Justiça quer impedir propaganda eleitoral pelo aplicativo sob argumento de que empresa não cumpre ordens das autoridades brasileiras e, além disso, a hospedagem do aplicativo está fora das fronteiras nacionais
Grupo do MPF (Ministério Público Federal) quer impedir a propaganda eleitoral em serviços como o Telegram, na campanha político-eleitoral deste ano. A plataforma tem sido usada para abrigar bolsonaristas foragidos, como mostrou reportagem do Estadão.
Jair Bolsonaro (PL) incentiva apoiadores a migrarem para a rede, onde conta com mais de 1 milhão de seguidores, se sobressaindo entre os demais pré-candidatos ao Palácio do Planalto.
A avaliação de que o Telegram não pode servir de palanque para divulgar fake news é respaldada por procuradores que atuam diretamente no combate a crimes cibernéticos e vem sendo compartilhada internamente como proposta de atuação nas eleições. Especialistas apostam que o assunto acabará sendo julgado por tribunais.
O argumento é baseado no fato de o aplicativo, com sede em Dubai, não ter representação no Brasil e não cumprir ordens da Justiça. E, com a dinâmica de campanha acirrada como a que se vislumbra neste ano, as propagandas dos candidatos não poderiam se desenrolar em ambiente virtual descontrolado.
O mesmo princípio se aplicaria à outras redes que passaram a ser usadas por bolsonaristas para driblar banimentos, como Gettr, Parler e Gab.
O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, enviou no último dia 16 ofício ao Telegram, por e-mail, solicitando audiência com Pavel Durov, fundador da empresa. Barroso pediu encontro para discutir cooperação contra a desinformação que circula no aplicativo e afeta a confiança nas eleições brasileiras. O ministro solicitou, ainda, que Durov indique representante da empresa para dialogar com o TSE. Até agora, não obteve resposta.
‘TERRA DE NINGUÉM’
O aplicativo tem ignorado pedidos de colaboração das autoridades brasileiras e representa agora uma das principais preocupações da Justiça, em particular, a Eleitoral, com disseminação de notícias falsas, discurso de ódio e outros crimes. Com regras de funcionamento menos rígidas, atrai extremistas banidos de redes como Facebook, Twitter e YouTube.
É via Telegram, por exemplo, que o blogueiro foragido Allan dos Santos continua promovendo ataques às instituições após ter suas contas excluídas das outras plataformas.
Foi por meio desse aplicativo, ainda, que o caminhoneiro extremista Zé Trovão se manteve ativo na internet enquanto era procurado pela Polícia Federal.
ESTRATÉGIA
Nos últimos dias, diante das críticas por entrar de férias no fim do ano passado, ignorando a tragédia provocada pelas chuvas na Bahia, Bolsonaro recorreu ao canal alternativo para se defender. Publicou o que definiu como “verdade das informações que você jamais verá” na imprensa e listou órgãos do governo que estão atuando para mitigar os impactos do temporal.
Na prática, o entendimento que poderia barrar a propaganda no Telegram na campanha é interpretação do que está disposto na Lei das Eleições, de 1997, na resolução sobre propaganda editada pelo TSE para as disputas de 2020 e na minuta sobre o tema para este ano.
HOSPEDAGEM EM TERRAS BRASILEIRAS
Os textos exigem que “sítios” de candidato, partido e coligações estejam hospedados em provedor de internet estabelecido no país. Procuradores argumentam que ambos os conceitos englobam o Telegram. Como provedor de aplicação entende-se “o conjunto de funcionalidades” que podem ser acessadas após conexão à internet. Apesar de “sítio” sugerir “site”, página do candidato ou do partido, o termo é interpretado como qualquer espaço em que se opta por fazer propaganda.
“Qualquer propaganda eleitoral no Telegram é completamente irregular, independentemente do seu conteúdo”, diz a procuradora regional eleitoral do Rio de Janeiro, Neide Cardoso de Oliveira, também coordenadora adjunta do Grupo de Apoio sobre Criminalidade Cibernética do MPF.
A interpretação foi divulgada em seminário organizado pela PRE (Procuradoria Regional Eleitoral), em São Paulo, que no início de dezembro tratou de ações da instituição na campanha de 2022. Neide foi escalada para apresentar aos pares aspectos da legislação sobre uso da internet nas eleições. O encontro virtual foi aberto pelo vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, o número 2 do procurador-geral da República, Augusto Aras, no TSE.
RISCO
O fato de o Telegram ignorar decisões judiciais provoca riscos, como a permanência de propagandas consideradas irregulares no ar, sem que direitos de resposta sejam concedidos. Isso não impede, no entanto, que os candidatos sejam punidos com multas por propaganda irregular.
“Se a nossa legislação tem essa brecha de alcançá-los de alguma forma, temos de utilizá-la”, defendeu Neide. “Se formos dizer que o Telegram não tem problema, mesmo não tendo representação no País, (o candidato) poderá fazer propaganda negativa, desinformação, qualquer coisa”.
O Marco Civil da Internet, de 2014, estipulou punições que vão de multa a banimento para provedores que descumprirem ordens da Justiça para compartilhamento de alguns tipos de informações. O descumprimento rendeu, por decisão de juízes de primeiro grau, bloqueios do WhatsApp.
AÇÕES NO STF
O assunto é discutido em duas ações que tramitam no STF (Supremo Tribunal Federal) e podem ter repercussão no caso do Telegram. As ações estão travadas desde maio de 2020 por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Alvo preferencial das redes bolsonaristas, Moraes vai ser o presidente do TSE a partir de agosto, durante a campanha de 2022.
O documento enviado pelo ministro Barroso ao fundador do Telegram também foi encaminhado pelos Correios, segundo o TSE, que aguarda a confirmação da entrega do ofício via postal e a resposta ao e-mail. Dados citados pelo tribunal indicam que o aplicativo russo está presente em 53% dos smartphones ativos no Brasil.
O Estadão questionou o TSE e o Itamaraty sobre outras iniciativas para tentar viabilizar o contato com o Telegram em Dubai, como uma visita presencial. A Corte Eleitoral respondeu ter feito “contato informal”, em agosto de 2020, com a embaixada em Abu Dhabi. A embaixada apenas “informou o e-mail de contato do Telegram”.