Mas saiu pela tangente dizendo que foi “informação do desenvolvedor”
O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, foi questionado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Pandemia, durante depoimento e admitiu que o Instituto Gamaleya, que desenvolveu a vacina Sputnik V, enviou documentos afirmando que não há adenovírus replicante no imunizante.
Segundo Randolfe, “a informação que havia sido divulgada [pela Anvisa para justificar a negativa] é sobre o adenovírus replicante. Os documentos do Gamaleya dizem que não existe detecção do adenovírus replicante”.
Randolfe Rodrigues mostrou três documentos oficiais do Instituto Gamaleya e da agência reguladora russa em que se afirma categoricamente que não há presença do adenovírus replicante, que pode ser prejudicial à saúde das pessoas, na vacina.
“Eu tenho aqui uma carta oficial do Centro Gamaleya do dia 26 de março de 2021, que diz que não tem nenhum RCA registrado, ou seja, não tem nenhum vírus replicante registrado”.
“Além dessa, tem uma outra documentação, de data inclusive anterior, que diz novamente: nenhum adenovírus competente de replicação foi detectado. Esse segundo documento é da congênere da Anvisa na Federação Russa”, continuou o senador.
“Temos um terceiro documento que conta exatamente o que o senhor está falando aqui. Adenovírus replicante: 0 [mostrando o documento]”.
O trecho em que mostrava um número diferente de 0 “é padrão, não que tenha sido detectado”, afirmou Randolfe. “Em relação a coleta de adenovírus replicante, todos constam zero, que não foi detectado nenhum”, explicou.
Antônio Barra Torres confirmou que recebeu e tem conhecimento desses documentos, entretanto, voltou a afirmar que a presença de adenovírus replicante “é a informação do desenvolvedor. O desenvolvedor coloca isso de maneira clara nos documentos que ele envia a nós, dizendo que em todos os lotes foi observado um valor diferente de zero. Temos uma contraposição de informações”.
“Diga-se de passagem, nesse documento após a nossa decisão na segunda-feira”, continuou, mas foi interrompido por Randolfe, que reafirmou que os documentos são anteriores à decisão da Anvisa.
“Essa documentação que me chega aqui é datada de março, essa decisão da Anvisa é de abril”, verificou o senador.
Barra Torres disse que os desenvolvedores da Sputnik V não mostram “o mecanismo de chegada das informações”, no caso a informação de que não há presença de adenovírus replicante.
“Enviamos o hall dos nossos questionamentos ainda dentro do prazo hábil de análise, mas não tivemos resposta. Não havia outra coisa a fazer naquele dia, naquela segunda-feira”, argumentou Torres.
O presidente da Anvisa não disse com quanta antecedência em relação ao prazo final para a decisão foram enviados os questionamentos à Rússia e nem se eles foram respondidos depois da decisão.
BULA DA CLOROQUINA
O presidente da Anvisa confirmou, em depoimento à CPI da Pandemia, que a médica Nise Yamaguchi participou de uma reunião com ministros e propôs colocar na bula da cloroquina que o medicamento tem efeito contra Covid, o que foi desmentido por estudos internacionais.
“Esse documento, ele foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação confesso um pouco deseducada ou deselegante minha. Minha reação foi muito imediata de dizer que aquilo não poderia ser feito”, relatou Torres.
“Só quem pode modificar uma bula de um medicamento registrado é a agência reguladora daquele país, mas desde que solicitada pelo detentor do registro”.
“Quando houve uma proposta de uma pessoa física de fazer isso, isso me causou uma reação um pouco mais brusca de dizer ‘olha, isso não tem cabimento, isso não pode’. E a reunião nem durou muito mais depois disso”, continuou.
Contudo, ele disse não saber de quem é a autoria do documento. Antônio Barra Torres declarou que Nise Yamaguchi “perguntou sobre essa possibilidade [de mudar a bula] e me pareceu estar mobilizada”.
O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta já tinha relatado essa reunião à CPI e contou da tentativa de mudar a bula da cloroquina para enganar a população. Mandetta afirmou que a proposta não passou pelo Ministério da Saúde, mas já vinha com a formatação para um decreto presidencial.
Com essas informações, os membros da CPI da Pandemia estão investigando um aconselhamento de Jair Bolsonaro paralelo ao Ministério da Saúde.
A reunião em questão era do Grupo Executivo Interministerial e Anvisa e não ficou claro por que a médica Nise Yamaguchi estava lá e a convite de quem.
No depoimento, Antônio Barra Torres afirmou que os “estudos ortodoxamente regulados” feitos em todo o mundo “apontam a não eficácia” da cloroquina no tratamento contra Covid-19.
“Até o momento, as informações vão contra a possibilidade do uso na Covid-19”, sentenciou.
O chefe da Anvisa acredita que os infectados pelo vírus devem ser acompanhados desde os primeiros sintomas, mas que a cloroquina não deve fazer parte do tratamento.