O depoimento do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha ao juiz federal Sérgio Moro, na quarta-feira (31), foi marcado pela tentativa da defesa de postergar indefinidamente o processo. Logo no início do audiência, um dos advogados de Cunha chegou a bater boca com Moro, ao se queixar do não adiamento do depoimento.
O interrogatório ocorreu no âmbito da ação penal em que o ex-deputado é acusado de desvios na contratação de navios-sonda pela Petrobrás.
A denúncia foi apresentada em 2016 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, quando Cunha ainda era deputado. Ele e outros agentes políticos do então PMDB (hoje MDB) são acusados de receberem recursos provenientes de corrupção nos contratos da estatal com as empresas Shain, Toyo e Mitsui relativos aos navios sonda Vitória 10.000 e Petrobrás 10.000. Por esses contratos, Cunha recebeu US$ 5 milhões (R$ 18,4 milhões), segundo a denúncia.
Na mesma ação, Cunha é acusado de editar requerimentos na Câmara dos Deputados para pressionar a Mitsui, que não estaria em dia com as propinas devidas.
Segundo o Ministério Público Federal, um dos indícios da participação do parlamentar no esquema de desvios foi a apresentação, pela ex-deputada Solange Almeida (MDB), ex-prefeita de Rio Bonito (RJ), de dois requerimentos na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara. A iniciativa visava pressionar o pagamento de propinas atrasadas.
O depoimento deveria ter acontecido em outubro, mas foi adiado por Moro a pedido da defesa. Na ocasião, os advogados alegaram que um laudo complementar sobre uma perícia feita em um celular de Cunha ainda não havia sido entregue pela Polícia Federal. Um defensor do ex-deputado causou irritação no juiz, quando pediu que o interrogatório fosse adiado mais uma vez.
O advogado alegou não ter tido tempo para discutir a estratégia de defesa com o ex-deputado às vésperas do interrogatório. “Em um processo que tem mais de dois anos, quase três anos de trâmite, a defesa argumentar que não teve tempo de conversar com o cliente é um total disparate, com todo o respeito”, retrucou Moro.
“Eu falei que não tive tempo de conversar nas vésperas”, respondeu o advogado. O juiz observou que a defesa deveria se “programar melhor” para fazer contato com seu cliente. “Não precisa ir na véspera. Pode ir na antevéspera, na semana passada. É um disparate isso, essa argumentação da defesa. Está indeferido, doutor”.
O depoimento prosseguiu, com o réu negando todas as acusações, que alegou serem falsas. Cunha respondeu perguntas sobre sua relação com os lobistas Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano – operador do PMDB, e Julio Camargo, delatores do esquema que confessaram ter intermediado o pagamento de propinas ao então deputado. Ele sugeriu que ambos mentiram em seus depoimentos.
Ao longo da audiência, Sérgio Moro fez uma série de questionamentos a respeito de trocas da mensagens telefônicas obtidas pelo Ministério Público após apreensão do aparelho e quebra do sigilo telefônico do ex-deputado. A defesa de Cunha orientou o réu a não responder a questionamentos sobre tais mensagens, interrompendo o juiz a cada pergunta sobre o tema.
“A defesa tem um comportamento ofensivo e afrontoso à Justiça”, disse Moro ao advogado. O magistrado considerou “inapropriada” a “interferência indevida da defesa em quase toda questão do juízo” e deixou de fazer perguntas, passando a palavra ao representante do Ministério Público.
Esta é a segunda ação penal que Cunha responde na Lava Jato. Na primeira, ele foi condenado a 15 anos e quatro meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A pena foi depois reduzida para 14 anos e seis meses pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Ele está preso na região metropolitana de Curitiba desde 19 de outubro de 2016.
W. F.