A continuar assim, há dois caminhos a serem adotados: o presidente da República se dobra e segue os protocolos ou os dissensos aumentarão e o ministro fará o que os dois primeiros fizeram, pedir demissão. A segunda opção é a mais provável, pois as escolhas de Bolsonaro em relação à pandemia são pensadas e medidas
Na primeira reunião do Comitê da Covid-19, na quarta-feira (31), cuja formação inclui, basicamente, a Presidência da República e Congresso Nacional, Bolsonaro fez o que sempre fez desde o início da pandemia, em março de 2020 — jogou no dissenso.
Enquanto os chefes do Poder Legislativo e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, convergiram na questão do distanciamento social como uma das medidas de combate à pandemia, Bolsonaro caminhou para o lado diametralmente oposto.
Na reunião, falaram primeiro com a imprensa, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Queiroga. Na fala de ambos, em algum momento, surgiu a defesa das medidas de distanciamento social para conter a expansão do vírus. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também participou da reunião.
“É muito importante a comunicação, que haja um alinhamento da comunicação social do governo, da assessoria de imprensa da Presidência da República, no sentido de haver uma uniformização do discurso, de que é necessário se vacinar, usar máscara, higienizar as mãos, necessário o distanciamento social de modo a prevenirmos o aumento da doença no nosso País”, afirmou Pacheco.
Segundo o presidente do Senado, foi Queiroga quem sugeriu que os avisos de prevenção sejam reforçados durante o feriado da Semana Santa.
“Uma sugestão muito rica do senhor ministro da Saúde, de aproveitar o ensejo da Semana Santa, que é um feriado que tende a estimular a aglomeração, que possa o povo brasileiro ter a consciência de que precisa fazer o distanciamento social mesmo no feriado”, completou Pacheco.
DISSENSO E CONFRONTO DO PRESIDENTE
Durante o anúncio da retomada do auxílio emergencial, após as falas das três autoridades anteriores — os presidentes da Câmara e do Senado e ainda o ministro da Saúde —, foi a vez de o presidente da República se pronunciar.
Como fez desde o início da pandemia, Bolsonaro afirmou que o isolamento social prejudica a economia. Ele voltou a criticar medidas de governadores que adotaram restrição da circulação de pessoas.
Bolsonaro insiste nessa tese, da “cortina de fumaça”, por conta dos gravíssimos erros que cometeu e tem cometido no combate à pandemia. Ele se escuda nisso, como narrativa, que reforça para seus eleitores mais fiéis, que a responsabilidade pela tragédia sanitária e das mortes pela Covid não é dele, mas do STF, governadores e prefeitos, que seguiram as orientações e protocolos da OMS (Organização Mundial da Saúde).
“Não é ficando em casa que nós vamos solucionar esse problema. Essa política [distanciamento social] ainda está sendo adotada, mas o espírito dela [sic] era se preparar com leitos de UTI, respiradores, para que pessoas não viessem a perder as suas vidas por falta de atendimento”, disse Bolsonaro.
E completou: “Nenhuma nação se sustenta por muito tempo com esse tipo de política. E nós queremos realmente é voltar à normalidade o mais rápido possível. Buscando medidas para combater a pandemia, como temos feito com a questão das vacinas”.
O PROBLEMA ESTÁ NOS “DETALHES”
Logo de cara, percebe-se que esse processo não poderá dar certo, como insistem os líderes políticos alinhados, é o caso dos chefes do Poder Legislativo, e os aliados no Congresso.
Todos na reunião usavam máscara para dar o devido exemplo. Bolsonaro faz questão de quebrar esse e outros protocolos simbólicos e ao mesmo tempo relevantes no combate à virose, que se expande e se fortalece, matando cada vez mais brasileiras e brasileiros – nas últimas 24 horas, morreram 3.950 pessoas por Covid, totalizando na quarta-feira, 321.886 óbitos.
Com isso, o mês de março se encerra com o montante de 66.868 óbitos. Isso é mais do que o dobro das mortes anotadas em julho de 2020, o segundo pior mês da pandemia — quando registramos 32.912 vítimas da doença.
BREVE ANÁLISE DA NOTÍCIA
O presidente não mudou, nem vai mudar. Ele é parte do problema, não da solução. Tudo que foi feito até o presente momento para combater a pandemia se fez à revelia de Bolsonaro. Foi-lhe imposto, pois do contrário não teria efetivamente ocorrido.
Com esta assertiva não se está na lógica do achismo, ilação ou narrativa para disputar com o chamado negacionismo da pandemia. Estudo/pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e a Conectas Direitos Humanos divulgado em janeiro, quando o Brasil superou mais de 210 mil mortes por Covid-19, revela que Bolsonaro executou uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus”.
O portal El País veiculou o estudo numa caudalosa e instigante matéria escrita pela jornalista Eliane Brum — “Pesquisa revela que Bolsonaro executou uma ‘estratégia institucional de propagação do coronavírus’” —, cuja leitura é essencial para entender o ethos (jeito de ser) do governo Bolsonaro em relação à pandemia.
Linque do estudo https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2021/01/Boletim_Direitos-na-Pandemia_ed_10.pdf
M. V.