Salles compõe a chamada “ala ideológica” do governo. Assim, suas atitudes geram regozijo no Planalto e causam repulsa no Parlamento
Blindado por deputados bolsonaristas, em particular a presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, Carla Zambelli (PSL-SP), o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles esteve, nesta segunda-feira (3), em audiência pública no colegiado e tentou refutar a imagem do Brasil como “pária ambiental”. Segundo o ministro, há avanços em acordo com os Estados Unidos.
O ministro falou de elogios internacionais ao anúncio, feito na recente cúpula climática promovida pelos Estados Unidos, de que o Brasil vai eliminar o desmatamento ilegal até 2030 e atingir a neutralidade climática em 2050. Ricardo Salles citou reuniões periódicas com o principal negociador norte-americano para assuntos climáticos, o ex-secretário de Estado John Kerry. A manifestação não confere com a realidade. Basta conferir os cortes no orçamento.
“O governo brasileiro estabeleceu uma boa relação com o governo do presidente Biden, com discussões semanais com conteúdo e técnica, construindo uma possibilidade de acordo não só para o combate ao desmatamento ilegal, mas também para as questões climáticas do planeta”, afirmou.
Segundo o ministro, o Brasil espera cerca de US$ 1 bilhão do pacote de US$ 20 bilhões que o presidente Joe Biden anunciou para ajuda internacional em temas climáticos. Salles lamentou atrasos na regulamentação de instrumentos internacionais de financiamento, como o mercado de carbono, no qual o País já teria acumulado crédito de US$ 133 bilhões, pelos cálculos do ministro. Ele atribuiu a imagem de “pária ambiental” ao que chamou “detratores públicos”, “ambientalistas de palanque” e “pseudoacadêmicos” que “denigrem” o país no exterior.
NOTÍCIA-CRIME
Na audiência, deputados da oposição questionaram o ministro sobre notícia-crime contra ele, a que se recusou a responder. Blindado, por decisão da deputada Carla Zambelli, o ministro se limitaria a responder apenas sobre temas previstos no requerimento da audiência pública.
No entanto, vários deputados questionaram Salles sobre a notícia-crime que o acusa de favorecer uma organização criminosa, advocacia administrativa e obstrução de fiscalização no âmbito da Operação Handroanthus, da Polícia Federal, responsável pela apreensão de 213 mil m³ de madeira ilegal entre Amazonas e Pará, no final do ano passado.
A denúncia partiu do ex-superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, e deve ser investigada pela PGR (Procuradoria Geral da República) por decisão da ministra Carmen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal).
RECOMPOSIÇÃO DO ORÇAMENTO
Durante a audiência, o ministro disse que os cortes no orçamento do Ministério do Meio Ambiente fragilizam a atuação da pasta e pediu que deputados destinem dinheiro das emendas parlamentares para recompor o orçamento do Ministério.
No orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para 2021, R$ 677,5 milhões estavam destinados à área ambiental, valor que foi reduzido para R$ 457,4 milhões, segundo dados compilados pelas Consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado Federal. Segundo o Ministério da Economia, esse valor refere-se às emendas dos parlamentares destinadas ao meio ambiente cujos valores foram ampliados durante a tramitação final da peça orçamentária do ano passado.
Questionado sobre a redução da verba destinada à pasta, o ministro afirmou que a grande redução orçamentária da área se deu entre os anos de 2013 e 2015, durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff.
“Isso se reflete evidentemente na fragilização da capacidade de atuação dos órgãos ambientais, inclusive com a incapacidade de abertura de vagas e reposição de falta de quadros em razão de pessoas que se aposentam, falecem, mudam de profissão e por razões pessoais ou não acabam deixando os órgãos públicos”, disse Salles.
PROVOCAÇÃO E DISCUSSÃO
Durante a sessão, Salles fez provocação ao deputado Paulo Guedes (PT-MG), o que gerou protestos de deputados e pedidos de “respeito”.
Ao se referir à recomposição de recursos orçamentários do ministério, Salles afirmou que isso está sendo feito “pelo outro Paulo Guedes, aquele que é competente e prestigiado pela sociedade brasileira”.
“Aliás, cada um tem o que merece, o Paulo Guedes que merece”, afirmou em nítida provocação à oposição, em particular ao deputado do PT.
Deputados de oposição protestaram e passaram a se manifestar em cima da fala de Salles, que tentava continuar. O ministro foi chamado do “cínico” e disse que “quando a gente fala o que quer ouve o que não quer”.
CORTES COMEÇARAM NO PRIMEIRO ANO DE BOLSONARO
Em 2019, o governo cortara R$ 187 milhões do MMA. A fiscalização do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) perdeu 24% do orçamento. O combate às mudanças climáticas foi cortado em 95%. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) teve maior parte do corte na criação e gestão das Unidades de Conservação.
Ao todo, a pasta ambiental perdeu 23% da sua verba para despesas discricionárias, ou seja, a verba que o órgão tem liberdade de decidir como gastar. Foram R$ 187,4 milhões do orçamento congelados pela equipe econômica do governo, num esforço, segundo o governo, para adequar as contas às metas de resultado primário e teto de gastos. Montante de R$ 29,6 bilhões de recursos da União foram congelados na época.
Segundo dados fornecidos pela bancada do PSol na Câmara e veiculados pelo portal ECO, especializados em notícias relativas ao meio ambiente, as perdas da pasta em 2019 foram as seguintes:
MMA
- iniciativas para Implementação da Política Nacional sobre Mudança do Clima com corte de R$ 11.274.719 – redução de 95% do orçamento do programa; e
- apoio à implementação de Instrumentos Estruturantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos R$ 6.434.926 – redução de 83% do orçamento do programa.
IBAMA
- Gestão do Uso Sustentável da Biodiversidade, com corte de R$ 18.747.992 – redução de 69% do orçamento do programa;
- Avaliação de Periculosidade e Controle de Produtos, Substâncias Químicas e Resíduos Perigosos, com corte de R$ 1.500.000 – redução de 60% do orçamento do programa;
- Construção da Sede do Centro Nacional de Prevfogo (Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais), com corte de R$ 1.085.000 – redução de 50% do orçamento do programa;
- Monitoramento Ambiental e Gestão da Informação sobre o Meio Ambiente e Educação Ambiental, com corte de R$ 4.517.295 – redução de 50% do orçamento do programa;
- Licenciamento Ambiental Federal, com corte de R$ 3.328.117 – redução de 43% do orçamento do programa;
- Prevenção e Controle de Incêndios Florestais nas Áreas Federais Prioritárias, com corte de R$ 17.500.000 – redução de 38% do orçamento do programa;
- Controle e Fiscalização Ambiental, com corte de R$ 24.880.106 – redução de 24% do orçamento do programa; e
- Administração da Unidade, com corte de R$ 28.655.365 – redução de 16% do orçamento da ação.
ICMBio
- Apoio à Criação, Gestão e Implementação das Unidades de Conservação Federais, com corte de R$ 45.065.173 – Redução de 26% do orçamento da ação.
- Administração da Unidade, com corte de R$ 15.118.383 – redução de 22% do orçamento da ação;
- Execução de Pesquisa e Conservação de Espécies e do Patrimônio Espeleológico, com corte de R$ 3.603.23 – redução de 19% do orçamento da ação;
- Manutenção de Contrato de Gestão com Organizações Sociais (Lei 9.637, de 15 de maio de 1998), com corte de R$ 238.520 – redução de 17% do orçamento da ação; e
- Fiscalização Ambiental e Prevenção e Combate a Incêndios Florestais, com corte de R$ 5.482.012 – redução de 20% do orçamento do programa.
Como se vê, a raquitização dos recursos do MMA, se começou com Dilma entre 2013 e 2015, não foi interrompida na gestão Bolsonaro. Pelo contrário, aprofundou-se.
M. V.