Fatores como o maior índice de desemprego na União Europeia há dez meses, a carga das consequências de descarrilamento econômico a partir da submissão a Washington nas sanções contra Rússia, incluindo visitas a Zelensky, afundaram o Partido “Socialista” do primeiro-ministro Pedro Sánchez
“Considerando os resultados”, o primeiro-ministro anunciou nesta segunda-feira (29) que antecipará as eleições legislativas nacionais de dezembro para 23 de julho, depois que seu partido, o PSOE, perdeu o controle sobre 15 das 22 capitais que governava.
“A máxima de que quando o ‘progressismo’ no governo aplica políticas de direita, é essa a que se fortalece, tem se confirmado nas derrubadas de muitas prefeituras e governos regionais”, sintetizou o site Esquerda Diário. De acordo com a publicação, “não se pode enfrentar uma direita de verdade com uma esquerda de mentira”.
O fato é que afora o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e a chefa de governo italiano, Giorgia Meloni, Pedro Sánchez foi não só o único quem visitou o presidente Volodímir Zelenski uma, mas duas vezes, para dar força à conflagração preconizada pela Casa Branca para, declaradamente “entfraquecer a Rússia”. Em uma das idas a Kiev, o demissionário manifestou “o apoio inquebrável” de “toda a Espanha” e anunciou recursos, tanques e mísseis, fingindo desconhecer a grave crise que afeta o seu próprio país.
Considerado de direita, “de tendência conservadora e liberal”, o jornal Vox Populi, demarcou que “em nível internacional, a Espanha lidera a União Europeia em termos de desemprego há dez meses”. Até a crise da Covid-19, apontou, “a Grécia ocupava a primeira posição, mas em junho de 2021 a Espanha assumiu. Não foi o país da UE com maior taxa de desemprego desde o fim da crise financeira, mas uma década depois voltou ao pódio”. O fato, acrescentou o Vox Populi, é que “o revés da pandemia e a lenta recuperação posterior fizeram com que a Espanha estivesse agora exatamente igual a 2019”.
Desde o dia 24 de fevereiro de 2022, quando iniciou o conflito entre a Ucrânia e a Rússia, apontou o site Vive Más Vidas, “os espanhóis experimentam alta nos preços de algumas matérias-primas, como petróleo e gás natural, escassez de alguns produtos como fertilizantes, óleo de girassol ou alguns cereais, além da queda do turismo russo e ucraniano e do comércio bilateral com os dois países”. E, “para além destas consequências quase imediatas”, assinalou, “a economia espanhola foi afetada pela sua situação anterior e pelas decisões políticas e econômicas que foram tomadas desde então”. “Estamos falando do fato de que a Espanha está vendo sua economia desacelerar, disparar a inflação (aumento geral de preços) e as taxas de juros subirem”, frisou.
Dando as costas à gravidade da situação, a ministra da Defesa da Espanha, Margarita Robles, disse recentemente que seu governo estava pronto não apenas a enviar tanques Leopard para a Ucrânia quanto a treinar os militares ucranianos em seu território. “A Espanha está disposta, em coordenação com nossos aliados, a discutir tudo o que for preciso”, acrescentou ao enfatizar o embarque do atual governo espanhol na guerra por procuração na Ucrânia.
Neste quadro, a decomposição de um governo que pretendia ser de união entre “Socialistas” e “Podemos” cobrou seu preço. Após ter identificado o PSOE como o “Partido da Guerra” e declarar que não era bem aquilo que disse, o Podemos entrou em colapso. Sem respostas para o agravamento da crise, a sigla parceira do PSOE só conseguiu garantir presença em um dos seis governos autônomos do qual fazia parte: Navarra.
REJEIÇÃO A CONCESSÕES DO PSOE AO SEPARATISMO E IDENTITARISMO IMPOPULAR
Entre os especialistas espanhóis, há avaliações de que a pauta identitária defendida e forçada ao governo pelo Podemos afundou a sigla ajudando a detonar o PSOE, em um abraço de afogados. É o que afirma o economista e cientista político José Ramón Pin Arboledas, do Instituto de Estudos Superiores de Empresa (IESE), para quem foram leis que ampliam o direito ao aborto e permitem a autodeterminação de gênero, aprovadas recentemente, as que afastaram do governo o eleitorado espanhol, mais conservador.
“Desde 2019, os socialistas governam em aliança com o Unidas Podemos, partido de extrema esquerda que só aceitou apoiar Sánchez com a condição de que suas principais pautas fossem aprovadas”, recordou Arboledas. Além disso, considerou, “podem ter pesado contrariamente” os pactos com partidos que defendem o separatismo como em algumas regiões, a exemplo da Catalunha e do País Basco, pautas reprovadas até mesmo entre eleitores de esquerda mais tradicionais.
SUBMISSÃO AOS ESTADOS UNIDOS
No interior do governo agora demissionário, houve quem percebesse o desastre representado pela submissão a Washington. Foi o caso da ministra de Direitos Sociais e secretária do Podemos, Ione Belarra, que declarou haver chegado a hora de “deixar de fazer seguidismo aos interesses dos Estados Unidos”.
“Solenemente, peço ao PSOE que reconsidere sua posição e reconheçamos que haver contribuído à escalada bélica é um erro e articulemos uma nova aliança de países para a paz”, declarou a ministra, na III Conferência Europeia pela Paz, realizada em fevereiro. Mas, como vimos, não foi só o PSOE que não deu ouvidos à convocatória pelo diálogo com a Rússia no interior da agora derrotada aliança governamental.
Diante das respostas armamentistas e do colapso governamental, os espanhóis acabaram optando pela direita do Partido Popular (PP), que cresceu de 24% para 31% – passando a ser a terceira maior força, enquanto o PSOE caiu de 29% para 28% – com cerca de 800 mil votos a menos. A extrema direita do Vox saiu de 3,5% para 7%, elevando o número de vereadores de 500 para mais de 1.700.
E vai além o Esquerda Diário, se esta eleição “mostra alguma coisa, é que aqueles que quiseram se apresentar como a barragem contra a direita acabaram sendo seu tapete vermelho”. “Quando o ‘progressismo’ no poder aplica as grandes linhas do consenso do ‘extremo centro’ na política econômica, social, habitacional, de serviços públicos ou de segurança, o que se reforça não é esse ‘progressismo’ mas a direita e a extrema direita que avançam sem obstáculos no terreno que lhes é mais confortável”.