Aproveitando-se do plantão no recesso do Poder Judiciário, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu monocraticamente, na segunda-feira (15), suspender todas as investigações sobre Flávio Bolsonaro e seu ex-funcionário Fabrício Queiroz, acusados de peculato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, quando Flávio ainda era deputado estadual no Rio de Janeiro.
O pretexto de Toffoli para interromper as investigações e acobertar os criminosos seria que as autoridades teriam se utilizado de informações oriundas de dados produzidos por órgãos de controle como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sem prévia autorização judicial.
Esta é, exatamente, a alegação de Flávio Bolsonaro – e seu pai, Jair Bolsonaro.
Já existe decisão, do próprio STF, que não considera quebra de sigilo o compartilhamento de informações entre o Coaf, a Receita Federal e o Ministério Público.
Até porque, se o Conselho de Controle de Atividades Financeiras não pudesse fazer nada com os dados suspeitos que detecta, seria um órgão inútil.
O Coaf detectou movimentações financeiras suspeitas de Queiroz e Flávio Bolsonaro que chegaram a R$ 7 milhões entre 2014 e 2017. Só na conta de Flávio Bolsonaro, foram feitos 48 depósitos em dinheiro, no total de R$ 96 mil. Todos os depósitos eram iguais: R$ 2 mil.
A investigação que envolve o filho de Jair Bolsonaro faz parte da Operação Furna da Onça, desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, que prendeu dez deputados estaduais (v. Os negócios suspeitos de Flávio Bolsonaro)
A decisão de Toffoli paralisa a investigação que está sendo realizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro – e, aliás, quaisquer outras, em todo o Brasil, que tiverem as informações do Coaf como ponto de partida. Sob esse aspecto é, também, uma concessão de imunidade preventiva, ainda que provisória.
Todas as outras vezes em que Flávio tentou bloquear a investigação – tanto no Supremo como na Justiça do Rio – teve seus pedidos negados.
Agora, estranhamente, a defesa do senador conseguiu “pegar carona” em um processo que corre em segredo de justiça no STF, mas que tem Dias Toffoli como relator.
A defesa de Flávio e Queiroz não argumentou sobre o conteúdo das informações, ou seja, sobre os milhões desviados dos cofres da Assembleia Legislativa do Rio. Ela simplesmente tentou anular as provas. Alegou ao STF que o Coaf se comunicou diretamente com as instituições financeiras a fim de detalhar informações enviadas pelos bancos.
Toffoli atendeu ao pedido dos acusados e, com isso, os crimes cometidos pelos integrantes do esquema montado dentro do gabinete de Flávio Bolsonaro não poderão mais ser investigados, até que o pleno do STF analise a questão (v. Gabinete de Flávio Bolsonaro abrigava “organização criminosa”, diz MP).
Para fazer isso, Toffoli suspendeu não apenas as investigações sobre Flávio Bolsonaro – cujos advogados pediram a medida – mas, também, todos os processos que se baseiam em dados do Coaf sem que houvesse antes autorização da Justiça.
“As razões trazidas ao processo pelo requerente [Flávio] agitam relevantes fundamentos, que chamam a atenção para situação que se repete nas demandas múltiplas que veiculam matéria atinente ao Tema 990 da Repercussão Geral, qual seja, as balizas objetivas que os órgãos administrativos de fiscalização e controle, como o Fisco, o Coaf e o Bacen [Banco Central], deverão observar ao transferir automaticamente para o Ministério Público, para fins penais, informações sobre movimentação bancária e fiscal dos contribuintes em geral, sem comprometer a higidez constitucional da intimidade e do sigilo de dados”, disse Toffoli na decisão.
“De mais a mais, forte no poder geral de cautela, assinalo que essa decisão se estende aos inquéritos em trâmite no território nacional, que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos administrativos de fiscalização e controle que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais”, escreveu Toffoli.
Baseado, portanto, apenas no “poder geral de cautela” (o direito de um juiz intervir quando há sinais de que uma injustiça esteja acontecendo ou possa acontecer), ao qual ele acrescentou o adjetivo “forte”, Toffoli suspendeu as investigações sobre Flávio Bolsonaro, numa decisão tomada em um processo que nada tem a ver com Flávio Bolsonaro (v. STF, RE 1055941, que, aliás, corre em segredo de justiça).
Entretanto, os indícios (e até mais do que indícios) são de roubo ao bem público, corrupção – e não de que uma injustiça esteja acontecendo.
Portanto, o “poder geral de cautela” de Toffoli é bastante peculiar. Além disso, é um poder mais poderoso do que as decisões do próprio STF (cf. Recurso Extraordinário nº 601314, cit. in PGR, Memorial, 21/03/2019).
Porque existe uma decisão do STF sobre o assunto. O que Toffoli determinou é que todos os processos baseados nessa decisão sejam paralisados, até que o STF julgue esse outro recurso, que ele transformou em tema de repercussão geral (Tema 990), ou seja, em decisão que deve ser estendida a todos os casos.
O julgamento desse recurso está marcado para novembro, tendo sido já, uma vez, adiado.
Mas o resumo é que um só ministro do STF passou por cima de uma decisão aprovada por seis ministros, inclusive ele próprio (além de Toffoli, votaram, em 18/02/2016, a favor da constitucionalidade do compartilhamento de dados com o Ministério Público, os ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia; somente os ministros Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello votaram contra, enquanto Ricardo Lewandowski estava ausente).
Quanto ao conteúdo da decisão, o procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Rio de Janeiro, explicitou o alcance do que Toffoli fez:
“A decisão monocrática do presidente do STF suspenderá praticamente todas as investigações de lavagem de dinheiro no Brasil. O que é pior, ao exigir decisão judicial para utilização dos relatórios do Coaf, ignora o macrossistema mundial de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo e aumenta o já combalido grau de congestionamento do Judiciário brasileiro. Um retrocesso sem tamanho que o MPF espera ver revertido pelo plenário o mais breve possível.”
TENTATIVAS
Essa é a quinta tentativa de Flávio Bolsonaro de impedir as investigações.
As quatro anteriores foram negadas pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e pelo próprio STF.
Em janeiro, o ministro Luiz Fux – vice-presidente do Supremo – mandara suspender provisoriamente, durante o período em que estava à frente do recesso judiciário, o procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro para apurar movimentações financeiras de Fabricio Queiroz, consideradas “atípicas” pelo Coaf. Na ocasião, Fux também havia atendido a um pedido da defesa de Flávio Bolsonaro.
À época, Fux enviou imediatamente o caso ao relator do processo no STF, ministro Marco Aurélio Mello.
Ao retornar das férias de janeiro, Marco Aurélio negou o pedido do senador do PSL para suspender a investigação.
O CASO
No fim de 2018, relatório do Coaf apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). (Leia mais: Cerco se fecha sobre Flávio Bolsonaro. Justiça amplia quebra de sigilos)
O documento revelou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, que havia atuado como motorista e assessor de Flávio Bolsonaro, à época em que o parlamentar do PSL era deputado estadual. Esse valor correspondia a um período de um ano, de 2016 a 2017. Quando se retrocedeu a 2014, o valor movimentado por Queiroz chegou a R$ 7 milhões.
No pedido de quebra do sigilo bancário e fiscal de Flávio, Queiroz e dos demais envolvidos, o Ministério Público do Rio expôs indícios de organização criminosa, lavagem de dinheiro e peculato no gabinete do filho de Bolsonaro, na época em que era deputado estadual.
As autoridades também investigam as ligações do esquema de propinas do gabinete de Flávio Bolsonaro com lavagem de dinheiro das milícias do Rio de Janeiro. O gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) empregou a mãe e a esposa do ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, chefe do ‘Escritório do Crime’, grupo de assassinos de aluguel ligado à milícia e investigado pela morte da vereadora Marielle Franco.
Conhecido como “Capitão Adriano”, o ex-PM foi um dos alvos da Operação “Os Intocáveis”, realizada pela Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro na manhã da terça-feira (16/07), que prendeu cinco milicianos. Adriano está foragido.
A mãe do ex-capitão, Raimunda Veras Magalhães, de 68 anos, era funcionária no gabinete de Flávio Bolsonaro durante parte de seu mandato como deputado estadual. Raimunda aparece na folha da Alerj com salário líquido de R$ 5.124,62.
A mãe do miliciano está nos quadros da Alerj desde o dia 2 de março de 2015, quando foi nomeada assessora da liderança do PP, ao qual Flávio Bolsonaro era filiado. Saiu em 31 de março do ano seguinte, quando o deputado migrou para o PSC. Em 29 de junho de 2016, foi lotada no gabinete de Flávio. Foi exonerada dia 13 de novembro do ano passado.
A mulher de Adriano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega também foi lotada no gabinete de Flávio na Alerj, com o mesmo salário da sogra. Ela é listada na Assembleia desde novembro de 2010 e foi exonerada junto com a sogra.
Raimunda Magalhães aparece no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) como uma das remetentes de depósitos para Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flávio Bolsonaro e amigo pessoal de seu pai, Jair Bolsonaro.
Leia aqui a íntegra da decisão de Toffoli
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