A nova emenda constitucional (EC) 109/21, conhecida anteriormente como PEC 186/19, de iniciativa do governo Bolsonaro, que foi promulgada pelo Congresso Nacional no início desta semana (15), coloca o Brasil na contramão do mundo, ao garantir na Constituição um regime de arrocho fiscal em tempos de crise, como a que estamos vivendo hoje.
Numa atitude inédita, os integrantes da equipe econômica do governo Bolsonaro, defensores incansáveis dos lucros bancários, pressionaram o Congresso Nacional para colocar na Constituição um gatilho que garante cortes de investimentos e de gastos públicos sempre que a dívida pública atingir determinado percentual do Produto Interno Bruto (PIB). Os detalhes virão na Lei complementar.
Essa iniciativa é o suprassumo do servilismo aos parasitas e especuladores, em prejuízo da produção e do trabalho. E aconteceu em meio à discussão do novo Auxílio Emergencial, uma chantagem do governo Bolsonaro diante da urgência de milhões de brasileiros que ficaram sem renda no pior momento da pandemia.
Uma situação em que a população demanda por mais oferta de serviços públicos e medidas emergenciais que estimulem a renda e o emprego, Bolsonaro apresenta mais arrocho. O governo deve enviar ao Legislativo nas próximas semanas uma proposta de projeto de lei complementar que visa disciplinar os protocolos de arrocho fiscal incluídos na EC 109/21.
Com a pandemia do novo coronavírus, diversos países focaram suas estratégias na na emissão monetária, ou até mesmo na expansão do endividamento, como formas de financiar seus gastos no combate a Covid-19. Aumentaram a liquidez da economia, além de buscar estímulos econômicos, que não apenas serviram de colchão para atenuar os impactos do vírus em suas economias, mas também para prover a retomada econômica destas.
Com Bolsonaro o Brasil vai no caminho inverso
Não bastasse o teto de gastos, a regra de ouro e as reformas trabalhistas e da previdência, os signatários da política econômica de austeridade, Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, assentaram na Constituição novos meios para impedir que o Estado possa expandir a sua dívida para combater crises como esta que o país vive, além da própria crise econômica que nos acompanha desde 2014. O argumento para tal, é que, se a dívida bruta do governo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) ultrapassar o limite de 100%, o Brasil cairia em um cenário de hiperinflação, os investidores fugiriam do país com seus dólares, o governo teria que elevar os juros, entre outras previsões apocalípticas.
Em 2020, a dívida bruta do governo em relação ao conjunto de todas as riquezas produzidas no país (PIB) ficou em 89,7%, percentual abaixo da relação entre dívida bruta e PIB exibida pelos EUA (100,79%), Reino Unido (108,08%), Canadá (109,72%), França (116,35%), Itália (162,30%), Espanha (117%), Grécia (233,28%), e Japão (269,62%).
Todos esses países têm o endividamento maior que a produção interna, mas nem por isto deixaram de abrir seus cofres, emitir moeda e elevar suas dívidas para financiar a guerra contra o coronavírus. Não houve nesses países a tão propalada explosão inflacionária que ele juram que vai ocorrer por aqui.
Na avaliação do economista Rogério Studart, ex-diretor do Banco Mundial, “o aumento da dívida não representa nenhuma irresponsabilidade, no sentido de que ele é um fenômeno mundial, e não existe nenhum critério técnico ou reconhecido pelos economistas do mundo inteiro e que digam que uma dívida do tamanho do Brasil, até maior para assumir ainda mais os investimentos necessários para a recuperação, não cabem no Brasil”, afirmou Studart em live promovida pelo movimento Direitos Já! Fórum pela Democracia no início deste mês de março.
Para o economista e professor da UnB, José Luis Oreiro, a tese de que o Brasil está em um quadro de emergência fiscal não passa de uma mentira. Em artigo recente, “O Brasil Pode Quebrar?”, publicado na Revista Política Democrática, Oreiro destacou que “embora as emissões de títulos públicos tenham somado R$ 155,35 bilhões em janeiro de 2021, o maior da série histórica, para meses de janeiro; o custo médio do estoque da dívida caiu para 8,29% a.a, o menor da série histórica. Sendo assim, a correlação entre a dívida pública/PIB e a taxa implícita de juros da dívida pública parece ser negativa; contrariando frontalmente os profetas do apocalipse fiscal”. Os números citados pelo economista são do comunicado do Tesouro Nacional de 24 de fevereiro deste ano.
Além disso, continua Oreiro, “vários países, muitos dos quais sem moeda própria, como, por exemplo, a Itália e a Espanha, já ultrapassaram o patamar de 100% de relação dívida pública/PIB e continuam se financiando normalmente com taxas de juros reais muito baixas, quando não negativas. Por fim, num contexto de forte recessão e juros baixos é possível até mesmo que uma expansão fiscal focada em investimentos em infraestrutura com alta produtividade seja autofinanciável. Ou seja, pode ser compatível com uma redução da relação dívida bruta/PIB no médio e longo-prazo”, escreveu o professor da UnB.
O economista Nilson Araújo de Souza também avalia que esta exacerbação sobre o controle da dívida pública não tem cabimento em um período de crise. “Não existe limite técnico estabelecido para o endividamento – que tem que ser este, ou aquele, em relação do PIB ao endividamento”, destacou o professor que propõe que, além da possibilidade do endividamento, os custos com o combate à pandemia possam ser financiados pela emissão monetária. “Tem a emissão monetária que o mundo todo está fazendo, o Brasil pode fazer, e se tiver que endividar alguma coisa, além da emissão monetária, não tem problema”.
Nilson Araújo de Souza também ressaltou que o endividamento público poderia estar sendo usado para destravar a economia. “O déficit público, em uma situação de crise, ao invés de aumentar os preços, ele vai aumentar a demanda, vai aumentar a produção, a ocupação da capacidade ociosa. E como é que você financia o déficit público? Emissão monetária. Se separa o déficit público gastando com Saúde, Educação, com medidas emergenciais, gastando com o investimento público, e cobre com a emissão monetária”, afirmou.
“Nós não temos que ficar preocupados se tem déficit no momento de crise. Durante a capacidade ociosa você pode aumentar a demanda usando o próprio déficit. Durante este período, você vai elevando os investimentos, para quando esgotar a capacidade ociosa você possa ter novos investimentos”, defendeu o economista em uma live promovida pelo jornalista, Osvaldo Bertolino, que contou também com a participação do economista e professor da FGV, Nelson Marconi.
Marconi também avalia que o Brasil deve seguir o exemplo das demais economias do mundo que buscaram se endividar ou emitir moeda para financiar medidas emergenciais.
“A restrição fiscal não deve ser vista como um problema. Nós estamos vendo a pandemia se agravar, estamos vivendo o pior momento agora, um ano após ter começado a pandemia, na contramão do que está acontecendo no resto do mundo. Nós estamos virando um país pária. De novo vamos ficar isolados do resto do mundo, mas o pior não é isso, logicamente, o pior é a situação da população que vai continuar sofrendo muito em função disso”, lamentou o economista.
“Além de nós ficarmos isolados em relação ao mundo pela questão sanitária, nós estamos perdendo espaço em termos de crescimento também. O prolongamento dessa agenda liberal, dessa agenda do Paulo Guedes -que também é de uma parte da elite – vai provocar logicamente uma piora dos indicadores sociais, não vai levar à recuperação do emprego e vai piorar a distribuição de renda, além de trazer menos crescimento”, alertou Marconi.
ANTONIO ROSA