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O Ministério do Emprego e Trabalho (MTE) divulgou nesta semana uma lista recorde de empresas e pessoas condenadas por trabalho análogo à escravidão, a chamada “lista suja”, do trabalho com 204 nomes. Inclui dezenas de fazendas e empresas de agropecuária e alimentos, em sua maioria, mas também construção civil, confecções e pessoas físicas condenadas por manter trabalhadores domésticos em situação de escravidão.
Trata-se do maior número já registrado de entradas de pessoas físicas e jurídicas na base de dados criada em novembro de 2003, segundo o MTE. Com a atualização, o cadastro totaliza 473 empregadores autuados nos últimos anos e incluídos após exercerem e concluírem o direito de defesa.
Lançada há 20 anos, no primeiro governo Lula, a lista é atualizada semestralmente com a entrada e a saída de nomes – a última atualização foi em abril. Segundo as Nações Unidas, representa um dos principais mecanismos globais de combate à escravidão contemporânea.
Dentre as atividades econômicas mais comuns entre as empresas inseridas na atual versão, estão a produção de carvão vegetal (23), a criação de bovinos para corte (22), o trabalho doméstico (19), o cultivo de café (12) e a extração e britamento de pedras (11). Minas Gerais lidera a lista como o estado com maior número de empregadores incluídos, com 37, seguido por São Paulo (32), Bahia e Piauí (14), Maranhão (13) e Goiás (11).
Listada, a cervejaria Kaiser, uma das marcas do Grupo Heineken no Brasil, foi condenada por associação à transportadora Sider, autuada em 2021 por submeter 23 motoristas – 22 venezuelanos e um haitiano – a jornadas exaustivas, condições de trabalho e moradia degradantes. E ainda, por tê-los “arregimentados de forma fraudulenta e ilícita”, com promessas que não foram cumpridas, segundo os auditores fiscais.
A Sider, que atua no interior de São Paulo, foi contratada pela Kaiser para fazer o transporte dos produtos da cervejaria. A lei das terceirizações atribui a empresa contratante “garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato”.
Em março de 2021, os fiscais do Trabalho flagraram motoristas contratados pela transportadora atuando em turnos de até 18 horas diárias e sem descanso semanal remunerado. A empresa não forneceu espaço e os trabalhadores dormiam nos próprios caminhões em que trabalhavam, conforme prometido, de acordo com a autuação.
A auditoria descobriu ainda que a Sider cobrou, sem explicações aos trabalhadores, custos de nacionalização de documentos e registros para que os estrangeiros pudessem trabalhar no país.
Em nota, o grupo Heineken alegou que, na época da fiscalização, a empresa atuou para “dar todo apoio aos trabalhadores envolvidos e para garantir que todos os seus direitos fundamentais fossem reestabelecidos prontamente”. O texto acrescenta ainda que a transportadora não faz mais parte do quadro de fornecedores da companhia.
PRECARIZAÇÃO
O ministro Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) responsabilizou as leis de terceirização aprovadas em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) pelo “aumento brutal” de precarização e do trabalho degradante. “Levou a um processo brutal de precarização e aumentou o trabalho análogo à escravidão”, disse Marinho durante um evento promovido pela CSB (Central dos Sindicatos Brasileiros) nesta sexta-feira (06).
“Ah, mas ninguém foi chicoteado. Só está faltando isso. Só está faltando amarrar no tronco e chicotear, porque o resto…”, declarou.
Marinho já havia criticado em setembro a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que em 2018, por por 7 votos favoráveis e 4 contrários, tornou constitucional as leis da terceirização.
O ministro disse que não se pode fazer um “revogaço” da reforma trabalhista. Mas, segundo ele, alguns “retrocessos” são focos da atuação do governo federal – e citou como exemplo os trabalhadores por aplicativos.
“Eu pergunto para esse pessoal [que trabalha em aplicativos]: você deseja previdência? ‘Sim’. Quer férias? ‘Claro’. Quer 13º [salário]? ‘Pelo amor de Deus’. Quer proteção social? ‘Claro’. Você quer ter o direito de não precisar fazer uma jornada de 18 horas por dia para conseguir levar alguma coisa para casa? ‘Claro, quanto menos trabalhar com um resultado melhor, melhor’. A soma desses desejos está representada onde? Na CLT”, ressaltou.
O ministro conclamou à sociedade a refletir. “[O trabalhador] está tendo o mesmo direito de levar essa comida para sua família?”. “A sociedade tem de refletir se um garoto ou uma garota lhe entregando uma comida quentinha em minutos, se ele está sendo bem remunerado, se está tendo o mesmo direito de levar essa comida para sua família.
“Ou não importa? O meu bem-estar pode ser servido pelo trabalho análogo à escravidão? Por um trabalho ultra precário? É isso que a sociedade brasileira pensa? Não acredito”, questionou.
O auditor fiscal Matheus Viana, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo do MTE, defende que o cadastro na “lista suja” continua sendo “uma importante ferramenta de transparência” para a sociedade. Para ele, o número recorde de novas inserções reflete “o compromisso da Inspeção do Trabalho em erradicar o trabalho escravo”.