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O mais interessante na pesquisa do instituto Paraná Pesquisas, divulgada pela revista “Veja” do último fim de semana, é o modo como esse levantamento é armado (a palavra, aqui, não é pejorativa) – inclusive em sua exposição na matéria da revista.
Quanto à última, seu sentido é revelado no primeiro parágrafo: “O governo Jair Bolsonaro passou nos últimos três meses por uma tempestade política perfeita. À crise inaugurada pela pandemia do novo coronavírus, menosprezada pelo presidente desde o início, somaram-se a conturbada demissão de seu ministro mais popular, Sergio Moro, duas trocas no Ministério da Saúde, a abertura de um inquérito para apurar interferência política na Polícia Federal, a divulgação em vídeo de uma escabrosa reunião de seu gabinete, o cerco a bolsonaristas radicais em duas investigações do Supremo, a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), em uma casa do advogado de Bolsonaro, o diagnóstico de Covid-19 do chefe do Executivo e o saldo nefasto de mais de 80.000 mortos pela doença. Mesmo em meio a dificuldades sérias, que poderiam estraçalhar a popularidade de inúmeros políticos, Bolsonaro segue firme, mostrando mais uma vez que é um fenômeno político. Se a disputa presidencial fosse hoje, ele seria reeleito” (grifo nosso).
Não seria possível ser mais claro. O que será que aconteceu na “Veja”, nas últimas semanas?
Deixemos, por um momento, a pergunta no ar, e voltemos ao levantamento do instituto Paraná Pesquisas. Depois, será mais fácil responder, ou avançar na resposta, a essa questão.
Qual o sentido – o sentido racional – de averiguar a preferência dos pesquisados em um segundo turno das eleições que vão ocorrer daqui a mais de dois anos?
Nenhum, absolutamente nenhum.
Não se trata apenas da distância para o futuro – ou seja, de que ninguém sabe o que acontecerá nesses mais de dois anos à frente (o que, a julgar pelo que aconteceu nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, é algo que provoca pressentimentos pouco alvissareiros para esse governo e seu presidente).
O segundo turno das eleições é, obviamente, uma polarização do eleitorado entre dois candidatos. A bem dizer, é uma divisão dos eleitores em duas tendências (as afirmações de que o objetivo do segundo turno é unir o país sob uma maioria absoluta – feitas pela bancada do PT, na Constituinte de 1987/1988, v. ANC, Atas de Plenário, N014, p. 341 – refletem apenas a dependência de seus defensores do udenismo lacerdista pré-1964, que tentou impedir a posse de Getúlio e Juscelino, legalmente eleitos, por uma suposta falta de maioria absoluta, que a Constituição de 1946 não exigia).
Há, por consequência, um outro problema, até mais importante, do ponto de vista político, que o desconhecido no caminho para o futuro.
Hoje, nas atuais condições, existe o candidato de uma dessas tendências – Bolsonaro -, mas ainda não existe o outro, já que ainda não é claro, nem mesmo, quem seria o principal candidato que poderia condensar a oposição a Bolsonaro.
Portanto, dizer (pois isso é dizer, não constatar) que Bolsonaro venceria Ciro, Huck, Moro, Lula, Doria ou Haddad em um suposto segundo turno em 2022, é a mesma coisa que dizer que Bolsonaro venceria qualquer candidato daqui a dois anos, desde que fosse um candidato-fantasma.
Não, leitor, não dissemos que Ciro, Huck, Moro, Lula, Doria e Haddad são fantasmas. O que dissemos é que suas candidaturas, sobretudo nas condições de um segundo turno – que implicam na união de todos os opositores do outro candidato -, não existem (ou não existem ainda). Um deles (Lula) é, até mesmo, inelegível. A rigor, seria um candidato contra as leis – e só frisamos isso para enfatizar o grau de arbitrariedade desse tipo de pesquisa.
Portanto, o único candidato dessa comparação real, nessa pesquisa, é Bolsonaro. Logo, nesse exercício de guerra temporal (mais inexistente que a que conhecem os fãs de “Jornada nas Estrelas: Enterprise”), que o único candidato vença os não-candidatos, as candidaturas que só existem por hipótese dos organizadores da pesquisa, não é uma surpresa.
Como poderia ser diferente, se a própria pesquisa, ao inventar um segundo turno, e determinar seus candidatos, é feita para isso?
A questão é evidente, a tal ponto que, na própria matéria de “Veja”, o analista de pesquisas e politólogo Antonio Lavareda declara: “No segundo turno, onde estão os 48% que desaprovam Bolsonaro? Não tem ainda um candidato para catalisar essa desaprovação”.
Ou seja, o segundo candidato desse segundo turno não está constituído, não existe; por isso, nessa comparação (ou, vá lá, nessa pesquisa), Bolsonaro, na prática, corre hoje – embora não amanhã – sozinho.
Quanto ao amanhã, não há, naturalmente, garantia de nada. Aliás, não existe garantia nem ao menos de que Bolsonaro será – ou poderá ser – candidato…
Mas, nas condições de hoje, que não são as de amanhã nem as de depois de amanhã, o único que é candidato – senão declarado, ostensivo – é ele.
Nos concentramos, aqui, nos supostos resultados do segundo turno, porque eles esclarecem o conjunto da pesquisa.
Pois a mesma coisa é verdadeira para os supostos resultados de um primeiro turno em 2022 – apenas, a montagem de três “cenários” deixa a questão menos clara, porque são “cenários” confusos.
Entretanto, nem por ser confusos, esses “cenários” deixam de revelar alguma coisa.
No primeiro, Bolsonaro tem 29% – e a soma de seus hipotéticos adversários (Moro, Haddad, Ciro, Huck, Amoedo, Doria, Boulos e Witzel) tem 56%.
Uma diferença de 27 pontos percentuais (ou 93%) contra Bolsonaro.
No segundo, Bolsonaro tem 27,5% e a soma dos outros (Lula, Moro, Ciro, Amoedo, Doria, Marina, Witzel e Boulos) tem 58,3%.
Uma diferença de 30,8 pontos percentuais (ou 112%) contra Bolsonaro.
No terceiro, Bolsonaro tem 30,7% das preferências e a soma dos outros supostos candidatos (Haddad, Ciro, Huck, Mandetta, Amoedo, Doria, Flávio Dino e Witzel) tem 50,3% das preferências.
Uma diferença de 19,6 pontos percentuais (ou 64%) contra Bolsonaro.
Os promotores da pesquisa poderiam argumentar que nem todos os eleitores de outros candidatos votariam no opositor de Bolsonaro que passasse para o segundo turno.
É verdade. Mas isso é apenas argumentar com a chuva no bueiro. Pois, mais difícil é argumentar que todos – ou a maioria – dos que não vão votar em Bolsonaro no primeiro turno, votarão nele no segundo turno.
Até porque, além dessas preferências, houve aqueles, não poucos, que responderam “nenhum” ou “não sabe” (14,9% no primeiro “cenário”; 14,1% no segundo “cenário”; 18,9% no terceiro “cenário”).
Certamente, o pressuposto da pesquisa não pode ser o de que esses eleitores, que hoje não têm qualquer candidato, escolheriam, todos, como seu candidato, o iluminado Bolsonaro…
Além disso, muito mais intrigante, na pesquisa, do que nossa comparação entre as preferências de Bolsonaro e as preferências de seus supostos adversários, para uma eleição que será apenas em 2022, é o motivo pelo qual Marina Silva aparece apenas no segundo “cenário” ou Flávio Dino apenas no terceiro “cenário” ou por que a suposta candidatura do ex-ministro Mandetta faz uma irrupção nesse mesmo “cenário”.
Se fosse apenas uma mera arbitrariedade do organizador da pesquisa já seria suficiente para condená-la como… uma mera arbitrariedade. Mas não parece ser apenas isso, embora a demonstração de uma intenção, que alongaria demasiado este artigo, seja dispensável, pois, a esse respeito, basta o que já foi dito.
O que torna compreensíveis as desconfianças de que a pesquisa e sua divulgação tiveram algo a ver com a entrega pelo Banco do Brasil, sob às ordens do governo Bolsonaro e de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, de uma carteira de R$ 3 bilhões ao banco BTG Pactual, por apenas R$ 300 milhões (v. HP 25/07/2020, “Banco fundado por Guedes ganha carteira de R$ 3 bi do BB por R$ 300 mi”, diz Ciro).
O BTG Pactual, de André Esteves, foi responsável por um aporte de dinheiro a Fábio Carvalho, da Cavalry Investimentos, para que adquirisse o grupo Abril, que publica a revista “Veja”. O BTG Pactual assumiu o controle direto da revista “Exame”, também do grupo Abril.
Quanto ao mais, nada há de novo – exceto a preferência de 31,1% dos pesquisados em Ciro Gomes, em um suposto segundo turno.
No primeiro turno das últimas eleições presidenciais, Ciro obteve 9% dos votos totais (12,5% dos “votos válidos”).
Poderá parecer sem sentido essa comparação, entre votos no primeiro turno e preferências supostas para um segundo turno localizado no futuro, se não acrescentarmos que o candidato que passou para o segundo turno nas últimas eleições, Fernando Haddad, na atual enquete do Paraná Pesquisas, obteve a mesma preferência que Ciro, no segundo turno.
Ao mesmo tempo, no primeiro turno, Haddad caiu dos 21% obtidos no primeiro turno da eleição de 2018 para 13,4% na pesquisa atual (primeiro “cenário”) ou 14,5% (terceiro “cenário”), e sempre com viés de queda.
Considerando o esforço da pesquisa para alcançar composições de nomes em que os outros candidatos fiquem sempre abaixo do PT (a única exceção é Moro, no primeiro “cenário”), o importante, aqui, é que esse objetivo, apesar de tudo, não foi alcançado, quando se compara a variação das preferências em relação aos votos nas eleições de 2018.
C.L.
oh juliana