O presidente Donald Trump proferiu insultos racistas contra quatro deputadas democratas eleitas no último pleito, que têm ascendência africana ou latina, o que ocorreu em paralelo aos arrastões contra imigrantes deste fim de semana em dez das maiores cidades norte-americanas ordenados por ele.
Na segunda-feira (15) à noite, Rashida Tlaib, Ilhan Omar, Ayanna Pressley e Alexandria Ocasio-Cortez defenderam o impeachment do presidente durante coletiva de imprensa em Washington.
Resumindo, na falta de coisa melhor para juntar suas ressentidas e ressabiadas bases eleitorais, Trump quer que a xenofobia ande de mãos dadas com o racismo explícito em sua campanha pela reeleição.
As ofensas foram dirigidas contra a nova-iorquina de origem porto-riquenha, Alexandria Ocasio-Cortez (muito conhecida pela sigla AOC); a afro-americana Ayanna Pressley, nascida em Cincinatti e criada em Chicago; Rashida Tlaib, natural de Detroit de pais palestinos; e Ilhan Omar, naturalizada norte-americana na adolescência e que chegou menina aos EUA vinda da Somália.
“Por que não voltam a seus países e ajudam a arrumar esses lugares, que estão totalmente rotos e infectados de crimes?”, tuitou freneticamente Trump no domingo (14).
Tirando a condição de branco, o que diferenciaria o próprio Trump, cujo avô também foi imigrante, alemão, e a mãe, escocesa, dos alvos?
Aliás, se for levar ao pé da letra, vai ter que juntar a turma toda do Mayflower, mandar de volta para as costas britânicas e devolver a chave da Casa Branca para os indígenas, ou pelo menos, para os que sobraram do genocídio no ‘velho oeste’.
Conforme o Pew Research Center, 13% dos parlamentares norte-americanos são descendentes diretos de imigrantes e, se estender a pesquisa por mais duas ou três gerações, é capaz de não sobrar ninguém.
O que é visível tanto no lado democrata, quanto no lado republicano. Bernie Sanders é de ascendência polonesa. Marco Rubio, filho de cubano. A presidente da Câmara, Nancy Pelosi, descende de família italiana. A lista é grande.
A ira de Trump tem explicação: AOC, por exemplo, bateu duro, muito duro, chamando as prisões superlotadas para imigrantes na fronteira de “campos de concentração”.
As duas deputadas de origem islâmica têm denunciado o apoio da Casa Branca ao apartheid de Israel, inclusive cortando verbas da ONU usadas para operar escolas na Palestina. A Somália foi invadida por Bush Pai, até os guerrilheiros dizimarem uma companhia de marines em Mogadíscio – o que deu filme – e Bill Clinton ter de tirar a rapaziada de lá às pressas. “Odeiam Israel”, insistiu o sogro de Jared Kushner.
Quanto ao racismo, Trump foi durante anos um dos sustentáculos da fake news que apontava que Obama teria nascido no Quênia, não nos EUA. Obama até mostrou a certidão, mas os racistas continuam duvidando.
Se há desolação na América Central, como diria o mais famoso general de marines da época do presidente Roosevelt, deve-se a ter sido território de caça a soldo de bancos norte-americanos e da United Fruit (“Al Capone só mandava em alguns quarteirões de Chicago”, comparou). Nos anos 1970, Washington sustentou ditaduras ferozes na região para manter a miséria e a desigualdade, e seus esquadrões da morte foram a semente das gangues e violência de hoje. Como visto em Honduras, segue patrocinando golpes.
Quanto às sandices assacadas contra a deputada de origem palestina e a de origem somali, fica a pergunta: como Trump pode dizer qualquer coisa, de qualquer um, se seu principal parceiro no mundo árabe é o príncipe MBS – aquele especializado em fazer picadinho de jornalista inconveniente e em trucidar crianças iemenitas?
Ainda no Twitter, Trump postou que se “não gostam, se não fazem outra coisa que nos criticar o tempo todo, que se vão”.
Segundo Trump, é um absurdo que essas congressistas lhe digam como “levar o governo” – tipo que seus campos de concentração são campos de concentração -, o que seria “desprezo ao povo dos Estados Unidos, a maior e mais poderosa nação sobre a Terra”.
Na campanha eleitoral passada, Trump não se fez de rogado em apelar para o racismo para fazer os imigrantes de bodes expiatórios da ruína e desigualdade galopante nos EUA, como quando em comícios chamava os mexicanos de “estupradores”.
Mas agora, diz que “racistas” são as deputadas que denunciam o ódio que ele, Trump, promove abertamente – a ponto de, nos conflitos em Charlottesville em 2017, sair em defesa dos grupos neonazistas, dizendo que havia gente má “em ambos os lados”. O supremacista branco James Alex Fields Jr, que atropelou e matou Heather Heyer e feriu dezenas, acaba de ser condenado à prisão perpétua.
Na Câmara dos Deputados em Washington, a bancada democrata, que detém a maioria, está preparando um resolução condenando os ataque raciais contra as quatro parlamentares.
A.P.