foi o segundo mais alto depois do fim do socialismo, 68%.
Literalmente dividida de cima a baixo. O PiS venceu na região leste do país e áreas rurais, bem como entre os eleitores com mais de 50 anos, com uma arenga sobre os “valores católicos” e a “família”. A oposição prevaleceu entre os jovens, nos centros urbanos e na região ocidental, com um programa a favor da democracia e da Europa.
Trzaskowski, que substituiu uma candidata que havia despencado para 4% nas pesquisas, quando a pandemia forçou o adiamento das eleições e chegou a 49%, saudou o resultado. “Isto é apenas o começo da estrada”, afiançou, depois de uma campanha em que afirmou que a escolha era entre “uma Polônia aberta” e “um líder que divide” – se referindo ao presidente do partido PiS, Jaroslaw Kaczynski, que é quem de fato manda no país.
E – acrescentou – entre “um presidente forte capaz de cobrar responsabilidade do governo [ele próprio] ou um presidente que não respeita sua própria assinatura [Duda]”.
Tendo perdido o controle do Senado, e com maioria frágil na câmara baixa, para o PiS a derrota significaria uma situação de vulnerabilidade, já que, apesar de ser em grande medida um cargo simbólico, o presidente detém o poder de veto. Para derrubar um veto, a lei exige maioria de três-quintos, que o PiS não tem.
Há dois anos o atual regime polonês está em choque com as instituições da União Europeia, por causa de uma “reforma do judiciário”, imposta para submeter os juízes ao arbítrio do PiS e cassar quem não rezar por sua cartilha obscurantista.
Também desencadeou uma política xenófoba contra imigrantes e deu voz ao desprezo pelo meio ambiente. Em janeiro, juízes de todos os países do bloco foram a Varsóvia apoiar os juízes poloneses e a independência da Suprema Corte.
XENOFOBIA E ANTISSEMITISMO
Para a Organização para Cooperação e Segurança Europeia (OCSE), entidade pan-europeia criada durante a Guerra Fria na Europa, e que monitorou a eleição, “a campanha e a cobertura do presidente de parte da emissora pública foram marcadas por retórica xenófoba, homofóbica e antissemita”.
A Associated Press fez uma descrição da disputa eleitoral muito semelhante: “o governo, a mídia estatal e a influente Igreja Católica Romana todos se mobilizaram em apoio a Duda e buscaram insuflar o antissemitismo, a homofobia e a xenofobia a fim de assegurar o voto conservador”.
Que foi exatamente assim foi confessado pelo próprio Duda, em encontro com apoiadores, já declarado vencedor, em uma cidade próxima a Varsóvia, Odrzywol.
“Foi uma campanha muito ríspida, provavelmente ríspida demais às vezes”. E, caprichando no cinismo: “se alguém ficou ofendido pelas minhas palavras, por favor me perdoe. E me dê uma chance de melhorar nos próximos cinco anos”.
‘APÊNDICE’ VS ‘JOGUETE‘
Andrezj Duda, que foi a Washington receber a bênção de Donald Trump na Casa Branca na véspera da eleição, e com o PiS disposto a instalar um Forte Trump com marines em solo polonês, teve a pachorra de acusar Trzaskowski de “joguete alemão”, apostando nos fantasmas da II Guerra Mundial.
“Os alemães querem escolher o presidente na Polônia”, insistiu o candidato à reeleição. “Hoje temos a última parte do ataque alemão nesta eleição, uma campanha implacável e suja, desta vez dirigida contra mim”. Nesse caso, ele estava reclamando que viera a público seu perdão presidencial a um molestador de crianças condenado.
Por sua vez, o líder de fato da Polônia, Kaczynski, e cujo projeto para o país é transformá-lo país num enclave norte-americano com antimíssil e entreposto de gás do fracking, como forma de alimentar a russofobia que o consome, acusou Trzaskowski de querer “transformar a Polônia num apêndice da Alemanha”.
Para desacreditar o oponente Trzaskowski aos olhos do eleitorado mais conservador, a campanha do PiS também o chamou de representante de “organizações judaicas” e da “ideologia LGBT”.
CRIANCINHAS POLONESAS
O próprio Duda tentou assustar o eleitorado mais pobre asseverando que Trzaskowski queria acabar com os programas sociais criados pelo PiS – uma espécie de Bolsa Família para filhos menores – para desviar esse dinheiro para “pagar judeus” que pedem indenização por terem sido expropriados pelos nazistas ou seus colaboracionistas durante a guerra.
Três dias antes do segundo turno, Kaczynski em entrevista a uma rádio de extrema-direita disse, sobre o candidato oposicionista, que “somente alguém sem uma alma polonesa, um coração polonês e uma mente polonesa poderiam dizer algo como isso” – a questão da restituição das propriedades roubadas de judeus poloneses durante a ocupação nazista.
De acordo com a tevê estatal controlada pelo PiS, atender “às reivindicações de judeus” iria “sustar o fluxo de dinheiro que está fluindo do orçamento do Estado para os bolsos das famílias polonesas”.
Aliás, uma das leis aprovadas pelo PiS proíbe qualquer questionamento sobre a colaboração de poloneses com os nazistas no Holocausto ou sobre o antissemitismo na Polônia na época. Os maiores campos de extermínio dos nazistas funcionaram na Polônia.
OBSCURANTISMO
Em outro anúncio irradiado pela televisão estatal, o candidato da oposição foi denunciado como “hostil aos católicos” e um crente no “deus de Spinoza”, descrito como “um filósofo judeu”.
Enveredando ainda mais por esse terreno pantanoso, a campanha de Duda, invocando os “valores católicos”, prometeu impedir que as escolas difundam as concepções LGBT “entre as crianças”, “ideologia” que considerou “pior do que o comunismo”.
O PiS também ameaça criminalizar qualquer ato de aborto, mesmo em caso de estupro ou risco de vida para a mãe. Recusou a meta do bloco europeu de zerar a emissão líquida de carbono até 2050. É ainda o governo europeu mais histericamente contra o gasoduto russo-alemão Nord Stream 2. Também tem jogado um papel de ponta na deformação da história da II Guerra mundial e levado a cabo a destruição de monumentos dos heróis soviéticos que libertaram a Polônia da ocupação hitlerista.
SEM MÁSCARA
Andrzej Duda também tem ojeriza pela máscara facial nesses tempos de Covid-19 e seus adeptos acham que, caso se aglomerem, não faz mal nenhum. A previsão é de que a economia polonesa vá cair quase 8% este ano em decorrência da pandemia.
A origem do PiS é a junção de alguns dos elementos mais extremistas do entorno do Solidarnosc, sob a batuta dos irmãos gêmeos Lech e Jaroslaw Kaczynski. A escalada de Lech começou como presidente do Tribunal de Contas, dali a ministro da Justiça e, depois, prefeito de Varsóvia. O irmão cuidava do partido.
Em 2005, ele foi eleito presidente da Polônia. Em 2010, morreu em um desastre de aviação em uma visita à Rússia. Os ajustes neoliberais sob a política da Troika, no governo do primeiro-ministro Tusk e do presidente Borislaw Komorowski, facilitaram a volta do PiS ao poder em 2015.