Na noite de segunda-feira (31), sambistas e trabalhadores do carnaval de São Paulo se reuniram no bairro da Luz para debater as saídas para os problemas gerados por dois anos de adiamento do carnaval. A reunião, organizada pelo Comitê de Cultura do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) da capital paulista, reuniu entidades que representam bandas e blocos para buscar um caminho para aplacar a vulnerabilidade a que estão expostos os trabalhadores da maior festa brasileira.
A reunião contou com a participação do deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) e de representantes do mandato da deputada estadual Leci Brandão, grande figura do samba e da música popular brasileira. Também esteve presente na atividade Moisés da Rocha, criador e apresentador de um dos mais conhecidos programas de samba nas rádios, “O Samba pede passagem”, no ar há mais de 40 anos.
A reunião contou, ainda, com Rozina Conceição de Jesus, vice-presidente municipal do PCdoB; Mariara Cruz, secretária Municipal de Cultura do partido; Railidia Carvalho, presidente do Comitê de Cultura, além de Elder Vieira, secretário de Formação do PCdoB no estado.
Na abertura das atividades, Tito Trigo, representando o Comitê, falou da importância de se reunir, numa mesma atividade, entidades de peso do carnaval paulista com diversos segmentos para tratar do momento delicado por que passam os trabalhadores do carnaval.
ADIAMENTO
“Quando o carnaval foi adiado surgiu esse questionamento de como esses trabalhadores vão ficar. Porque, inicialmente, eles iriam acabar as atividades em fevereiro e esse período foi prolongado até abril sem perspectiva de qualquer sustentação financeira para essas pessoas conseguirem se manter. O carnaval de 2022, para as escolas de samba, é o de 2021. Pois as agremiações estão trabalhando há dois anos com o mesmo orçamento. Como as pessoas, os músicos, os artesãos vão sobreviver nesse período?”, afirmou Tito.
Os desfiles das escolas de samba de São Paulo estavam marcados, inicialmente, para os dias 25, 26, 27 e 28 de fevereiro, com o desfile das campeãs no dia 5 de março. Contudo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciou, na noite da sexta-feira (21), o adiamento dos desfiles para o feriado prolongado de Tiradentes, a partir de 21 de abril, uma quinta-feira.
“Carnaval é sinônimo de resistência, porque quando está tudo contra, parece que vai acabar de vez, mas não acaba não. Esse é um pouco da tradição da cultura popular, da cultura negra, da cultura do carnaval. Não é por acaso que alguém disse que ‘quem começou a Covid no Brasil foi o carnaval’, essa conversa teve no país. Faz parte dessa tentativa de desconstrução daquilo que é popular, daquilo que é feito pela nossa gente. Temos que enfrentar essa destruição e afirmar que nossa identidade também passa pelo carnaval”, disse Orlando Silva, afirmando que “é hora de ajudar as pessoas que precisam e nosso mandato está à disposição para pôr de pé o que precisa pôr de pé”, afirmou Orlando.
DIÁLOGO
Representando o mandato da deputada Leci Brandão – que não pôde estar presente por fazer parte do grupo de risco – o assessor, Jorge Luiz, o Saracura, afirmou que a atividade abre mais um espaço de diálogo para solucionar as dificuldades por que passa o carnaval em São Paulo, problemas antigos que se agravaram com a pandemia.
“Há muito que temos os mesmos problemas, eu sou apenas uma pessoa que se doou para a escola de samba, para o carnaval, imagino aquelas pessoas que dependem exclusivamente do carnaval. Quem sabe melhor do problema são os gestores, são os diretores de carnaval que estão ligados direto a eles. Com a Lei Aldir Blanc pudemos auxiliar algumas pessoas e entidades para que tivessem acesso a esse benefício, mas agora estamos com o mesmo problema”, disse Saracura.
“Nós construímos com o mandato uma frente parlamentar em defesa do carnaval, essa frente parlamentar tem entre seus objetivos fazer com que o carnaval aconteça nas cidades do interior e do litoral. Com a chegada da pandemia demos uma desacelerada, porque surgiram outras prioridades na defesa da vida. Para conseguir socorrer os trabalhadores, o mandato da nossa querida Leci Brandão está à disposição e essa Frente Parlamentar necessita de força e contamos com os senhores e senhoras”, completou.
Kaxitu Ricardo Campos, presidente da Federação Nacional das Escolas de Samba (Fenasamba), ressalta que “estamos vivendo um momento de muito preconceito de um viés racista porque estamos falando das escolas de samba. A escola de samba é uma cultura negra e, por isso, surgem os problemas e ataques que estamos enfrentando”, disse o presidente da Fenasamba.
Para Kaxitu, é preciso pensar uma solução uma vez que “a cadeia produtiva do carnaval se mobiliza em torno dos desfiles de carnaval. Então se não tem desfile, não tem trabalhador do carnaval. Então precisamos, primeiramente, fazer uma defesa clara das escolas de samba como uma propriedade cultural do nosso país, mas também como uma atividade econômica importante”, completou.
Antes do adiamento, a orientação do governo do Estado de São Paulo, do dia 12 de janeiro, era para que os municípios reduzissem em 30% a presença de público em eventos esportivos, musicais e atividades em geral que possam provocar aglomerações. A mudança se deu em momento de alta no número de casos de Covid-19, mas não foram divulgadas medidas para socorrer os trabalhadores do carnaval que perderão renda com a mudança de data.
Demis Roberto, vice-presidente da União das Escolas de Samba Paulistas (UESP), afirmou que, “infelizmente, muitos só lembram das escolas de samba no carnaval, mas o carnaval não é sazonal. Os sambas são compostos cinco ou seis meses antes e os compositores não compõem só porque gostam, mas também porque precisam e não receberam o direito autoral que não foi pago porque o samba não foi para a avenida. Fora isso, nós temos a cozinheira do barracão que trabalha o ano inteiro, porque alguém que vai lá no barracão precisa comer. Todas essas pessoas não receberam nada”.
“Se formos pensar na costureira, na pessoa que tem a loja que vende tinta para o carnaval. Quantas lojas no Bom Retiro, na 25 de março, fecharam porque eram lojas especializadas em carnaval? Porque dois anos sem carnaval não tem como sustentar. Precisamos fazer algo para esses trabalhadores urgente”, completou.
Osmar Costa, vice-presidente da Rosas de Ouro, afirmou que é preciso “criar uma política um pouco mais séria a longo prazo e que tenha um objetivo fim. Porque hoje o que está acontecendo é que as escolas e blocos de carnaval, que são manifestações culturais, não estão nem na pasta de Cultura. Cada hora colocam a gente em um lugar e acabamos sem uma referência. Eu acho que a cidade de São Paulo precisa ter um departamento que cuide do carnaval, eu apresentei essa proposta para o Haddad quando ele era prefeito, mas não consegui”.
Zeca Dal Secco, presidente da Associação das Bandas e Blocos Carnavalescos (ABBC) e Candinho Neto, diretor da Banda do Candinho, falaram sobre o caso dos blocos que sequer receberam a verba para os desfiles. “Mas a questão é que nem temos a resposta para saber se poderemos desfilar no carnaval, no Memorial da América Latina. Esse é o tratamento que recebemos dos órgãos que deveriam cuidar do carnaval”, disse Zeca.
Os representantes dos Blocos pediram apoio para garantir que a verba chegue aos blocos carnavalescos. “Pedimos que este coletivo possa nos apoiar nesse pedido”, disse Candinho.
PANDEMIA
Os sambistas lembraram o importante papel das escolas de samba no combate a pandemia, construindo ações de solidariedade em diversas regiões com a fabricação e distribuição de máscaras e cestas básicas nas comunidades da periferia da cidade.
“Logo que iniciou a pandemia as escolas recolheram suas atividades e foram muito rápidas na ajuda às comunidades. Talvez seja o segmento da cultura que mais se organizou, se estruturou para trabalhar nas comunidades. A máscara foi o primeiro sinal da atuação da escola de samba. Logo quando surgiu a pandemia, um dos problemas era a máscara que tinha um custo altíssimo e só era usada no ambiente hospitalar e a gente precisava reproduzir em massa para a população. As escolas de samba foram pegar materiais do carnaval dentro de seus barracões para produzir para as comunidades. Depois surgiu a questão da fome e as escolas foram ajudar as pessoas dos barracões e da comunidade em si”, lembrou Kaxitu.
RODRIGO LUCAS PAULO