Em áudio, ministro aparece dizendo que presidente pediu atenção especial aos pedidos dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura. PGR e Senado vão investigar esquema de corrupção
A Comissão de Educação do Senado decidiu nesta quinta-feira (24) convocar o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, para explicações sobre o esquema de corrupção na liberação de verbas para os municípios brasileiros montado na pasta sob comando de dois pastores ligados a Bolsonaro. Ele tentou negar as denúncias e blindar seu chefe mas se complicou ainda mais.
PEDIDO ESPECIAL DO PRESIDENTE JAIR BOLSONARO
O áudio é cristalino. Foi Bolsonaro que pediu a ele para abrir as portas do órgão para os dois pastores. Divulgado na 3ª feira (22), o áudio mostra o ministro dizendo que sua prioridade “é atender 1º os municípios que mais precisam e, em 2º, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, e que isso “foi um pedido especial que o presidente da República [Jair Bolsonaro]”.
Ouça a fala do ministro envolvendo Bolsonaro
OS PASTORES DA PROPINA
Gilmar Santos tem 61 anos, é um dos pastores que Bolsonaro encaminhou para extorquir propinas no MEC. Ele é nascido em São Luís (MA) e comanda o Ministério Cristo Para Todos, uma das várias ramificações dentro da Assembleia de Deus, em Goiânia.
Segundo o jornal “O Globo”, ele deu início há duas semanas aos trâmites para criar uma faculdade. A “Faculdade ITCT” foi aberta no dia 8 de março na Junta Comercial de Goiás e, segundo o contrato social da empresa, Gilmar Santos investiu R$ 100 mil na criação do seu novo negócio.
O pastor já pregou na Ásia, na Europa, na África e na América do Norte, dirige o Instituto Teológico Cristo para Todos (ITCT) e preside a Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil (Conimadb).
Arilton Moura, o outro ‘agente’ de Bolsonaro, aparece como residente no Pará. Segundo a Conimadb, ele preside o Conselho Político da entidade. Em 30 de maio de 2018, foi nomeado para o cargo de secretário estadual extraordinário de Integração de Ações Comunitárias pelo então governador do Pará Simão Jatene (PSDB). Foi exonerado do cargo no dia 1º de novembro do mesmo ano.
O ministro Milton Ribeiro tentou enrolar a opinião pública dizendo à CNN, na quinta-feira (23), que o presidente não tinha nada com o esquema, mas é sua própria voz que o desmente. Para tentar se justificar, Ribeiro afirmou que teria até mesmo levado à Controladoria Geral da União (CGU) uma denúncia anônima que recebeu de que estaria havendo irregularidades no repasse de verbas por parte do pastor Arilton Moura.
MINISTRO SE ENCONTROU 7 VEZES COM PASTOR ‘DENUNCIADO‘
Ele só não explicou porque agradeceu publicamente aos dois pastores em eventos públicos e recebeu 20 vezes em seu gabinete os dois elementos envolvidos com os pedidos de propinas. O ministro também terá que explicar porque se encontrou pelo menos sete vezes com o pastor Arilton Moura, que teria sido acusado de cobrar propinas, mesmo depois de supostamente ter recebido a denúncia contra ele.
O senador Randolfe Rodrigues comemorou nesta quinta-feira (24) a decisão da Comissão do Senado de investigar o desvio de verbas públicas no MEC. “Acabamos de aprovar na Comissão de Educação do Senado, a vinda do Ministro da Educação, Sr. Milton Ribeiro, para explicar as acusações do Bolsolão do MEC”, afirmou o senador, no Twitter. Já são vários prefeitos que estão de denunciando os pastores ligados a Bolsonaro.
Depois do prefeito de de Luis Domingues (MA), Giberto Braga (PSDB), ter denunciado que um dos pastores ligados a Jair Bolsonaro, Gilmar Santos, pediu um quilo de ouro em propina para liberar os recursos demandados pelo município, outro gestor também falou. Foi Kelton Pinheiro (Cidadania), prefeito da cidade de Bonfinópolis. Ele disse que, apesar de precisar de uma escola nova, se negou a aceitar a proposta de pagamento de propina feita pelo pastor Arilton Moura.
O prefeito afirmou que, por intermédio do pastor Gilmar, conseguiu ser recebido pelo ministro da Educação numa reunião com vários prefeitos. Assim como Gilberto Braga, Kelton disse que os prefeitos foram almoçar e que, nesse momento, o pastor Arilton, que também estava no encontro, fez o pedido de propina.
Segundo o prefeito, o pastor disse: “‘Papo reto aqui. Eu tenho recurso para conseguir com você lá no ministério, mas eu preciso que você coloque na minha conta hoje R$ 15 mil. É hoje. E porque você está com o pastor Gilmar aqui, senão, pros outros, foi até mais’. Achei muito estranho, não tinha interesse”, contou Kelton.
“Olha, eu precisava muito da construção de uma escola nova. Tem uma escola lá que é de placas de muro, escola antiga, que a gente precisava substituir lá no município. Então ele disse: ‘Olha, tudo bem, eu consigo isso para você, mas eu quero que você me dê hoje R$ 15 mil aqui na minha mão. Hoje, uma transferência, que você faça isso hoje'”, relatou o prefeito.
VOCE COMPRA MIL BÍBLIAS E EU LIBERO A VERBA
Kelton Pinheiro contou ao Estadão que Arilton Moura também propôs ainda uma contribuição para a igreja. “Se você quiser contribuir com a minha igreja, que eu estou construindo, faz uma oferta para mim, uma oferta para a igreja. Você vai comprar mil bíblias, no valor de R$ 50, e você vai distribuir essas bíblias lá na sua cidade. Esse recurso eu quero usar para a construção da igreja”, disse o pastor, segundo o prefeito. “Fazendo isso, você vai me ajudar também a conseguir um recurso para você no Ministério.”
Kelton prosseguiu: “ele sentou do meu lado, em um dos lados da mesa e falou: ‘olha prefeito, eu vou ser direto com você. Tem lá um recurso para liberar com ministro, mas eu preciso de R$15 mil hoje'”, afirmou Arilton Moura, segundo o prefeito. “O discurso dele que ainda me deixou mais chateado foi: ‘eu preciso desse pagamento hoje, porque vocês políticos não têm palavra, vocês não cumprem com o que prometem. Depois eu coloco o recurso para você lá e você nem me paga’.”
Também ao jornal “O Globo”, o prefeito José Manoel de Souza (PP), da cidade paulista de Boa Esperança do Sul, relatou outro pedido de propina de R$ 40 mil por parte de Arilton, para liberar verba para construção de escolas profissionalizantes no município. Ele disse que foi levado a um restaurante de um hotel em Brasília depois de um evento no MEC em 2021.
Lá, o pastor Arilton Moura perguntou se ele teria interesse em ter uma escola profissionalizante na cidade. “Eu disse que tinha outras demandas, como creche, terceirização de ônibus”. O prefeito conta que o pastor então complementou dizendo que, se ele quisesse, poderia ter a escola na hora. “Ele disse: Eu falo lá, já faz um ofício, mas você tem que fazer um depósito de R$ 40 mil para ajudar a igreja”. Souza afirma que se levantou e disse que não faria esse tipo de negócio. A cidade de Boa Esperança, segundo ele, não teve qualquer ajuda do MEC em seus projetos.
PROPINAS E VOTOS PARA ALIADOS DO PLANALTO
Um outro prefeito que não quis ser identificado relatou ter participado de uma reunião do ministro com representantes de municípios em 11 de março de 2021. Segundo a agenda oficial do ministério, prefeitos, secretários e assessores de pelo menos 22 cidades, a maioria de Goiás, participaram da reunião. Também constam entre os presentes os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, além de assessores do MEC e representantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
O prefeito revelou que foi convidado para a reunião em uma ligação feita de um telefone do ministério por uma mulher ligada aos pastores chamada Nely. Nely é a mesma mulher que o procurou durante a reunião para, segundo ele, propor um contrato para operar como facilitadora da liberação de verbas. Ele diz que proposta semelhante foi feita a outros presentes, e que Nely possuía um apanhado de demandas pontuais dos convidados da reunião, já feitas anteriormente.
O prefeito afirmou que recusou a proposta, mas a mulher manteve contato nos meses seguintes, enviando exemplos de portarias de liberações de recursos pelo MEC e pelo Ministério da Saúde. “Estamos com orçamento do MEC e Saúde”, escreveu a mulher. “Queremos em troca uns votos para nosso deputado estadual da igreja. Interessa?”, continuou Nely. O prefeito responde que sim e pergunta quem seria o candidato. Nely então diz que “é novo” e sugere a ele que entre em contato com o pastor Arilton. O prefeito conta que não fez o contato e, pouco tempo depois, as mensagens foram interrompidas.
COMO MINHA REGIÃO ERA DE MINERAÇÃO, ELE PEDIU PROPINA EM OURO
O prefeito maranhense Gilberto Braga (PSDB) já tinha explicado como o pastor justificava o pedido de propina. “Ele disse que tinha que botar (…) Ver a nossa, a nossa demanda, né. Tinha que dar R$ 15 mil para ele só protocolar. E na hora que o dinheiro já estivesse empenhado, era pra dar um tanto x”, afirmou o prefeito. “Para mim, como a minha região é área de mineração, ele pediu 1 quilo de ouro”, completou.
“Então, o negócio estava tão normal lá que ele não pediu segredo, ele falou no meio de todo mundo. Inclusive tinha outros prefeitos do Pará. Ele disse: ‘Olha, para esse daqui eu já mandei tantos milhões’. Os prefeitos ficavam todos calados, não diziam nem que sim, nem que não'”, continuou Braga. “E assim mesmo eu permaneci calado. Também não aceitei a proposta. Deixamos as demandas na mão dele e ele deu a conta pra gente. Os que transferissem os R$ 15 mil, ele ia protocolar”, concluiu.
Em nota divulgada nesta quinta-feira (24), o prefeito Gilberto Braga reforçou a denúncia. “A respeito das notícias envolvendo seu nome em diversos veículos de comunicação, o prefeito de Luís Domingues, estado do Maranhão, Gilberto Braga, vem a público dizer que confirma o teor das declarações dadas ao jornalista Breno Pires, de ‘O Estadão'”, disse a nota.
PGR VAI INVESTIGAR ESQUEMA
“Em nenhum momento [o prefeito deu qualquer crédito às supostas propostas do pastor Arilton Moura, tendo-as como mais uma das inúmeras propostas de ‘vendedores’ de facilidades e/ou ‘fazedores’ de milagres que povoam Brasília e que ganham a vida assediando os mais diversos gestores públicos. Assim, por não acreditar na ‘inusitada’ conversa em ambiente público, não efetuou qualquer depósito na conta indicada pelo pastor ou qualquer outra”, completou o texto.
Com a repercussão das denúncias no MEC, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu autorização ao Supremo Tribunal Federal (STF) para instaurar um inquérito sobre a suspeita de que Ribeiro tenha favorecido pedidos de pastores na concessão de verbas públicas. Segundo material divulgado pela PGR, se autorizado, o inquérito vai apurar “se pessoas sem vínculo com o Ministério da Educação atuavam para a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinculado à pasta”.