Apesar do grande esforço de senadores do PT para que o ministro da Justiça de Bolsonaro se saísse bem em seu depoimento no Senado – atacar Moro naquilo que ele tem razão, ou com acusações falsas, é a melhor maneira de promovê-lo -, nos pontos que realmente importam para a discussão atual, nos pontos críticos, ele não foi além da evasiva.
Moro parece agora acreditar, como alguns daqueles que condenou, que a demagogia pode substituir a verdade. Assim foi sua participação no “programa do Ratinho” e seu anúncio de que estará na cabeça de uma marcha evangélica, na próxima quinta-feira, a convite do deputado Marco Feliciano (PSC-SP).
Em sua intervenção no Senado a 1º de dezembro de 2016 – um debate sobre o “abuso de autoridade” – Moro apresentara Rui Barbosa como exemplo de jurista. Imaginemos Rui Barbosa indo ao “programa do Ratinho” ou aceitando um convite do deputado Marco Feliciano para ser cabeça de uma manifestação evangélica.
Alguma coisa não bate – e não é Rui Barbosa, que, com exceção do primeiro governo republicano, jamais aceitou ser ministro de Estado ou do STF (e nem lhe convidaram, pois já se sabia a resposta).
Quanto às evasivas de Moro, no seu depoimento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, não é certo dizer, como alguns disseram, que não havia, para ele, alternativa.
Falar a verdade, reconhecer erros – e, inclusive, transgressões à lei – é sempre uma alternativa humana. Caso contrário, qual a diferença moral entre o juiz Moro e os réus que condenou, sobretudo aqueles que, apesar das provas esmagadoras, continuam repetindo que não existem essas provas?
Mas o que ressalta, logo nas primeiras respostas – às perguntas do senador Weverton Rocha (PDT-MA) – é que Moro não preferiu essa última alternativa. Sua opção foi imergir, direto e fundo, na primeira.
O senador Weverton frisou que Moro, com as mensagens reveladas por The Intercept Brasil, colocou em dúvida a isenção do Judiciário:
SENADOR WEVERTON: … o site The Intercept divulgou recentemente diversos textos de mensagens que são atribuídos a V. Exª e ao Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força tarefa da Operação Lava Jato. V. Exª propõe: “Diante dos últimos desdobramentos, talvez fosse o caso de inverter a ordem das duas planejadas“. Logo após, expressamente admite: “Pensem aí sugerir por conta do recente acompanhamento“.
Eu lhe pergunto: no sistema processual penal acusatório, não deveria o juiz manter-se equidistante das partes? É comum ou normal o magistrado sugerir o modo como o órgão acusador deve se desincumbir das diligências investigativas?
Em mensagem do dia 13 de março de 2017, V. Exª teria emitido opinião sobre o desempenho de uma procuradora da República. Com efeito, é válido especular que o magistrado a presidir uma audiência de oitiva de testemunha ficou frustrado com o fraco desempenho do órgão acusador? Intimamente, V. Exª… Pergunto: intimamente, V. Exª nunca teve sentimento de parcialidade em relação aos processos da Lava Jato?
Consta que no dia 7 de dezembro 2015 V. Exª teria enviado uma mensagem: “Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodada por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-Presidente. Aparentemente, a pessoa estaria disposta a prestar informação. Estou, então, repassando. A fonte a séria.”. Aqui, nitidamente, o senhor fornece ao órgão acusador um caminho para obtenção de prova. Eu lhe pergunto: esse protagonismo de juiz tem respaldo no ordenamento jurídico vigente? O senhor disse que não vê nada demais nas conversas gravadas com os procuradores, que são partes processuais em processo que estava sob seu julgamento. O senhor mantinha as mesmas tratativas com advogados? Se sim, quais advogados e referente a quais casos?
No pacote anticorrupção, o senhor apoiou o aproveitamento de provas ilícitas. Por que, nesse caso, as provas ilícitas dos seus diálogos não valem? O senhor, como juiz, diz que uma prova obtida de forma ilegal poderia servir a uma condenação. Supondo que seus diálogos com o Dallagnol tenham sido obtidos de forma ilegal, o senhor ainda acha que eles podem ser aproveitados como prova? Se a Polícia Federal, sob seu comando, descobrisse o diálogo, fora dos autos, de um juiz e um advogado em defesa para beneficiá-lo, o senhor sugeriria a prisão dos dois?
Quando o senhor estava na Lava Jato, o senhor determinou várias buscas e apreensões na casa de suspeitos. O senhor, agora, é suspeito de corromper a imparcialidade do Judiciário. Não deveria o senhor já ter se adiantado e ter entregado o seu celular e o seu iPad para a perícia?
A OAB, agora, está propondo o seu afastamento do Ministério da Justiça. Para preservar a sua imagem de super-homem, de super-herói, o senhor não deveria se afastar?
O sr. aceitou ser Ministro do Bolsonaro. O sr. não acha que a sua postura maculou as suas decisões anteriores como juiz? É verdade que o senhor aceitou ser Ministro da Justiça depois da promessa de que seria indicado para ministro da Suprema Corte? Caso a resposta seja positiva, isso não é corrupção, isso não é toma lá, dá cá? Se for negativa, o Presidente Bolsonaro mentiu?
MORO: Eu entreguei, ao contrário do que V. Exa. afirma, entreguei meu aparelho celular à Polícia Federal para exame. Não tem problema nenhum quanto a isso.
A questão aqui… Existe essa invasão hacker, criminosa, com objetivos de obstaculizar investigações anticorrupção. Então, isso, em princípio, é uma prova ilícita. Do outro lado, não se tem nenhuma demonstração, nenhuma prova da autenticidade desses elementos.
O veículo que supostamente os recebeu de uma fonte, suposta fonte igualmente, não se dignou a apresentar esse material. Diz-se: “Olha, esse material é grave”. Se tem ilícitos tão graves, publica, publica. Não tem problema nenhum. Eu tenho certeza de que, se não houver adulteração das minhas mensagens, são completamente normais, não existe nenhum problema ali.
Agora, o veículo, se quer que esses elementos sejam utilizados, vamos dizer, para a punição dos envolvidos por esses supostos desvios éticos, tem que apresentar elementos para que esses elementos sejam examinados e verificados.
Como eu mencionei, eu não tenho mais as mensagens. Eu não me lembro de mensagem que eu mandei há um mês atrás, dois meses atrás, e querem que eu lembre de mensagem que eu mandei há dois, três anos atrás. Não tenho como, não tenho esses elementos.
Como disse, essas mensagens podem ter sido total ou parcialmente adulteradas. Do que foi, porém, veiculado, tirando o gritante sensacionalismo, não se vislumbra ali qualquer ilicitude.
(…)
Sobre a questão do convite. Eu já falei isso publicamente diversas vezes. Eu fui convidado um pouco antes do segundo turno – convidado, não, fui sondado pelo ministro Paulo Guedes, falei isso publicamente –, se eu me disporia a conversar sobre um possível convite para ser Ministro da Justiça e Segurança Pública do Governo Bolsonaro. Eu não conhecia o Presidente Jair Bolsonaro. Existe um encontro entre nós casual, que ocorreu no aeroporto, salvo engano, no ano de 2016, também não tenho essa memória, mas na época foi amplamente noticiado. Eu o encontrei rapidamente e o cumprimentei. Vim a encontrá-lo novamente no dia 1º de novembro de 2018, quando ele formalizou o convite para ser Ministro da Justiça e Segurança Pública.
Qual que foi o meu propósito, que eu já falei publicamente: bem, nós trabalhamos cinco anos nessas operações anticorrupção, fui atacado cotidianamente por aqueles que não queriam qualquer mudança no padrão de impunidade da grande corrupção e sempre ficou uma sombra de um retrocesso de que um dia ia haver uma virada de mesa e tudo aquilo que tinha sido feito seria perdido.
Eu vi no convite para ser Ministro da Justiça e Segurança Pública uma oportunidade para consolidar esses avanços anticorrupção e também avançar no que se refere ao combate ao crime organizado e criminalidade violenta. Foi por isso que eu aceitei, falei isso publicamente e é isso que eu estou fazendo no Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Quando eu emiti a sentença condenatória contra o ex-Presidente… Aliás, confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, vários desembargadores, confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça igualmente, depois ele foi condenado por outro juiz – certo? –, mas quando eu preferi essa decisão, lá em 2017, não tinha o menor contato com o atual Presidente, Jair Bolsonaro
O senador maranhense vai, então, ao ponto.
SENADOR WEVERTON: Sr. Ministro, na sua fala o senhor coloca que combateu a corrupção na Lava Jato e veio para o Governo Bolsonaro para continuar a fazer esse combate. O senhor, como Ministro da Justiça, já tomou providências concretas para as questões internas dentro do Governo, com denúncias seriíssimas envolvendo questões de milícias, envolvendo questões de laranjas e outras denúncias concretas que saem na mídia? Qual é a posição e qual é a postura que o senhor, como Ministro da Justiça, combatente da corrupção, está fazendo nesse novo time de que o senhor já acaba de vestir a camisa?
MORO: Desde que assumi, eu coloquei muito claro que sou Ministro da Justiça e da Segurança Pública. Eu não sou advogado para defender quem quer que seja, e a minha responsabilidade é: eu não tenho envolvimento na investigação dos casos concretos. O meu papel é dar estrutura aos órgãos vinculados ao Ministério para realizar o seu trabalho. E é o que nós temos feito. Nós temos a Polícia Federal.
A Polícia Federal está com déficit nos seus quadros. Os últimos Governos negligenciaram, de certa maneira, o preenchimento desses quadros. Difícil saber se o problema era só a questão da crise fiscal ou não, mas, enfim, há um concurso em andamento para chamar 500. Nós estamos chamando mais 500 exatamente para dar perna à Polícia Federal para poder realizar melhor o seu trabalho.
Existem outras investigações que não se encontram nas minhas mãos. O Ministro da Justiça não é responsável por todas as investigações que correm no País. O meu papel, o que eu disse muito claro à Polícia Federal desde o início que assumi este Governo: trabalhe com autonomia, faça o seu trabalho. Isso é o que eu tenho feito.
DUAS LINHAS
Moro sabe perfeitamente que tem coonestado – ou, pior, servido de biombo – para a corrupção no governo Bolsonaro: Lorenzoni, Queiroz, Flávio Bolsonaro, o laranjal do PSL, etc.
A sua resposta a uma pergunta bastante concreta (“O senhor, como Ministro da Justiça, já tomou providências concretas para as questões internas dentro do Governo, com denúncias seriíssimas envolvendo questões de milícias, envolvendo questões de laranjas e outras denúncias concretas que saem na mídia?”) não é uma resposta, mas uma fuga – isto é, uma reiteração de que aceita o papel de biombo do governo (e da família) Bolsonaro.
Por isso, a sua declaração de que “tínhamos, no Brasil, uma tradição de impunidade da grande corrupção. Essa tradição foi rompida, em parte, pela Operação Lava Jato”, soa falso: pois, se isso é verdade, também é verdade que, no momento, o principal juiz da Lava jato está fazendo o possível para que a tradição anterior seja restaurada.
Sobre as mensagens, Moro está com duas linhas opostas: ao mesmo tempo diz que não há problema nelas e que elas podem não ser autênticas (“embora não reconheça que as mensagens sejam autênticas, ou não possam ter sido parcial ou totalmente adulteradas, o fato é que várias pessoas lendo essas mensagens não identificaram, ao contrário de todo o sensacionalismo do site, ali ilícitos, legalidades ou qualquer espécie de desvio ético”, disse ele no Senado).
Uma linha, evidentemente, é contraditória com a outra – exceto se alguém falsificou as mensagens para evidenciar a estatura ética de Moro…
Este manteve, no depoimento, a história de que “não é incomum que juiz converse com promotor, advogado, policial. Não é incomum que receba procuradores e se converse sobre diligências. É absolutamente normal”.
Como se o problema fosse esse, e não a condução indevida das investigações – e o favorecimento indevido a uma das partes do processo, a acusação.
Daí, a colocação do senador Cid Gomes (PDT-CE):
“Não me incluo definitivamente entre os que relativizam a corrupção. O mau maior da corrupção é o descrédito nas instituições e na política. Proponho aos meus pares, em primeiro lugar, a alteração da legislação processual penal para que o juiz que instrui o processo não seja o mesmo que vai julgar o crime. Também proponho a instauração de uma CPI que de forma isenta e imparcial se disponha e faça um aprofundamento nas duas grandes questões que são objeto dessa celeuma que já se apelidou de Vaza Jato. Uma CPI para averiguar e propor medidas para dar mais segurança ao sigilo das nossas comunicações e investigar de forma isenta quem foi responsável por este caso e ao mesmo tempo investigue se houve conluio entre o Judiciário e o MP, que certamente comprometeria qualquer processo.”
MORO: Essas supostas mensagens hackeadas não demonstram aquilo que o site pretende afirmar.
Um dos senadores do PT acusara Moro de fazer um “media training” para seu depoimento na CCJ no Senado. Daí, a referência que Cid Gomes fez em sua réplica.
SENADOR CID GOMES: Não devemos ficar nesse bate-boca. Se fez ou não fez o media training, ele trouxe alguns mantras e tem repetido. Da mesma forma que você citou depoimentos de juristas e advogados que não veem conluio, outros acreditam que sim. Dou um doce a quem disser o nome do atual juiz de Curitiba. Ninguém sabe o nome do juiz. Isso é mais que prova que a postura ao longo do seu posicionamento lá era de sensacionalismo, de querer aparecer, se colocar como salvador da Pátria.
MORO: Não sei de onde tiraram isso do media training. Antes de ir para Davos este ano, por insistência do Planalto, fizemos. Foi uma tarde, uma conversa. Não foi por esta empresa ou valor mencionado. É maluco. Tenho dificuldade de responder esta afirmação. Senador, pode ter crítica à Lava Jato. Foi uma aplicação da lei. Vamos discutir os fatos. As pessoas têm direito a suas opiniões. Os fatos são os que estão ali.
OPÇÃO
A questão do papel de Moro no governo Bolsonaro foi, outra vez, bem colocada, pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP):
… eu continuo apoiando todas as operações de combate à corrupção, inclusive as que vierem a ocorrer neste Governo, porque, ao contrário do que o senhor disse em um momento aqui – não sei se foi erro de estilo de V. Exª… O senhor disse: “a corrupção estava disseminada”. O senhor colocou no pretérito imperfeito.
Ministro, o senhor me permita, há casos de corrupção no atual Governo, ao qual o senhor serve. Há um Ministro envolvido em um escândalo com laranjas. Há denúncias de utilização de caixa 2 em relação a outros Ministros. Enfim, há denúncias de todas as ordens. O Ministro do Meio Ambiente é denunciado por crime ambiental, e por aí vai.
Deixe-me lhe dizer, como apoiador da Operação Lava Jato que fui, que o senhor tinha dois caminhos: aqui, a história; aqui, a sua carreira. Eu sou historiador e posso lhe dizer uma coisa: não há, na história brasileira, notícia de ter havido nenhum juiz com o papel e o destaque que V. Exª teve. Talvez um jurista, Ruy Barbosa. Um juiz, não. O senhor poderia passar para a história, e considero isso relevante, como o principal personagem do combate à corrupção no País do século XXI e dos séculos anteriores. O senhor optou por servir a um governo, e, permita-me dizer, o governo mais desastrado,mais atrapalhado da história e que não é imune à corrupção.
Moro respondeu, outra vez, que entrou no governo para combater a corrupção…
Por agora, terminemos com a observação de que a insistência de Moro em que as mensagens são produto de “hackeamento ilegal” – o que as invalidaria – e seus ataques ao The Intercept Brasil se parecem, de maneira incômoda (para Moro), com as queixas de Lula sobre o vazamento de suas conversas com Dilma.
Mas o que vale para Lula, deve valer para Moro.
C.L.