“Antes tarde do que nunca”, destaca Mamede Said, da Universidade de Brasília
Ao longo de meses de mandato, Jair Bolsonaro desafiou o meio-ambiente, debochou dos cientistas, dos intelectuais e dos artistas. Insultou os índios, os quilombolas, as ONGs, os jornalistas. Foi grosseiro com chefes de Estado estrangeiros, teceu loas a torturadores e a ditadores.
De forma teatral e ameaçadora, chamou seus militantes às ruas, somando-se a eles no achincalhe ao Congresso, ao STF e às instituições. Disseminou ódio e medo nas redes sociais, julgando-se blindado por suas milícias digitais.
De repente, fez troça de um vírus avassalador, que obrigou homens de todas as nações, em todos os continentes, a se recolherem em suas casas, a parar as indústrias e o comércio, a interromper os voos e os campeonatos de futebol, a fechar as escolas e a deixar as ruas vazias.
Na contramão do Ministério da Saúde e da apreensão dos brasileiros, Bolsonaro destratou os governadores, chamou de “fantasia” uma pandemia assustadora, taxou de “histeria” o compreensível temor existente. Eis, então, que o barulho das panelas começou a se fazer ouvir. Ameaça de recessão, pessimismo e incerteza, desalento e dúvida. Em sua irracionalidade e em sua pueril agressividade, Bolsonaro parecia capaz de sobreviver a todas as intempéries.
Não contava com o surgimento de uma doença que exigiria dos governantes sensatez, equilíbrio e moderação. Que exigiria das autoridades capacidade de liderar e de passar tranquilidade, incutindo na população confiança no seu próprio valor e na sua capacidade de superação. De decretar medidas que amenizem a pandemia, que espalhem solidariedade, que tragam a certeza de que é possível enfrentar o perigo inimaginável. Atributos que Bolsonaro nunca possuiu, e que um número cada vez maior de brasileiros começa a constatar. Antes tarde do que nunca.
MAMEDE SAID É DIRETOR DA FACULDADE DE DIREITO DA UnB