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O depoimento foi recheado de incoerências. Os senadores exploraram e confrontaram o que pareceu embromação do depoente. Ficou evidente, para eles, que Blanco estava diretamente envolvido do esquema suspeito de compra e venda de vacinas
Este segundo depoimento à CPI da Covid-19 no Senado, no retorno aos trabalhos após o recesso parlamentar, foi relativamente tranquilo.
Depôs na comissão, nesta terça-feira (4), o tenente-coronel da reserva do Exército, Marcelo Blanco da Costa, ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, em atendimento ao requerimento do Senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Exonerado da pasta em janeiro, o militar da reserva participou do jantar ocorrido em restaurante localizado em shopping em Brasília, dia 25 de fevereiro de 2021, cujo propósito era negociar compra e venda de vacinas superfaturadas, numa espécie “câmbio negro”.
Nesse encontro, segundo o revendedor de vacinas e cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, Luiz Paulo Dominghetti, houve a proposta de pagamento de propina de US$ 1 por dose na comercialização da vacina AstraZeneca. A Davati Medical Supply negociava a venda de 400 milhões de doses do imunizante.
Percebendo que o ex-subordinado de Eduardo Pazuello estava enrolando, os senadores assumiram atitude mais severa durante o depoimento.
LIGAÇÕES TELEFÔNICAS FREQUENTES
Blanco alegou todo tempo na oitiva que não tinha relações mais próximas com os atravessadores que tentaram vender vacinas ao Ministério da Saúde. “Em 30 dias, senhor Blanco, o senhor trocou 108 ligações — 108 ligações — com o senhor Dominguetti. Mais interessante: dessas 108 ligações, 64 foram de iniciativa sua. O senhor ligava duas vezes por dia para o Dominguetti”, questionou o senador Alessandro Vieira.
“O senhor ligou, então, 64 vezes para o senhor Dominguetti e o assunto era a possível parceria comercial em cima de uma situação que juridicamente era impossível. Não era a negociata de vacinas que ele fazia junto ao ministério?”, continuou questionando.
“O senhor, com a formação que tem — formação altamente qualificada, eu pude verificar —, foi incapaz, em 64 ligações de sua iniciativa, mais 44 de iniciativa do Dominguetti, de compreender que era um estelionatário?”, criticou.
ESTELIONATO
Ao inquirir o depoente, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), sempre amena, dessa vez não poupou o coronel, pois foi visível que quis engrupir a CPI. “Bom, na linha do senador Fabiano Contarato (Rede-ES), tem um artigo do Código Penal, que é o art. 171, que diz assim: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de 1 a 5 anos, e multa […]”.
“Aqui, obviamente, está em contos de réis. Acho que vossa senhoria já deve ter ouvido falar nesse dispositivo do Código Penal”, ironizou Tebet.
E seguiu nessa linha: “[…] se não cometeu crime, pelo menos estava diante de alguém que estava tentando aplicá-lo, naquele verdadeiro 171, querendo prejudicá-lo, fraudá-lo, prejudicá-lo enquanto pessoa física, no mínimo.”
“Mas, de qualquer forma, eu quero dizer o seguinte: o depoimento de vossa senhoria não bate em absolutamente nada. Tomei muito cuidado em ouvi-lo do meu gabinete, porque estamos aqui em quarentena, em uma forma um pouco isolada de convivência”, fustigou.
IRREGULARIDADE
Durante a explicação de como se deram os encontros com Dominghetti para tratar da venda de vacinas para o mercado privado, o vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), interveio e afirmou que as tratativas estariam ocorrendo com base em irregularidade, já que a venda de vacinas no mercado privado não havia sido aprovada pela Congresso Nacional.
“A primeira menção a se ter uma lei é do dia 18 de fevereiro. A primeira reunião ocorre no dia 21 de fevereiro, eu participei, sob a resistência do governo [ao projeto de lei]”, disse o vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues.
Segundo o senador, a legislação sancionada permite a compra por iniciativa privada apenas após a vacinação de todos os grupos prioritários pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações). O projeto de lei que previa a compra imediata por iniciativa privada só viria a ser apresentado e aprovado pela Câmara em março. A proposta acabou engavetada no Senado.
GOVERNO USA PF PARA “APURAR” SUPOSTOS VAZAMENTOS NA CPI
É uma tentativa do governo de intimidar a CPI. É assim que os senadores estão encarando a abertura de inquérito pela PF para apurar supostos vazamentos de documentos sigilosos do colegiado.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), e o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), criticaram, nesta quarta-feira, a abertura desse inquérito.
Randolfe afirmou que a CPI não será intimidada pelo ato. “A Polícia Federal manda para cá depoimentos incompletos e depoimentos com suspeita de edição. O ministro da Justiça dá entrevista intimidando membros da CPI, dizendo que tipo de investigação tinha que ocorrer aqui. O senhor presidente transformou a honrosa Polícia Federal em polícia política”, disse.
Randolfe pediu que a Presidência do Congresso Nacional seja comunicada sobre o inquérito da PF para a tomada de providências contra o ministro da Justiça, Anderson Torres, e o diretor-geral da PF, Paulo Maiurino.
Mais tarde, pediu que a advocacia do Senado apresente pedido de habeas corpus junto ao STF (Supremo Tribunal Federal), “a fim de trancar o inquérito ilegal e ilegítimo”.
SINTONIA
Omar Aziz concordou com Randolfe e afirmou que tomará todas as providências contra o movimento do governo Bolsonaro.
“O presidente desta Casa será comunicado pela CPI sobre o que está acontecendo, nós não vamos permitir. Nos entristece muito isso. É um fato atrás do outro que vem acontecendo, está difícil trabalhar. A CPI está trabalhando com estrutura mínima, não pense que temos por trás uma assessoria, pelo contrário. Pede-se informações para a Secom, não chegaram nem 50% das informações até hoje.”
Aziz também criticou a falta de iniciativa dos órgãos para investigar outras frentes: “Não existe nenhum inquérito contra essa senhora, a doutora Mayra. Ela foi no meu Estado, na minha cidade Manaus, e lá levou à morte a centenas de amazonenses. Ao invés de nos dar oxigênio nos deram cloroquina. Tem vídeos comprovando e não vi até agora iniciativa de representar contra essa senhora. É um claro crime contra a vida”.
POSIÇÃO DA PF
Após tomar conhecimento da decisão da CPI, a PF publicizou nota em que escreveu que abriu a investigação para apurar o vazamento dos inquéritos e depoimentos e negou ter adulterado vídeo enviado à CPI.
Eis a íntegra da nota:
“Sobre a divulgação pela imprensa de depoimentos prestados à Polícia Federal relativos a investigações em andamentos, a PF esclarece:
1 – No dia 2/8, foi encaminhada à Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da Pandemia a íntegra dos autos do inquérito que apura eventuais irregularidades na aquisição da vacina Covaxin. Foram também encaminhados os vídeos contendo os depoimentos de oito pessoas intimadas, todos sem qualquer edição;
2 – Na mesma data, a comissão parlamentar recebeu a cópia, também integral, do inquérito instaurado por determinação da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber;
3 – O alegado corte mencionado pela imprensa ocorreu em razão do término das perguntas pela autoridade policial. As alegações defensivas do depoente, embora não estejam gravadas, foram registradas por escrito e igualmente encaminhadas na íntegra;
4 – Em obediência às disposições processuais penais e com o objetivo de resguardar o andamento das investigações, a Polícia Federal solicitou à comissão parlamentar o necessário sigilo das oitivas;
5 – A PF determinou abertura de investigação para apurar o vazamento dos inquéritos e depoimentos”.
M. V.