“Não foi fatalidade nem acidente. Foi crime. O lucro não vale a vida”, esta frase estampada em faixas deu a tônica do protesto em homenagem às vítimas do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que aconteceu na cidade, nesta segunda-feira (25), quando completou 1 mês do crime ambiental.
Durante o ato, balões brancos foram levados pelos moradores e uma chuva de pétalas foi jogada de um helicóptero. O Corpo de Bombeiros, as polícias Civil e Militar (PM) e outros órgãos que participaram da operação de resgate foram aplaudidos.
Às 12h28, hora em que a barragem se rompeu há um mês, um helicóptero jogou pétalas de rosas sobre o rio. Parentes e amigos dos mortos e desaparecidos amarraram fitas e cartazes na ponte, com mensagens lembrando as vítimas. Os manifestantes fizeram um minuto de silêncio.
Em Belo Horizonte, centenas de pessoas se vestiram de preto para pedir justiça, em frente ao Memorial Minas Gerais Vale, na Praça da Liberdade, Região Centro-Sul de da cidade.
O protesto foi organizado por ambientalistas, artistas e moradores de regiões próximas a barragens de minério. Para a ambientalista, Maria Tereza Corujo, não se pode deixar a tragédia cair no esquecimento. “O nosso objetivo é relembrar que há um mês houve essa tragédia provocada pela Vale e nós não podemos calar nossa voz jamais porque os outros atores todos que deveriam fazer a coisa certa e que não fizeram na época da Samarco querem que isso não seja tratado como crime e isso é muito grave não podemos deixar isso acontecer mais”.
Os ambientalistas também protestaram contra as políticas de licenciamento ambiental adotadas no estado mesmo depois da tragédia e criticaram a volta da mineração na Serra da Piedade, em Caeté, Região Metropolitana da capital mineira.
“A impunidade segue. Houve uma importante vitória do projeto de lei aprovado na Assembleia: ‘Mar de lama nunca mais’. Mas a coisa está tão contraditória que no mesmo dia, no Copam [Conselho Estadual de Política Ambiental] deu a licença pra reativação da mineração na Serra da Piedade”, destacou o ambientalista Anderson Ribas de Menezes.
179 mortos e 131 desaparecidos
Entre 25 de janeiro e este 25 de fevereiro, a procura por sobreviventes e por corpos foi rotina para centenas de militares e voluntários. “O trabalho começa às 5h, quando as equipes se levantam. Às 6h30, nós nos reunimos para uma orientação de segurança e de diretrizes do que vai ser feito ao longo do dia. As equipes são lançadas a campo. (…) Ao final do dia, quando as equipes retornam, elas nos dão um feedback de como foi o rendimento do planejamento. Fazemos então, a seguir, uma reunião para planejarmos o dia seguinte e tudo se repete”, disse o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Anderson Passos.
Segundo ele, ainda não é possível estimar por quanto tempo este esquema de trabalho vai perdurar. De acordo com o último balanço, 179 mortes foram confirmadas. Outras 131 pessoas continuam desaparecidas. A esperança de encontrar sobreviventes dá lugar à tristeza de que a quantidade de mortos será maior do que 300.
O crime da Vale em Brumadinho entrou no mapa das maiores tragédias mundiais em perdas de vidas envolvendo o rompimento de barragens de rejeitos. “Brumadinho vai ficar como segundo ou terceiro lugar das ocorrências mais fatais da mineração. Infelizmente, com o tempo, esse minério vira uma espécie de asfalto, o que dificulta as buscas”, afirma o doutorando em direito ambiental Alexander Marques Silva, autor do livro “Sociedades de risco e barragens de rejeito”.
O número de vítimas só é menor do que um desastre na Bulgária, em 1966, que matou 488 pessoas. Episódios em outros países levaram à mudança na legislação, recuperação ambiental e prisão dos culpados. No Brasil isso não é uma certeza.
De acordo com a mestre em direito ambiental, advogada Vivian do Carmo Bellezia, a punição no Brasil para casos de desastres com barragens de rejeitos depende muito do entendimento de cada juiz. “A lei brasileira dá desde multa à punição penal, privativa de liberdade. Mas isso é passível de interpretação e está nas mãos dos nossos julgadores. Quem falhou? Que governador, que presidente de empresa não cumpriu as leis?”, apontou.
No caso de Brumadinho, atualmente cinco pessoas foram presas, sendo dois funcionários da consultoria Tüv Süd, que prestava serviço para a Vale e três funcionários da mineradora. Todos foram soltos uma semana depois.
Em 15 de fevereiro, outros oito executivos e técnicos da gigante da mineração foram detidos e seguem em prisão temporária. “Nossa legislação não é ruim. O problema brasileiro é a falta de fiscalização. O próprio empreendedor faz autodeclarações e o poder público deveria fiscalizar”, ressalta Vivian.
“Mar de Lama Nunca Mais”
Para resultar na prevenção e punição mais severas para este tipo de crime ambiental, depois da pressão popular, o governador Romeu Zema sancionou nesta segunda-feira (25) o projeto de lei, aprovado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) por unanimidade, que determina medidas mais rígidas pela mineração do estado.
O texto que foi aprovado inclui quase todo o conteúdo do projeto que ficou conhecido como “Mar de Lama Nunca Mais”. Este é um projeto de iniciativa popular, ele teve mais de 60 mil assinaturas e foi elaborado após o rompimento da barragem da Samarco, em que Vale é uma das sócias junto a inglesa BHP Billiton.
Entre os principais pontos do texto, está a proibição da instalação de barragens a montante – mesmo tipo das estruturas que se romperam em Mariana, em 2015, e em Brumadinho, neste ano.
O projeto prevê também um caução ambiental, que obriga a empresa a garantir os custos da desativação das barragens e dos possíveis danos socioambientais e socioeconômicos que um desastre envolvendo tais estruturas possa ocasionar.
Outro ponto importante do projeto se refere ao licenciamento das barragens, que pelo projeto deve ser dividido em três fases, Licença Prévia, de Instalação e de Operação. Em cada uma delas, são feitas exigências específicas, como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Atualmente, em Minas, é possível que as três sejam emitidas ao mesmo tempo. Com o PL, só se passa para a etapa seguinte do licenciamento, se as condições impostas na fase anterior forem cumpridas.
Para a promotora de Justiça Andressa Lanchotti, o cerne do projeto “Mar de Lama Nunca Mais” está na proibição da construção de barragens em locais onde forem identificadas populações residindo nas zonas de autossalvamento, que é uma área abaixo da barragem, para onde correm os rejeitos caso ocorra um desastre. Se isso ocorrer, em regra, não há tempo hábil para essas pessoas se manterem em segurança, frente à rapidez da onda de inundação.
Um dos destaques do projeto Mar de Lama Nunca Mais é a exigência de que as empresas adotem tecnologias de ponta para a disposição de rejeitos, o que garantiria mais segurança aos empreendimentos. Entre as alternativas, estão a disposição a seco, a filtragem dos rejeitos arenosos e o espessamento dos lamosos.
O procurador-geral de Justiça, Antônio Sérgio Tonet, elogiou a iniciativa popular, os movimentos sociais e as instituições que colaboram para a construção do projeto junto à Assembleia. Para ele o Congresso Nacional deve seguir no mesmo caminho trilhado por MG e aprovar uma lei nacional sobre o tema que estabeleça critérios mais rígidos. “Tenho certeza que esse exemplo será seguido, agora, pelo Congresso Nacional”, afirma.