Jamais a necessidade de uma frente ampla em defesa da democracia – portanto, contra Bolsonaro e seus sequazes – foi tão evidente, tão clara, tão nítida, quanto nas eleições, que se aproximam, para as Mesas do Congresso, em especial, para a presidência da Câmara dos Deputados.
Diante do que aconteceu nos últimos dias, inclusive, tornou-se também ainda mais claro o significado de certas “frentes de esquerda”, que acabam por tornar-se, independente das intenções de seus proponentes, linhas auxiliares do bolsonarismo.
Na quarta-feira (16/12), ao comunicar o resultado da reunião da bancada de deputados federais do PT, na noite daquele dia, escreveu a presidente do partido, Gleisi Hoffmann:
“O PT não comporá bloco para a mesa da Câmara com candidatura apoiada por Bolsonaro. Junto com a oposição construirá alternativa de bloco em defesa da democracia e uma candidatura que represente e debata um programa e uma agenda para derrotar Bolsonaro e tirar o país da crise.”
Nos dias anteriores, alguns deputados e próceres do PT haviam manifestado simpatia pelo candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara, Arthur Lira (v., por ex., HP 15/12/2020, Ala petista quer apoio ao candidato de Bolsonaro para a presidência da Câmara).
Entretanto, disse Gleisi Hoffmann após a reunião da bancada, os deputados petistas resolveram não apoiar o candidato de Bolsonaro.
Mas, se é assim, o que significa “junto com a oposição [o PT] construirá alternativa de bloco em defesa da democracia e uma candidatura que represente e debata um programa e uma agenda para derrotar Bolsonaro e tirar o país da crise”?
“Derrotar Bolsonaro”, como, sem apoiar uma candidatura para a presidência da Câmara – e também do Senado – que unifique todos os setores que não querem o açambarcamento do parlamento pelas quadrilhas bolsonaristas?
A questão é derrotar o candidato de Bolsonaro – ou é apresentar um candidato do PT (ou do que o PT considera que é “oposição”), e, assim, facilitar a entronização do candidato de Bolsonaro?
Não é claro, por aquilo que escreveu a presidente do PT, o que pretendem ela e seu partido.
Na reunião da bancada, ela tentou votar o apoio ou não ao candidato que está sendo articulado pelo atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, contra o candidato de Bolsonaro.
Entretanto, segundo deputados presentes à reunião, esse ponto não chegou a ser votado: 18 dos deputados petistas foram contra decidir a posição quanto ao candidato articulado por Maia – e 18 outros foram a favor de decidir logo a questão.
Mas isso perfaz 36 deputados – o PT tem, na Câmara, 54 parlamentares. Faltam, portanto, 18 deputados, que não votaram. Além do mais, não é conhecida a posição de cada um dos 36 que votaram.
Logo, tudo, no PT, quanto à eleição da Mesa da Câmara, parece pouco claro – ou, mesmo, esquisito.
Porém, tal se deve, como já mencionamos, a que a própria realidade – isto é, a necessidade de uma ampla frente para derrotar o fascismo bolsonarista – assumiu uma nitidez como jamais antes, desde a posse de Bolsonaro.
É exatamente nessa questão – a amplitude da frente, isto é, a colocação dos interesses do Brasil e de seu povo acima de mesquinhos interesses particulares e/ou pessoais, meramente oportunistas – que o PT tem dificuldade (v., por ex., HP 15/12/2020, Jornalista desnuda a estratégia petista pró-Bolsonaro).
A BATALHA
Poucas vezes (pouquíssimas, se já houve outra vez), na História do Brasil, a eleição das Mesas da Câmara e do Senado – em especial, a presidência da Câmara – teve tanta importância.
O motivo é óbvio: temos, no Planalto, o presidente mais estúpido, mais fascista, mais obscurantista de toda a nossa vida nacional. Desde a Independência, incluído o período da ditadura (1964-1985), nunca houve, aboletada no principal cargo público do país, uma aberração semelhante a Bolsonaro.
A primeira vacina apareceu em 1796 – portanto, há 224 anos. Entretanto, Bolsonaro ainda hoje, mais de dois séculos após, coloca todas as dificuldades possíveis à vacinação do povo brasileiro contra a COVID-19, apesar dos 184 mil brasileiros mortos pela epidemia até a última quinta-feira (17/12).
Não é exagero dizer, portanto, que Bolsonaro faz o possível para que o Brasil regrida mais de duzentos anos.
Com isso, nem precisamos falar do resto: o terraplanismo mental; a fixação na ditadura, na tortura e nos assassinatos políticos; a destruição econômica do Brasil; a devastação cultural; o servilismo ao que há de pior no mundo. Basta apenas uma breve menção, pois os milhares de mortos da pandemia – e a resistência à organizar qualquer plano real e efetivo de vacinação – constituem um comentário suficiente e explosivo sobre o que é o criminoso desgoverno bolsonarista.
Natural, portanto, que a tentativa de Bolsonaro de colocar o deputado Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados cause o repúdio das forças democráticas que existem no país – e são maioria, como vimos na recente eleição municipal.
Até porque Bolsonaro, que não tem inibições para mentir, nesse caso nem mesmo tenta esconder qual é o seu objetivo na eleição para as Mesas da Câmara e do Senado. Por exemplo, disse ele sobre a “licença para matar”, de que há muito é defensor: “com a nova Câmara, com a nova presidência da Câmara, da Câmara e do Senado, nós vamos colocar em pauta um excludente de ilicitude” (v. HP 16/12/2020, Bolsonaro diz que, com a vitória de Lira, ele ressuscita sua “licença para matar”).
Em meio a essa batalha, uma “candidatura de esquerda” (ou, na linguagem de alguns petistas, “de oposição”), seria, portanto, um grande auxílio – o maior auxílio – para a extrema direita, ou seja, para a situação bolsonarista encaixar seu candidato.
Como disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP): “Curiosamente, a defesa de uma ‘candidatura de esquerda’ virou bandeira de quem tentou apoiar o candidato defendido por Bolsonaro e perdeu em seus partidos” (v. HP 17/12/2020, Orlando Silva: Notas sobre a eleição da Mesa da Câmara).
Ou seja, candidatura mais à direita do que essa suposta “candidatura de esquerda”, somente a candidatura do Planalto – e existe quem tenha dúvidas, pois Arthur Lira e o “centrão” são muito mais arrivistas e oportunistas que bolsonaristas; assim como apoiam hoje Bolsonaro, ontem apoiaram Lula e Dilma, e amanhã vão apoiar quem lhes conceder, como despojo, parte da coisa pública (outro ângulo foi exposto, também, por Orlando Silva: “Hoje, Bolsonaro apoia Arthur Lira. Arthur é bolsonarista? Não diria. Mas sua vitória seria a de Bolsonaro. Ele é conhecido por cumprir acordos. Para Bolsonaro apoiá-lo, há acordos. É adequado supor que seriam cumpridos. E o que serve a Bolsonaro não serve ao Brasil”).
A QUEM APROVEITA
O atual presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), localizou bem a origem da chamada “candidatura de esquerda” à presidência da Câmara:
“O movimento das últimas horas, de uma tentativa de terceiro candidato, vem muito mais da tentativa do governo de tentar estimular, através das pessoas que têm simpatia pelo candidato do governo, a ter uma candidatura que não apoie um movimento mais amplo de independência da Casa. Se um partido de esquerda diz que não apoiará o candidato do governo, aí o movimento do candidato do governo qual é? É tentar estimular, dentro daquele partido, uma candidatura de esquerda. Então, quem estimula hoje uma candidatura de esquerda é o governo” (v. HP 17/12/2022, Maia: “é o governo que estimula hoje uma candidatura de esquerda para a eleição da Câmara”).
Isto é: Bolsonaro e seu círculo seriam os beneficiários de uma suposta “candidatura de esquerda” na Câmara.
Como na frase latina: a quem aproveita o crime?
Talvez seja dispensável observar que uma “candidatura de esquerda” para favorecer a extrema-direita – aliás, a pior monstruosidade reacionária que já chegou ao governo do país – pode ser tudo, pode ser qualquer coisa, menos “de esquerda”.
Seria tão “de esquerda” quanto Hitler era socialista…
Esse é o problema do PT – somar-se à verdadeira oposição a Bolsonaro na eleição da presidência da Câmara ou favorecer ao candidato de Bolsonaro, Arthur Lira, com alguma presepada falsamente rotulada como “candidatura de esquerda”.
Na última eleição na Câmara, em 1º de fevereiro de 2019, o PT preferiu apoiar o candidato do Psol a fazer frente com Rodrigo Maia, então o candidato do conjunto das forças democráticas.
Naquela época, no entanto, Bolsonaro não conseguiu uma articulação como a atual, em torno de Arthur Lira. Aliás, naquela época Bolsonaro estava mais interessado no golpe de Estado – isto é, em passar por cima do parlamento, muito mais do que em disputar o comando do parlamento.
Por isso, a defecção do PT não teve significado para o resultado da eleição à presidência da Câmara, daquela vez.
Agora, dois anos depois, com Bolsonaro já derrotado várias vezes – inclusive nas eleições municipais deste ano -, com a Justiça e a polícia cercando os “negócios” da família, tomar a Câmara e o Senado, sobretudo a Câmara, é decisivo para o bolsonarismo, até para que possa voltar à tentativa de golpe de Estado.
Essa é, em suma, a questão que torna a frente ampla imprescindível na eleição para as mesas da Câmara e do Senado – e torna um crime contra o país o divisionismo, em nome de uma falsa “candidatura de esquerda”, que somente pode beneficiar aos inimigos da democracia e da nossa Nação.
CARLOS LOPES