Deputado assinava as contratações, inclusive de gente ligada à milícia, e embolsava o dinheiro criminosamente desviado do Poder Público para a quadrilha. Mentira de Queiroz em depoimento é motivo para sua volta à prisão
De dentro do presídio de Bangu 8, onde cumpria prisão preventiva, Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, disse, em seu depoimento ao Ministério Público do Rio – divulgado pela TV Globo – que deu satisfação de tudo que fazia a Flávio Bolsonaro. Ou seja, que o deputado não sabia de nada que ocorria em seu gabinete e só ficou sabendo por ele [Queiroz].
Ele se referia no depoimento à movimentação em sua conta de R$ 7 milhões entre 2014 e 2017, detectados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). A movimentação ilícita era referente à contratação fraudulenta de funcionários fantasmas pelo gabinete do deputado, que era feita com a assinatura do parlamentar.
Parte dos salários desses fantasmas era devolvida para o caixa central da organização criminosa. Queiroz tentou esconder que quem chefiava a “Orcrim” que atuava no gabinete era Flávio Bolsonaro.
O depoimento de Queiroz se referia também ao fato de que Raimunda Veras Magalhães e Danielle Nóbrega, respectivamente mãe e a mulher de Adriano da Nóbrega, chefe da milícia do Rio das Pedras e do Escritório do Crime, a central de assassinatos da milícia do Rio, eram contratadas como assessoras parlamentares do deputado, mas o deputado não sabia de nada.
E não eram quaisquer assessorias. Elas recebiam altos salários.
Flávio também “não sabia” que elas repassavam dinheiro tanto para o seu gabinete quanto para o próprio miliciano. Aliás, Adriano Nóbrega, beneficiário de parte dos salários, era o mesmo miliciano que tinha sido homenageado duas vezes pelo próprio Flávio com medalhas de honra ao mérito. Mais do que isso, Adriano da Nóbrega foi defendido enfaticamente, da tribuna da Câmara Federal, por ninguém menos do que o próprio Jair Bolsonaro.
Defesa de Adriano por Bolsonaro
Ou seja, Flávio Bolsonaro já havia mentido quando disse, em entrevista ao SBT, no dia 10 de janeiro de 2019, ao ser acossado pela mídia, que não sabia de nada obre os desvios na Alerj.
Na época Flávio Bolsonaro disse a seguinte frase: “Não sei o que as pessoas do meu gabinete fazem da porta para fora.” Ele só se esqueceu que essas operações a que Queiroz se referiu no depoimento, eram da porta para dentro e não “da porta para fora” do gabinete. Ninguém contratava dezenas de funcionários no gabinete à revelia do deputado.
Afinal, quem podia autorizar as contratações não era o Queiroz. Só o parlamentar podia fazer isso.
Em seu depoimento ao Ministério Público, o próprio senador, admitiu que não demitiu Queiroz. Pela versão do hoje senador, Queiroz saiu do gabinete porque quis. “Se não tivesse acontecido tudo aquilo, ele estaria comigo em Brasília”, disse Flávio.
“Quando ele pediu para sair, ele falou para mim duas coisas: ‘Chefe, eu vou, eu tenho que fazer meu processo de passagem para a reserva da Polícia Militar’. Ele parece que tinha… Quando estava à disposição na Assembleia, ele tinha que retornar à corporação. Aí ele aproveitava para tomar conta da saúde dele”, declarou Flávio. Queiroz saiu do gabinete em seguida à informação do delegado.
Em suma, Flávio não afastou e nem brigou com seu assessor. E mais, não foi o Queiroz quem entregou a Medalha Tiradentes ao miliciano Adriano da Nóbrega, por bravura em serviço. Isso após este ter matado um manobrista que ameaçou denunciar a extorsão levada a cabo quando o assassino ainda usava farda. Adriano recebeu a Medalha Tiradentes das mãos de Flávio quando estava preso pelo assassinato do manobrista em 2005.
E como mais uma prova de que o chefe era o deputado. Em maio deste ano, Flávio Bolsonaro defendeu o ex-assessor Fabrício Queiroz e o chamou de um “cara correto e trabalhador”. Isso depois dessa história toda da carochinha de que foi Queiroz quem contratou dezenas de funcionários fantasmas sem que o deputado soubesse de nada.
A declaração foi dada em um vídeo publicado nas redes sociais do senador em resposta ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Após ser alvo de uma operação da Polícia Federal naquele dia, Witzel disse que Flávio deveria estar preso.
“Você ficava ligando para o Queiroz, botava assessor para ligar para ele, para saber onde eu estava, para ir atrás de mim na campanha. Porque sabia que o Queiroz estava do meu lado, trabalhando, um cara correto, trabalhador, dando o sangue por aquilo que ele acredita”, disse Flávio.
“Queiroz estava do meu lado, trabalhando, um cara correto, trabalhador, dando o sangue por aquilo que ele acredita”, disse Flávio
Fabrício Queiroz falou ao procurador Eduardo Benones, do Ministério Público Federal do Rio. Contou que estava tudo certo para assumir um cargo com a família Bolsonaro em Brasilia após a eleição de 2018, que, para ele, Jair Bolsonaro venceria no primeiro turno.
O ex-assessor disse que acreditava que trabalharia com Jair ou com Flávio Bolsonaro. “Com um ou com outro”, respondeu, ao ser questionado pelo procurador. “Em Brasília?”, indagou Benones. “Era o certo, não é? Acho que sim. Só se eles não quisessem”.
Flávio Bolsonaro declarou em outubro do ano passado que Queiroz “não tem nenhum acesso ao meu gabinete”. “Não tenho mais nenhum tipo de contato com ele há quase um ano”, acrescentou o senador. Só que já estava circulando um vídeo de junho daquele ano, onde Queiroz aparece falando dos cargos em Brasília.
“Pô, cara, o gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores lá, pessoal pra conversar com ele. Faz fila. P…, é só chegar, meu irmão: ‘Nomeia fulano aí, para trabalhar contigo’. Salariozinho bom desse aí cara, pra gente que é pai de família, p…, cai como uma uva (sic)”, diz Queiroz na gravação.
A filha de Queiroz Nathalia Queiroz, que ocupou um cargo fantasma no gabinete de Jair Bolsonaro, chegou a reclamar à mãe, que seu pai falava demais. Que ele devia parar de falar.
O próprio Jair Bolsonaro, íntimo de Queiroz desde os anos 1980, também saiu em defesa do ex-assessor do filho, quando este foi preso escondido na casa do advogado da família, Frederick Wassef, em 18 de junho deste ano.
Bolsonaro defende Queiroz, quando este foi preso
O presidente afirmou no mesmo dia em que Queiroz foi preso, em transmissão ao vivo em uma rede social, que Fabrício Queiroz não estava foragido e que a prisão dele foi “espetaculosa”.
“Não sou advogado do Queiroz e não estou envolvido nesse processo. Mas o Queiroz não estava foragido e não havia nenhum mandado de prisão contra ele. E foi feita uma prisão espetaculosa. Já deve estar no Rio de Janeiro, deve estar sendo assistido pelo advogado, e a Justiça siga seu caminho.”, afirmou Bolsonaro na transmissão. Segundo o presidente, “parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra”.
A investigação segue, sobre o vazamento de informações da Operação Furna da Onça. A operação Furna da Onça foi deflagrada em 8 de novembro de 2018. A ação culminou na prisão de diversos parlamentares do estado do Rio e levou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a investigar as movimentações dos deputados.
Foi durante essa operação que os investigadores chegaram ao nome de Queiroz, suspeito de administrar um esquema de “lavagem de dinheiro” através do confisco de parte dos salários de servidores fantasmas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
SÉRGIO CRUZ