A Polícia Civil do Rio Grande do Sul indiciou seis pessoas por homicídio doloso triplamente qualificado no caso da morte de João Alberto Silveira Freitas, o Beto, de 40 anos, que foi espancado até a morte por dois seguranças do Carrefour, em Porto Alegre, em 19 de novembro, na véspera do Dia da Consciência Negra.
Dois seguranças, sendo um deles policial militar na época, além de uma fiscal, vão responder pelo crime. Outro vigilante e dois funcionários do supermercado que participaram da ação também serão indiciados. A conclusão da investigação foi divulgada nesta sexta-feira em entrevista coletiva realizada no Palácio da Polícia, em Porto Alegre.
A titular da 2ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegada Roberta Bertoldo, pediu a prisão preventiva de quatro envolvidos e manutenção da detenção dos dois seguranças Giovane Gaspar da Silva e Magno Braz Borges. A fiscal Adriana Alves Dutra já estava presa temporariamente.
Conforme a investigação, os depoimentos de testemunhas não permitiram que a equipe de investigação descobrisse o motivo da reação violenta e agressiva contra a vítima, que por sua vez não teve comprovada nenhuma irregularidade cometida dentro do supermercado. O inquérito, com 70 páginas, foi enviado ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.
Já o laudo do Instituto-Geral de Perícias apontou que a causa da morte foi mesmo asfixia mecânica por sufocação indireta. Segundo o diretor do Departamento Médico-Legal do IGP, Eduardo Terner, esse tipo de asfixia ocorre quando existe peso sobre a região torácica ou lombar, que perturba o mecanismo de respiração e impede a expansão do tórax.
Veja os nomes dos indiciados:
- Giovane Gaspar da Silva, segurança autor da agressão
- Magno Braz Borges, segurança autor da agressão
- Adriana Alves Dutra, funcionária que tenta impedir gravação e tem, segundo a polícia, comando sobre os demais funcionários
- Paulo Francisco da Silva, funcionário da empresa de segurança Vector que impede acesso da esposa à vítima que agonizava
- Kleiton Silva Santos, funcionário do mercado que auxilia na imobilização da vítima
- Rafael Rezende, funcionário do mercado que auxilia na imobilização da vítima
DESUMANO E DEGRADANTE
De acordo com o inquérito, os depoimentos mostraram que houve indiferença dos funcionários vinculados ao Carrefour e à empresa de segurança Vector quanto às ações que cometiam contra a vítima.
Para a polícia, além dos seguranças agressores, os outros quatro indiciados contribuíram para a morte por manterem os populares e a esposa da vítima afastados, inviabilizando qualquer ajuda à vítima.
“A vítima não apresentava sinais vitais, Giovane, Magno, Adriana e Paulo se mantiveram inertes, mesmo tendo uma unidade hospitalar próxima, ou seja, distante apenas 1,2 km, ou a três minutos dali. E, mesmo assim, aguardou-se equipe do Samu que chegou ao local 14 minutos após ser cientificada”, cita trecho do inquérito.
A investigação avaliou que “é indubitável” que os funcionários do supermercado e da empresa de vigilância “extrapolam o que lhes permite a legislação brasileira”. Sobre Giovane Gaspar da Silva, então policial militar temporário, o inquérito revela que o mesmo, depois de levar um soco, precisava conter a vítima até a chegada da Brigada Militar (como é chamada a polícia militar gaúcha) porque pretendia “representar” contra ele.
“Age, portanto, como militar”, observou Roberta Bertoldo. “Inequívoco que traz empoderamento ao indivíduo”, assinalou a delegada no inquérito, referindo à função de vigilância ser exercida ao mesmo tempo por um policial. O soco da vítima teve “uma afronta maior” pelo fato do brigadiano temporário “estar empoderado na função pública que exercia fora do mercado”. Houve a constatação de que atividade de segurança privada que é proibida pela BM.
No relatório, Roberta Bertoldo considerou que o “tratamento dispensado a João Alberto foi desumano e degradante no exato sentido de seus termos”.
Na sua avaliação, a vítima foi submetida a “posição humilhante e afrontosa de sua dignidade em frente a inúmeros populares que ali assistiam incrédulos o que se passava”. A colocação da vítima no chão de um estacionamento foi uma “evidente posição de submissão, por tempo necessário a ter encerrada sua vida”.
“Não se encontram justificativas capazes de explicar as ações de violência contra ele cometidas não só por quem o agrediu fisicamente, mas, também, por quem deu suporte a tais condutas, omitindo-se em fazer cessá-las”, enfatizou a delegada Roberta Bertoldo.
Agravante de injúria racial negado
A agravante de injúria racial não foi incluída apesar da titular da 2ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa, delegada Roberta Bertoldo, avaliar que a atitude dos agressores foi motivada por racismo estrutural. Os depoimentos de testemunhas não permitiram que a equipe de investigação descobrisse o motivo da reação violenta e agressiva contra a vítima. Cerca de 40 pessoas foram ouvidas no inquérito.
“Nós fizemos uma análise conjuntural de todos os aspectos probatórios e doutrinários e concluímos, portanto, que o racismo estrutural que são aquelas concepções arraigadas na sociedade foram sim, fundamentais, no determinar da conduta dessas pessoas naquele caso. Sejam elas, de que cor forem, já que entre os seis, existiam também pessoas negras, e portanto, tiveram também, a mesma forma de comportamento. Ou seja, arraigado dentro do seu íntimo, concepções já antigas de discriminação por conta, não só, da sua cor de pele, da cor de pele da vítima, no caso. Mas também pela sua condição socioeconômica. Nós entendemos que, uma outra pessoa estando naquele momento, naquele lugar, poderia ter uma tratamento diferenciado”, disse a delegada Roberta Bertoldo.