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Um mês depois, ele foi agraciado por Bolsonaro com indicação para chefiar a Polícia Federal. Documento era composto por afirmações sem provas
A PF (Polícia Federal) apreendeu documento mostrando que o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) o produziu para Jair Bolsonaro (PL), em março de 2020.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o dossiê secreto continha invencionices que visavam dar subsídio às ações para anular as investigações sobre “rachadinha” contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Esse crime de peculato, que é apropriação indébita por servidor público em benefício próprio ou de terceiros foi quando o senador era deputado estadual na Alerj (Assembleia Legislativa no Estado do Rio de Janeiro), entre 2003 e 2014. Em 2018, ele foi eleito senador da República.
O arquivo digital, apreendido recentemente com Ramagem, foi criado 1 mês antes de o então diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), hoje pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro, ser escolhido por Bolsonaro para comandar a PF.
MITOMANIA
O dossiê de Ramagem, intitulado “Bom dia Presidente”, era formado, em linhas gerais, por afirmações sem provas de que Flávio foi levado para o centro do escândalo das “rachadinhas” em decorrência de acessos ilegais de dados fiscais por parte de funcionários da Receita Federal. Foram reunidas informações de ao menos 3 desses servidores.
Essa tese, jamais provada, foi rechaçada oficialmente por investigação da Receita meses depois.
O bolsonarismo tem esse elemento de mitomania. Eles mentem tanto e inventam, indiscriminadamente, mentiras, que passam a acreditar nessas invenções. Isto é, na cabeça deles, as mentiras acabem virando “verdades”.
PF PARA USO PARTICULAR
A escolha de Ramagem para comandar a PF acabou sendo barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), após Bolsonaro afirmar que pretendia usar o órgão de investigação como produtor de informações para suas tomadas de decisão.
Morais viu na indicação desvio de finalidade do ato, “em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”.
Ramagem chefiou a segurança de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, tornou-se amigo da família, diretor-geral da Abin e, atualmente, é deputado federal pelo PL e conta com o apoio dos Bolsonaros para a disputa à Prefeitura do Rio de Janeiro.
No depoimento tomado no último dia 17 no âmbito das apurações da existência da “Abin paralela”, a PF apresentou a Ramagem o documento apreendido nos dispositivos eletrônicos dele.
AMNÉSIA SELETIVA
Diante do questionamento sobre qual era a motivação e a necessidade do presidente da República ser municiado pela Abin com informações relativas às investigações contra o filho mais velho, Ramagem ora respondera que não se recordava do documento, ora que costumava escrever textos de fontes abertas para comunicação de fatos de possível interesse de Bolsonaro.
Isso não significava, prosseguiu, que ele tivesse transmitido ao presidente da República “a totalidade ou parte dos argumentos que foram redigidos”.
Em manifestações anteriores e no depoimento à PF, Ramagem havia negado qualquer envolvimento com ilegalidades quando comandava a Abin. A defesa dele disse que ele não vai se manifestar neste momento. A defesa de Bolsonaro também não se pronunciou.
BLINDAGEM DE FLÁVIO
De acordo com as investigações da PF, o documento “Bom Dia Presidente” foi criado e alimentado por Ramagem de março de 2020 a março de 2021.
“Os metadados [do arquivo apreendido com Ramagem] indicam a construção do documento com as respectivas alterações para informar ao presidente da República sobre os auditores da Receita responsáveis pelo RIF [relatório de inteligência financeira] que deu causa à investigação do senador Flávio Bolsonaro”, registra o relatório da PF sobre o depoimento de Ramagem.
O dossiê apreendido aponta, sem provas, dúvidas em relação à Operação Armadeira, que, em outubro de 2019, havia prendido o auditor da Receita, Marco Aurélio da Silva Canal, sob suspeita de extorsão contra investigados na Operação Lava Jato.
Na versão do texto de Ramagem, a operação teria como motivação, na verdade, a tentativa de desviar o foco de servidores que fariam parte do grupo de acesso ilegais a dados fiscais de contribuintes, o que incluiria os de Flávio Bolsonaro.
ALVOS
O texto lista, então, informações sobre os então chefes do Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal (Escor07), Christiano Paes Leme Botelho, do Escritório de Pesquisa e Investigação da 7ª Região Fiscal (Espei07), Cleber Homen da Silva, além do então corregedor-geral da Receita, José Pereira de Barros Neto.
O documento relata que os chefes dos escritórios na Receita no Rio estavam no cargo há anos e que isso só seria possível por omissão do corregedor-geral.
Em razão disso, prossegue, seria necessário “o detalhamento das irregularidades com apuração especial do Serpro [o órgão que detém os dados do Fisco] e acompanhamento da Polícia Federal e do Ministério Público Federal em Brasília”.
Na época, o procurador-geral da República era Augusto Aras, indicado ao cargo por Bolsonaro e visto pela família presidencial como pessoa alinhada.
SEM PROVAS E MATERIALIDADE
O documento que a PF revela ter sido criado pelo então chefe da Abin, para municiar Bolsonaro de informações, prossegue, sempre sem apresentar provas, dizendo que a Operação Armadeira havia, certamente, pego alguns “fiscais ladrões”, mas que ela consistia, na realidade, em uma “operação de marketing” patrocinada pelos supostos algozes dos Bolsonaros na Receita.
Esse grupo de servidores, está escrito no documento, também seria composto pelo então secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto. Todos estariam “na marca do pênalti” para serem desmascarados por meio da apuração especial no Serpro.
“Estes necessitam, portanto, mostrar serviço e aparecer como combatedores de corrupção.”
TESE SEM FUNDAMENTO
A Receita de fato instaurou apuração sobre o caso, mas concluiu não haver fundamento na tese. Os três servidores da Receita também foram investigados, mas nada de irregular foi apontado.
Alvo da família Bolsonaro e do dossiê de Ramagem, o então chefe do Escor07, Christiano Paes Leme Botelho, acabou exonerado em dezembro de 2020. O secretário da Receita Tostes Neto foi exonerado em dezembro de 2021, também em meio a pressão dos Bolsonaros.
Ramagem e o ex-presidente estão no centro da apuração da PF sobre a existência da “Abin paralela” durante a gestão passada com o intuito de espionar ilegalmente adversários políticos, magistrados e jornalistas.
Na verdade, não havia “Abin paralela”. O que existia era o uso da estrutura pública para atender interesses particulares e privados da família.
PREGAÇÕES GOLPISTAS
Além do documento “Bom dia Presidente”, a PF encontrou com Ramagem arquivos em que o ex-diretor-geral da Abin fazia pregações contra a lisura do processo eleitoral brasileiro e favoráveis a rupturas.
E também dossiê de procuradores da República que seriam contrários a Bolsonaro e familiares.
Na avaliação de investigadores, o material colhido nas buscas realizadas reforça a suspeita de uso do órgão para a propagação de fake news e questionamento do resultado das eleições de 2022 por parte do ex-presidente.
M. V.