“Não se esqueçam. Essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês”, incitou o presidente, em ato no Rio de Janeiro
Na sexta-feira (18), Jair Bolsonaro aproveitou uma solenidade de formação de novos policiais militares no Rio de Janeiro para tentar instigar o ódio da PM contra a imprensa brasileira. “Simule as operações que podem aparecer pela frente. Por que em uma fração de segundo estará em risco a sua vida, um cidadão de bem, ou um canalha defendido pela imprensa brasileira. Não se esqueçam. Essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês”, disse o presidente.
“NÃO ESPEREMOS DA IMPRENSA A VERDADE”
Numa clara atitude de incitamento à violência, Bolsonaro tentou jogar a polícia contra os jornalistas e contra a imprensa de uma forma geral. “Não esperemos da imprensa a verdade. As mídias sociais, essas sim, trazem a verdade, e não a fábrica de fake news que é a imprensa brasileira”, disse ele, em tom inflamado.
“Pensem nisso na hora de agir”, acrescentou. “Jamais a nossa democracia e nossa liberdade será ameaçada por quem quer que seja. Os três poderes são independentes e harmônicos. Mas, o maior poder é o do brasileiro. Povo a esse povo ao qual eu devo lealdade absoluta”, acrescentou.
Por coincidência, Bolsonaro estava acompanhado pelo filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, pivô do escândalo envolvendo a Abin, quando começou a fustigar a polícia contra a imprensa.
“ABINGATE”
Não foi por acaso que isso ocorreu. Nos últimos dias as denúncias do envolvimento do delegado Alexandre Ramagem, diretor da Abin, e de Augusto Heleno, chefe Gabinete de Segurança Institucional (GSI), na elaboração de relatórios ilegais para orientar a defesa de Flávio Bolsonaro foram divulgadas exatamente pela imprensa que ele atacava.
O escândalo envolvendo a manipulação de informações do inquérito das “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro pela Agência Brasileira de Informações (Abin), órgão de inteligência do Estado brasileiro – que já é chamado de “Abingate”-, está transtornando o Palácio do Planalto.
O “personagem” de um “presidente normal”, fabricado depois que Queiroz foi preso, está se desfazendo e voltando ao seu verdadeiro normal, ou seja, ao sociopata incontrolável que atira para todos os lados, inclusive no próprio pé.
A provocação de Bolsonaro contra a imprensa ocorreu no mesmo dia em que a revista Época publicou uma entrevista com a advogada Luciana Pires, que representa Flávio Bolsonaro, na qual afirma que o chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, lhe entregou relatórios na tentativa de anular o inquérito em que o parlamentar é investigado por ter desviado dinheiro do salário de assessores quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.
EXCLUDENTE DE ILICITUDE
O presidente fez o incitamento depois de ter anunciado que aproveitaria a eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara Federal para ressuscitar o projeto de sua iniciativa que amplia o conceito de de “excludente de ilicitude” na ação policial. As excludentes de ilicitude já estão previstas no artigo 23 do Código Penal brasileiro. São elas: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito. Nesses casos, o policial está protegido em sua ação repressiva.
No projeto de Bolsonaro foram acrescentados parágrafos que ampliam a proteção das ações policiai, estendendo-a às ações ilegais. São eles: § 1º O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo (artigo 23 do Código Penal), responderá pelo excesso doloso ou culposo. § 2º O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção.
A medida de inclusão de situações de medo, surpresa ou violenta emoção como justificativa para a violência desmedida, foi rejeitada pelo parlamento porque foi considerada na prática como uma “licença para matar”. Afinal não há praticamente nenhuma ação policial onde esses três quesitos não estejam presentes. Na opinião dos parlamentares, o Código de Processo Penal “já prevê os mecanismos de proteção aos agentes de segurança pública em seu trabalho de repressão ao crime”.
DINHEIRO DO QUEIROZ ERA PARA MIM
Já o “tiro no pé”, de que falávamos no início, foi dado por Bolsonaro dois dias antes, na terça-feira (15), quando num de seus acessos verborrágicos, ele resolveu defender a inocência de Queiroz e de sua mulher, Michelle Bolsonaro, no – até hoje misterioso e inexplicável – conjunto de depósitos bancários feitos pelo então assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, no valor total de R$ 89 mil, na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
O presidente tentou livrar seu comparsa e sua mulher do ilícito, dizendo que os R$ 89 depositados pelo assessor na conta dela, eram para ele, Jair Bolsonaro, e não para ela. “Como falei desde o começo, aqueles cheques em torno de 10 anos foram para mim, não foram para ela. Divide aí R$ 89 mil por 10 anos, dá em torno de R$ 750 por mês. Isso é propina? Pelo amor de Deus. O Queiroz também pagava contas minhas. Era de confiança”, disse.
Ou seja, o dinheiro desviado da Assembleia Legislativa do Rio irrigou as contas de Flávio Bolsonaro, mas não só dele. Foi também para o bolso do presidente da República. Na tentativa de acobertar a família e o assessor, que está em prisão domiciliar, Bolsonaro acabou dando o tiro no pé, se incluindo voluntariamente no inquérito da rachadinhas.
S.C.