Com as alterações, PEC volta para a Câmara. Proposta é a principal aposta do governo para bancar Auxílio Brasil. Texto limita pagamento anual das dívidas da União e muda período de inflação para cálculo do teto de gastos
O texto chancelado em dois turnos inviabiliza, segundo o senador José Aníbal (PSDB-SP), o chamado “orçamento secreto”, pois todo o recurso que vai ser viabilizado com a proposta será empregado na agenda social, que envolve o Auxílio Brasil, Saúde, Previdência e Assistência Social.
Assim, o Senado aprovou, nesta quinta-feira (2), a PEC dos Precatórios. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 23/21, conhecida como PEC das pedaladas, foi aprovada, no 1º turno, por 64 votos a 13 e 2 abstenções.
Em seguida, em nova votação, a proposta foi chancelada, em 2º turno, por 61 a 10 e 1 abstenção. Como houve alterações no texto, a matéria terá de voltar para novas votações na Câmara dos Deputados.
Desse modo, com o novo texto, o governo e setores do Centrão alinhados com o Planalto foram derrotados na questão do “orçamento secreto”.
Segundo consta, as alterações tiveram aval da equipe econômica e da Casa Civil. E imporão que o texto aprovado volte ao exame da Câmara dos Deputados, já que para ir à promulgação, as duas casas legislativas — Câmara e Senado —, têm de aprovar o mesmo texto ipsi litteris.
Precatórios são dívidas da União reconhecidas pela Justiça. Entre outros pontos, a proposta limita o pagamento anual das dívidas da União reconhecidas pela Justiça e altera o período de cálculo de inflação que reajusta o teto de gastos.
ALTERAÇÕES
Após reunião com senadores críticos à PEC, o líder do governo no Senado e relator da PEC, Fernando Bezerra (MDB-PE), anunciou quatro pontos com “acordo de mérito”:
1) limitar o pagamento de precatórios até 2026, e não mais até 2036; 2) carimbar todo o espaço fiscal da proposta, e não apenas parte da folga, para o Auxílio Brasil e despesas previdenciárias; 3) retirar a securitização da dívida ativa; e 4) garantir o pagamento de precatórios priorizados com a retirada das despesas ligadas ao antigo Fundef do teto de gastos
CRÍTICAS AO TEXTO
“Nós continuamos com divergências de mérito no tocante à forma escolhida pelo governo para abrir espaço fiscal para atendimento das necessidades que temos, mas a fome não espera, o desespero da miséria não espera, discurso politicamente correto de político não enche barriga”, criticou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
“E nós conseguimos, com muito cuidado, com muita técnica, reduzir os danos que poderiam ser causados à credibilidade e ao sistema econômico brasileiro”, destacou Vieira.
“Em particular, destaco que o risco da criação de uma bola de neve com o calote de precatórios foi extremamente diminuído na medida em que se colocou um limitador temporal, esse subteto vai apenas até o ano de 2026, e se retirou, desse subteto e do próprio teto de gastos, o pagamento dos precatórios do Fundef”, lembrou.
REDUÇÃO DAS DÍVIDAS JUDICIAIS
Bezerra afirmou que o acordo negociado vai permitir a redução do volume de dívidas judiciais adiadas em 2022, mas sem mexer no limite para o pagamento de precatórios imposto pela PEC.
Essa reformulação, de acordo com o relator, vai ser possível com a retirada dos precatórios ligados ao antigo Fundef do teto de gastos e do sublimite para o pagamento das sentenças judiciais.
“O governo está mantendo a estrutura da sua proposta, que é a abertura do espaço fiscal ser feita pela criação do subteto dos precatórios e através da sincronização das despesas obrigatórias com a correção do teto, que estão sendo feitas agora no mês de dezembro”, disse Bezerra.
AJUSTES NO TEXTO
O senador José Aníbal (PSDB-SP) afirmou que os ajustes na PEC garantirão que R$ 44 bilhões em precatórios sejam pagos em 2022 dentro do limite, incluindo os oriundos de RPV (requisições de pequeno valor), pessoas com deficiência e idosos e os de natureza alimentícia.
Com esse cálculo e a retirada das despesas ligadas ao Fundef do limite, ficariam R$ 34 bilhões para anos seguintes. Para Aníbal, o desenho “amarra” a proposta sem deixar espaço para farra eleitoral no próximo ano. “Não há nenhum espaço na nossa proposta para orçamento secreto”, disse o senador tucano.
APOSTA REELEITORAL
A PEC é a principal aposta do governo para bancar o programa social Auxílio Brasil. A equipe econômica afirma que, se aprovada, a proposta deve abrir espaço superior a R$ 106 bilhões no orçamento.
O texto já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, na última terça-feira (30), passou na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
No mesmo dia da aprovação na CCJ, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a PEC dos Precatórios é a opção “menos ruim” para o Brasil no momento.
Cálculo da IFI (Instituição Fiscal Independente), vinculada ao Senado, afirma que a PEC dos Precatórios pode gerar “bola de neve” de R$ 850 bilhões em precatórios não pagos até 2026.
ARTICULAÇÃO PARA APROVAR PEC
A proposta foi aprovada pela Câmara em 9 de novembro. Desde então, foi alvo de diversas discussões no Senado.
Relator da PEC, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE) teve série de reuniões com senadores da base e da oposição em busca de um consenso e, até a véspera da votação, apresentou diversas versões sobre o texto.
O principal ponto acordado foi a vinculação de todo o espaço fiscal aberto com a PEC para fins sociais, como: financiamento do programa social; Saúde; Previdência; Assistência Social.
AUXÍLIO BRASIL PERMANENTE
Atendendo a exigência de diversos senadores, Bezerra incluiu na PEC a previsão de a Constituição especificar que “a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza” deve ser objetivo da assistência social prestada a quem dela necessitar.
De acordo com o relator, essa medida dará caráter permanente ao Auxílio Brasil, algo que o governo e sua equipe econômica não aceitavam.
A definição de que o Auxílio Brasil não seria transitório foi uma exigência de senadores durante as negociações de Bezerra para aprovação da PEC. Os parlamentares apontavam a possibilidade de o programa ter fins eleitoreiros e durar somente até 2022.
Além disso, a pedido da oposição, a PEC prevê incluir na Constituição que “todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda”.
Nesta quinta-feira, o relator também acrescentou a previsão de que até o final de 2026 o espaço fiscal decorrente da limitação do pagamento de precatórios será usado no programa social e em Seguridade Social.
COMISSÃO MISTA
Bezerra também incluiu no relatório a criação de comissão mista no Congresso, composta por deputados e senadores, para fazer análise sobre o pagamento dos precatórios no prazo de um ano.
O colegiado contará com a cooperação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e com o apoio do TCU (Tribunal de Contas da União) e terá, entre as atribuições, apurar o desempenho dos órgãos do Executivo responsáveis pela representação judicial e pelo acompanhamento dos riscos fiscais decorrentes das ações judiciais em curso.
As conclusões da comissão devem ser encaminhadas aos presidentes do STF (Supremo Tribunal Federal) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
M. V.